Jovens ocupam leitos de UTI agora, dizem médicos voluntários no AM e em RO
Aos 29 anos, o paulistano Mateus Franco, recém-formado na residência da clínica médica, foi convidado por um professor para integrar a força-tarefa da AMB (Associação Médica Brasileira).
O grupo iria para Manaus, onde os profissionais de saúde, esgotados, precisavam de reforços.
Era fevereiro de 2021 e a ideia de atuar em um momento crítico da pandemia no Brasil atraiu Mateus: além de ajudar quem precisava, era uma oportunidade de ter experiência de atuar em um local diferente.
Pouco tempo depois, ele participou de outra excursão. Dessa vez, para Porto Velho.
Na jornada de uma semana em cada uma das cidades, a maior surpresa do clínico formado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) foi a idade dos pacientes que necessitavam de tratamento intensivo —alguns até mais jovens do que ele.
"Atendo pacientes de covid-19 desde março de 2020 e o que chama atenção agora —não só minha, mas de toda a equipe— são pacientes mais novos em estado grave. Muitos entram em ventilação mecânica e não evoluem bem. Vários também apresentam lesão renal. Eles param de urinar e precisam ir para diálise", conta.
A tendência observada pelo médico se repete em todo o país. Dados do Ministério da Saúde mostram que, só em 2021, 40 pessoas entre 20 e 39 anos morreram por dia. Segundo a Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais), em todo o país, três em cada 10 óbitos são de jovens e adultos —uma alta de 35% em relação ao ano passado.
No dia em que conversou com a reportagem, Mateus, que estava em Porto Velho, tinha acabado de perder um paciente de 29 anos. "A equipe de enfermagem repetia o nome dele e dizia 'Vamos sair dessa, você tem um filho te esperando em casa'. Não deu. Contar para o irmão dele foi difícil demais."
O trabalho da força-tarefa voluntária
Os médicos recrutados pela AMB eram remunerados de acordo com seus plantões —a parte do voluntariado se refere em sair, por vontade própria, das suas respectivas cidades para cobrir turnos em locais com maior demanda de profissionais.
O papel do grupo era oferecer força de trabalho. "Nas cidades onde estive, os médicos estavam muito sobrecarregados, trabalhando mais de 36 horas seguidas por que não tinha plantonistas suficientes. Quando a gente sai de grandes centros, capitais com muitas faculdades de medicina, a oferta de profissionais é menor", explica o médico, que atuou no Hospital Platão Araújo.
No mesmo grupo de Mateus, Marília Carvalho Vieira Learth Cunha, 36, especialista em clínica e reumatologia, trabalhou em outro local, um hospital de campanha.
"Por lá, não tínhamos nem um caso leve ou moderado —a maioria já chegava com necessidade de intubação e quem não estava, provavelmente precisaria em breve. O número de jovens sem doenças associadas assusta muito, não era algo tão comum no ano passado", relata.
A médica conta que, na época, o começo de 2021, embora houvesse espaço para criar novos leitos e respiradores, as equipes não davam conta. "É muito surreal ver tantos pacientes chegando, UTIs abrindo, e você não consegue desafogar."
Com oito anos de experiência em UTI, Marília se dedicou ao tratamento intensivo e lembra que muitos pacientes não voltavam para casa.
"A mortalidade era muito alta. Ao dar a notícia para os parentes, presenciávamos o histórico de tragédias. Muitos familiares já estavam machucados por terem perdido outros entes queridos. Era normal ouvirmos: 'Perdi meu pai há 10 dias, minha tia acabou de morrer'".
Não é conspiração —a covid-19 não poupa jovens ou qualquer outro grupo.
Em Porto Velho, Mateus atuou, como a colega Marília, em um hospital de campanha. "É muito menos organizado do que uma UTI normal, mas tem um clima de solidariedade enorme. Conheci médicos de vários lugares e especialidades —um português que estava trabalhando em São Paulo, recém-formados, oftalmologistas, enfermeiros... Que como eu, foram para ajudar e ganhar conhecimento."
Para resumir sua experiência, ele usa parte de um poema de Carlos Drummond de Andrade que diz: "Meus olhos são pequenos para ver". Com isso, Mateus exemplifica que há pacientes demais, necessidades demais —que hospitais e profissionais de saúde não são capazes de atender.
"Exigiu todo o meu conhecimento e ainda mais esforço para conseguir dar conta. Foi um aprendizado humanizador, que me faz lidar com coisas difíceis. Você vê o desespero de um paciente e sente na pele, já que sabe que muitos pacientes não precisariam morrer, mas com o colapso do sistema, é inevitável", diz.
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