Como Cruella, não gostar de bichos e crianças pode ser sinal de psicopatia?
Em 1956, a escritora inglesa Dodie Smith lançou o livro "101 Dálmatas", que já foi adaptado para filmes e desenho infantil. Sua história conta a luta pela sobrevivência de um casal de cães junto com sua ninhada e outras dezenas de filhotes dessa raça sequestrados por Cruella De Vil (ou Cruela Cruel), uma modista extravagante, egocêntrica, dissimulada, instável emocionalmente e tão fria que quer matá-los para usar suas peles na confecção de um casaco.
Das vezes em que esteve em cena, a vilã, além de demonstrar seu total desprezo por animais, admitiu nutrir o mesmo por crianças, sobretudo bebês. Agora, ela está de volta no live-action biográfico "Cruella", da Disney, e que será lançado em 28 de maio deste ano e contará como se tornou, em suas palavras, no que os outros mais temiam: uma psicopata.
Mas fora das telas, faz sentido um perfil comportamental como o de Cruella ser tratado como psicopatia? Os especialistas ouvidos por VivaBem concordam que sim, mas dizem não ser tão simples. Para eles, ausência de sentimentos, empatia e culpa, ainda mais quando se comete atos violentos contra seres inocentes e indefesos, são fortes indícios desse transtorno. Porém, não gostar de animais e crianças por algum motivo não necessariamente tem a ver com isso.
Psicopata é cruel desde cedo
Ainda não se sabe se o filme "Cruella" abordará como foi a infância da vilã, mas quem se torna um psicopata, quando criança ou adolescente demonstra ter uma inclinação para maltratar e torturar animais e semelhantes, além de mentir, manipular e cometer delitos. São aspectos inerentes ao transtorno de conduta, que com o tempo piora e resulta em outro transtorno, o de personalidade antissocial (TPAS), sendo a psicopatia um dos seus desdobramentos.
Marina Vasconcellos, psicóloga pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), explica que então adulto, o psicopata age com muito egoísmo, frieza, prepotência, narcisismo e usa de sua inteligência e impulsividade características para conquistar o que almeja, desconsiderando vontades, opiniões e sentimentos alheios, que menosprezados, humilhados, ou convertidos em dor, alimentam um prazer sádico. "A Cruella é um retrato fiel disso tudo", afirma.
Os traços comportamentais do transtorno são excessivos, repetitivos, inflexíveis e o grau pode ser severo, como o dos serial killers, ou mais leve, como o da maioria dos psicopatas que vivem na sociedade. É o caso da vilã, que não chega a ser uma assassina, mas prejudica animais e quem ousa contrariá-la. Já vimos em versões passadas que ela é uma chefe que desqualifica e agride seus subordinados, uma "amiga" chantagista e interesseira e uma motorista perigosa.
Indiferença a fofuras
Crianças e animais costumam despertar de imediato bons sentimentos nas pessoas. Não sentir nada por eles ou o contrário disso, como já citado, chama a atenção e pode ser um indício de psicopatia, mas como fator isolado não dá para afirmar. Segundo Eduardo Perin, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), é normal nem todos gostarem, mas querer distância é uma coisa, fazer mal é outra.
"Quando não é psicopatia, pode ter a ver com o contexto cultural da pessoa, de não ter convivido perto, ou aprendido a dar carinho. Outra possibilidade seria uma fobia, então o contato é evitado porque se tem medo, nojo ou outra dificuldade", acrescenta ele, lembrando que idosos, principalmente mais avançados, também costumam ter menos paciência e trato.
Quem não gosta de crianças e animais geralmente também tem consciência disso, diferente dos psicopatas. Eles não têm motivos para justificar seu jeito de ser e não questionam as próprias atitudes e nem percebem ou se importam com o efeito delas, por se considerarem certos e superiores o tempo todo. Sua frieza e impiedade não têm a ver com raiva, tampouco surtos, delírios ou alucinações, como em quadros de esquizofrenia e transtorno bipolar.
Tratar surte efeito?
Em "102 Dálmatas", Cruella sai da prisão aparentemente regenerada, mas ao longo do filme volta a se comportar como antes. Segundo os médicos, é o que costuma acontecer de verdade. O psicopata é tão centrado nos seus objetivos que arrisca a própria vida, conquistas, ignora leis e só faz tratamento para enganar as autoridades de que está "curado". Se não estiver envolvido em algum crime ou não for levado à força por alguém, dificilmente buscará ajuda.
É muito difícil tratá-los, porque mentem demais, não seguem recomendações médicas e, por mais que estejam fora de controle, atribuem valor a seus atos. "Não existem medicamentos que os melhore e tratamentos disponíveis, como psicoterapias, apenas atenuam, ou tentam desenvolver, sensibilizar e fazê-los compreender a necessidade de ter um comportamento social", diz Henrique Bottura, psiquiatra e diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista.
No que compete aos não psicopatas, mas que detestam crianças e animais, cabem procurar o suporte de um psicólogo ou psiquiatra, se, por conta do que sentem, estiverem sofrendo ou enfrentando dificuldades para se relacionar e levar uma vida normal. Se o motivo for um trauma, é preciso superá-lo. Mas mesmo que não haja uma explicação por trás, o não gostar representa um bloqueio que merece ser acompanhado para descartar ou não evoluir para algo mais sério.
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