"Love bombing": o que há por trás das demonstrações exageradas de amor
Mensagens carinhosas, áudios com declarações de amor, buquês de flores, presentes sem motivo especial. Demonstrar que se ama alguém não é um problema, mas quando a frequência desse comportamento flerta com o exagero merece atenção. Um olhar mais apurado fora da superfície pode observar nessas atitudes a mais pura expressão do chamado "love bombing" (bombardeio de amor, em tradução livre), um comportamento egocêntrico que pode se encaixar no transtorno de personalidade narcisista.
Mais do que para agradar o outro, a "overdose" de afeto pode ter como objetivo chamar a atenção para si mesmo. "Essas pessoas sentem uma intensa necessidade de serem notadas como superiores e têm sentimentos e pensamentos de grandiosidade", comenta Adriane Branco, psicóloga especialista em TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) pelo CPCS (Centro Psicológico de Controle do Stress) e pesquisadora do CEPCoS (Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e Sexualidade), ambos em São Paulo (SP).
Em princípio, quem apresenta o perfil "love bombing" encanta o parceiro, que se vê como especial. "A pessoa se sente amada e desejada como nunca foi antes, porque os narcisistas podem proporcionar experiências afetivas, sexuais e de cuidados inéditas", afirma Elaine Di Sarno, psicóloga especializada em avaliação psicológica e neuropsicológica e em TCC, ambas pelo IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
Tudo isso, no entanto, visa apenas o bem-estar pessoal. O exagero busca admiração, elogios, ser o centro das atenções. Isso provoca satisfação ao indivíduo, reforçando ainda mais o comportamento. Sempre que as ações do narcisista são aceitas pelo par, há o reforço do controle que ele tem da situação e de quem está próximo. "Trata-se de algo que ele necessita constantemente, pois dessa maneira suas fraquezas não serão expostas", fala Branco.
Risco de relação complicada
Nem todo comportamento "love bombing" camufla um transtorno narcisista, mas em geral encobre uma personalidade frágil de alguém que, para garantir sua zona de conforto que promove a sensação de grandiosidade, tende a buscar parceiros com baixa autoestima.
Silvia Malamud, psicóloga clínica especializada em terapia de casais e família, de São Paulo (SP), diz que relacionamentos marcados logo no início pelo exagero têm a tendência de, em médio prazo, converter-se em decepções ou inseguranças afetivas sem fim. "Esse tipo de conduta indica uma projeção de todas as carências no outro, como se a pessoa não tivesse defeito algum e fosse solucionar tudo na vida do apaixonado".
O perigo está nas cobranças que surgem após um tempo, nas frustrações que podem vir no pacote e, ainda, na cegueira que continua quando o outro se torna alguém inventado pelo par e a todo custo precisa se encaixar no modelo".
É possível prever o "bombardeio de amor" de alguém? Antecipá-lo, necessariamente, não. Mas é possível, sim, reconhecê-lo aos poucos, quando as atitudes se tornam exacerbadas. "Se quem é o 'alvo' perceber que há exagero nas demonstrações de afeto e isso incomoda, deve pontuar de maneira assertiva, deixando claro que determinadas ações não são necessárias", declara Branco. Entretanto, para que isso ocorra, é importante que a pessoa se sinta segura, tenha autoconhecimento e autoconfiança —aliás, estado emocional em equilíbrio neutraliza qualquer armadilha sedutora.
É válido mencionar que um indivíduo com transtorno narcisista estará sempre em busca de alguém que supra suas necessidades, ou seja, de um par que o admire e o venere por suas "qualidades" apresentadas. Cada vez que perceber que não é o centro das atenções da outra pessoa, poderá encontrar maneiras de desqualificá-la, abrindo a brecha para uma relação abusiva. "Se relacionar com um 'love bombing' é certamente nocivo à autoestima e ao bem-estar emocional, e pode levar ao agravamento da autoconfiança, como também afetar perspectivas futuras e provocar isolamento social, autodepreciação, sensação de incapacidade de romper o relacionamento e até mesmo danos à saúde mental, com a evolução de quadros ansiosos e depressivos", avisa Di Sarno.
O exagero, para quem o recebe, pode provocar ainda a sensação de se sentir sufocado e controlado. É importante perceber que dificilmente é possível mudar a pessoa e os danos emocionais que ela pode causar. Quando o parceiro perceber que a pessoa age de modo que está fazendo um grande mal a ele, a melhor coisa a fazer é se afastar —por mais dolorido que seja.
Quando confrontados, indivíduos que praticam o "love bombing" tentam inverter as coisas, declarando que, na verdade, o tóxico é o outro. Sequer se dão conta de que, em muitos casos, precisam de ajuda especializada de um psiquiatra e um psicoterapeuta. "Uma relação que se inicia dessa forma exagerada dificilmente pode dar certo. O amor saudável é uma emoção sadia. Um relacionamento tido como saudável é aquele que promove o bem-estar do casal por meio de uma parceria sentimental respeitosa, sem individualismo exacerbado, nem a abnegação total de si em nome do outro", diz Di Sarno.
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