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Fumaça de cigarro piora a qualidade do tecido ósseo, mostra estudo da USP

Ao longo da exposição à fumaça, ocorre a elevação na quantidade de colágeno V e diminuição do colágeno I - Getty Images
Ao longo da exposição à fumaça, ocorre a elevação na quantidade de colágeno V e diminuição do colágeno I Imagem: Getty Images

Beatriz Azevedo

Do Jornal da USP

14/04/2021 13h42

Uma pesquisa da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) identificou os efeitos danosos do tabagismo na consolidação óssea. Por meio de testes em camundongos, o estudo comprovou que a exposição à fumaça piora a qualidade do tecido ósseo e afeta a matriz extracelular fundamental para sua formação, o que resulta em perda da massa óssea e afinamento das fibras do tecido.

O pesquisador e cirurgião ortopedista responsável pelo trabalho, Alexandre Povoa Barbosa, destaca ao Jornal da USP que os estudos sobre as consequências do tabagismo no corpo humano foram realizados com foco em doenças que afetam diretamente os órgãos vitais. Não havia pesquisas sobre os impactos do tabaco na consolidação óssea. Ele também ressalta que a pesquisa foi iniciada como forma de tentar explicar um fenômeno observado durante cirurgias ortopédicas.

"Uma coisa que me motivou a fazer a pesquisa foi que, como cirurgião ortopedista, vejo um índice alto de fraturas, como resultado dos tratamentos cirúrgicos nos pacientes tabagistas, e isso é algo que nunca esteve muito bem explicado."

A proposta do trabalho de doutorado "Os efeitos deletérios do tabagismo na mineralização óssea e composição da matriz fibrilar" foi avaliar as consequências da exposição à fumaça de cigarro no mecanismo de consolidação e remodelamento da matriz óssea. A consolidação da matriz trata-se de um processo responsável por reparar o tecido ósseo lesado e construir novo arcabouço ósseo.

Já o remodelamento é um mecanismo de substituição, ou reconstrução, de áreas de tecido ósseo de modo a preservar a sua integridade, otimizar a sua função e prevenir a sua degradação. Nesse processo, duas atividades ocorrem: a formação e reabsorção óssea do tecido, processos realizados por células do tipo osteoblastos e osteoclastos, respectivamente.

Os pesquisadores analisaram os componentes específicos da matriz extracelular do osso. Ela é composta de uma porção inorgânica — com íons de fosfato, cálcio e outros minerais — e uma orgânica, constituída majoritariamente por fibras colágenas.

O colágeno do tipo I é o constituinte mais importante da matriz orgânica do osso. Ele participa de processos importantes no corpo humano como o desenvolvimento dos órgãos e tecidos, cicatrização e remodelamento tecidual. O colágeno tipo V também está presente na matriz, embora seja em menor quantidade. Ele faz parte da organização e estabilidade da matriz extracelular.

Junto a outros tipos de colágeno, o tipo I forma as chamadas fibras heterotípicas (fibras constituídas por diferentes tipos de colágeno). O tipo V se encontra no interior dessas fibras. Todos eles são responsáveis pelo processo de formação das fibras que compõem o osso.

Em geral, o colágeno tipo V representa cerca de 2% do tecido ósseo. A partir do momento em que ele está presente em grandes quantidades, há um efeito pró-inflamatório que interfere na conexão entre as moléculas de colágeno para formar as fibras. A consequência disso é o afinamento delas.

"A hipótese do nosso estudo era a de que, ao longo da exposição à fumaça, ocorre a elevação na quantidade de colágeno V e diminuição do colágeno I. Isso realmente aconteceu", explica Barbosa ao Jornal da USP. Dessa forma, o estudo comprovou que há alteração estrutural no tecido ósseo em razão da exposição à fumaça.

Na análise da matriz, o que percebeu-se foi o aumento da atividade das células osteoclastos — que atuam na reabsorção do tecido ósseo. No metabolismo ósseo comum, acontece a formação óssea (feita pelos osteoblastos) e a reabsorção. O estudo identificou o aumento da presença de osteoclastos e redução da atividade osteoblástica. Isso significa que o processo de formação ósseo não acompanhava a reabsorção, o que culmina na perda de massa óssea mineral.

Em resumo, a fumaça de cigarro é responsável pelo aumento da quantidade de colágeno V e diminuição do colágeno I, o que resulta no afinamento das fibras ósseas. Além disso, o cigarro aumenta a atividade dos osteoclastos, o que resulta na perda de tecido mineralizado do osso.

Para analisar os efeitos do cigarro no metabolismo ósseo, camundongos foram divididos em dois grupos. O Grupo Controle, com animais expostos ao ar ambiente, e o Grupo Fumo, com animais expostos à fumaça.

"A alteração na proporção dos tipos de colágeno na matriz óssea é provavelmente o principal mecanismo para explicar a maior fragilidade fisiológica para o reparo tecidual do indivíduo tabagista. Certamente, esses mecanismos inflamatórios prejudicam a regeneração da matriz e sua mineralização, comprometendo a qualidade e integridade do tecido", conclui Barbosa. O trabalho foi orientado pela professora Walcy Paganelli Rosalia Teodoro e defendido em 2019.