Reagir com violência não evita bullying; adultos devem ajudar
Resumo da notícia
- Especialistas defendem a importância de pais e escolas atuando juntos em prol de crianças e jovens vulneráveis
- Revidar com violência, ignorar ou fugir do problema são medidas ineficazes e que só pioram a situação
- Quem comete bullying também deve ser acompanhado e tratado para superar dificuldades pessoais
No Brasil, o bullying é duas vezes maior do que a média geral das instituições de ensino em 48 países, segundo dados de 2019 da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Por aqui, a incidência do problema de forma semanal ou diária é reportada por quase 30% dos diretores das escolas de ensino fundamental e cerca de 20% dos de ensino médio. O percentual supera em muito as médias da América Latina (13%) e do mundo (14%).
Em seu estudo, a organização continua que a violência física e emocional contra estudantes precisa ser enfrentada de novas maneiras, especialmente no país. Em sua terceira temporada na Netflix, a série "Cobra Kai", sequência sobre a vida dos personagens dos filmes "Karatê Kid" dos anos 1980, propõe que com aulas —polêmicas — de combate marcial vítimas de bullying podem aprender a se defender e com isso intimidar e impor respeito a seus adversários.
Entretanto, especialistas consultados por VivaBem asseguram que, embora o esporte possa ser um aliado, situações de bullying são solucionadas de forma pacífica. "Por meio de uma rede de apoio composta por pais, professores, alunos, psicólogos, e não com os valentões levando a pior, mas sendo compreendidos e ajudados", afirma Gabriela Luxo, psicopedagoga e doutora em distúrbios do desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP).
Mais fortes pelos mais fracos
Quem é alvo de ataques na escola não deve tentar solucionar o problema sozinho, por mais que ele cause constrangimento social. Principalmente durante a adolescência, o corpo muda e com ele as ideias, emoções, percepções e reflexões. Como tudo ocorre ao mesmo tempo, é normal que aconteçam conflitos internos e externos, mas sem atenção dos pais, que devem ouvir, conversar, incentivar e não julgar os filhos, a situação pode sair do controle.
Não são raros casos de bullying que terminam em tragédia, pois sem acompanhamento dos adultos, o jovem, já acuado, assustado e transtornado, se vê sem saída e parte para atos impulsivos e extremos. "Segundo dados da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), uma a cada três crianças já sofreu bullying nas escolas e isso pode levar ao suicídio", alerta Silvana Barros, psicóloga e psicanalista da SPFOR (Sociedade Psicanalista de Fortaleza).
Além disso, o bullying também está associado a um risco maior de transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, de acordo com um estudo realizado pelo grupo Previna, do Departamento de Medicina Preventiva da EPM/Unifesp (Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo), em parceria com o Departamento de Psiquiatria e com financiamento do Ministério da Saúde. Os pesquisadores analisaram mais de cinco mil estudantes do 8º ano de escolas públicas de três cidades brasileiras e os resultados foram publicados em dezembro de 2020 no periódico International Journal of Eating Disorders.
Para prevenir o problema, os pais precisam estar presentes, inclusive nas redes sociais dos filhos, e os profissionais dessas instituições, sensibilizados e preparados para lidar com a questão. Isso só é possível com investimento em campanhas de divulgação de políticas antibullying e criação de canais de ajuda. Conscientizados, os jovens podem se engajar em comitês pró-diversidade para se protegerem mutuamente e a informação chegar aos adultos responsáveis, mesmo que de forma anônima.
Sem ataque nem fuga
Revidar um ataque verbal ou físico nunca é a melhor solução. Num primeiro momento, a vítima de bullying deve tentar um diálogo franco com seu agressor e, não surtindo resultado ou não havendo apoio e acolhimento dos colegas e segurança para falar e expor sentimentos, buscar ajuda de adultos o quanto antes. Ignorar o problema não o resolverá, pelo contrário, com o passar do tempo é esperado que aumente de proporção e fique difícil de ser resolvido.
Como geralmente o alvo do bullying tem um perfil inseguro e introspectivo, fazer terapia, ioga e aprender técnicas de autodefesa e autocontrole são táticas bem-vindas. "É preciso estar munido de recursos de enfrentamento, mas com cuidado para não gerar mais agressão para si mesmo, pois adolescentes que praticam bullying podem se sentir desafiados", adverte a psicanalista recifense Blenda de Oliveira, da SBPSP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo).
Quando a situação chega ao ponto de ser considerada uma mudança de escola é porque não houve empenho dos adultos e a vítima chegou ao seu limite emocional. Ela tem o direito de decidir trocar de escola, mas não é indicado que o faça enquanto o bullying estiver em curso. Antes, deve passar pelo desafio de conseguir solucionar o problema, para assimilar que seus esforços e os dos demais envolvidos não foram em vão e dar o exemplo aos demais colegas.
Agressor não é vilão
Algumas provocações são inerentes ao universo infantil e adolescente e não necessariamente são consideradas bullying. Entretanto, quando se tornam frequentes, hostis demais e causam sofrimento é preciso que a escola esteja alerta e acione os pais para que com eles investigue e descubra o motivo. Quem comete bullying geralmente também esconde alguma dificuldade psicológica ou emocional para lidar com diferenças, inseguranças e frustrações pessoais.
"Usar o outro como válvula de escape pode ser a maneira que esse sujeito encontrou para aliviar problemas, muitas vezes de âmbito familiar", alerta Deborah Moss, neuropsicóloga, especialista em comportamento infantil e mestre em psicologia do desenvolvimento humano pela USP (Universidade de São Paulo).
Sem saber lidar com a violência, eles se transformam em agressores numa tentativa de serem "aceitos". Portanto, também são vítimas e precisam igualmente de escuta, tratamento e apoio para romper esse padrão e aprender a respeitar, dialogar e ter empatia com quem pensa e age diferente. Pais que não levam isso a sério, prejudicam o presente de seus filhos, mas também seu futuro, quando terão de enfrentar sozinhos consequências de comportamentos enraizados.
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