Estudo: crianças têm mais risco de adquirir do que transmitir covid-19
Desde o início da pandemia, muito se fala sobre o potencial de transmissão do novo coronavírus pelas crianças, por serem pouco sintomáticas e ser um grupo com forte tendência a não cumprir as medidas de distanciamento social. Agora, um trabalho de pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), da Universidade da Califórnia e da London School of Hygiene and Tropical Medicine indica que as crianças têm mais risco de serem infectadas do que de transmitirem o vírus aos adultos.
Segundo os pesquisadores, as crianças avaliadas "não parecem ser a fonte da infecção de Sars-CoV-2 e mais frequentemente adquiriram o vírus de adultos. Nossas descobertas sugerem que em cenários como o estudado, escolas e creches poderiam potencialmente reabrir se medidas de segurança contra a covid-19 fossem tomadas e os profissionais adequadamente imunizados", diz o estudo.
Intitulado "A dinâmica da infecção de SARS-CoV-2 em crianças e contatos domiciliares em uma comunidade pobre do Rio de Janeiro", o estudo foi coordenado por Patrícia Brasil, chefe do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas do INI/Fiocruz (Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas). Os resultados são referentes a um cenário onde a variante P.1, considerada mais transmissível, ainda não havia sido identificada.
O levantamento analisou 667 participantes em 259 domicílios na comunidade de Manguinhos, no Rio, entre maio a setembro de 2020. Foram coletados dados de 323 crianças (de 0 a 13 anos), 54 adolescentes (14 a 19 anos) e 290 adultos. Os testes de 45 crianças (13,9%) deram positivo para o vírus. O estudo mostra ainda que a infecção foi mais frequente em crianças com menos de 1 ano e na faixa de 11 a 13 anos.
Para levantar os dados, os cientistas acompanharam crianças com menos de 14 anos que buscaram algum tipo de atendimento no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), em Manguinhos. Essas crianças e os familiares que residiam na mesma casa foram monitorados e submetidos a testes de PCR e de sorologia (IgG).
Um total de 32,6% (79/242) das crianças com menos de 14 anos e 31% (72/231) dos contatos familiares tiveram testes positivos, indicando que já tinham sido expostos ao Sars-CoV-2 até setembro de 2020. Das 45 crianças com testes positivos, 26 tiveram contato com um adulto também positivo. As outras 19 tiveram contato com adultos que não consentiram em fazer o teste, mas que relataram sintomas suspeitos de covid-19.
A pesquisa observou também uma proporção maior de crianças com menos de um ano infectadas, em comparação com grupos pediátricos de outras idades, o que seria atribuído ao contato direto com as mães. Enquanto um estudo na China revelou uma taxa de infecção de 17% em bebês, a pesquisa feita em Manguinhos registrou aproximadamente 30%.
"A menos que essas crianças fossem portadoras do Sars-CoV-2 por um longo período, nossos resultados são compatíveis com a hipótese de que elas se infectam por contatos domiciliares, principalmente com seus pais", diz o artigo, "ao invés de transmitir para eles".
O estudo, no entanto, destaca que o período de sua realização coincidiu com o fechamento das escolas. "Os adultos podem ter sido os propagadores mais importantes porque continuaram a trabalhar fora de casa, continuamente expostos nos transportes e locais de trabalho", diz o estudo.
Além de fornecer dados para que as medidas restritivas sejam reavaliadas (como fechamento de escolas) os cientistas alertam para a necessidade de que profissionais da área de educação sejam vacinados e que as crianças sejam inclusas na vacinação prevista pelo PNI (Plano Nacional de Imunização) do Ministério da Saúde para conter a transmissão do vírus.
"Se os adultos forem imunizados e as crianças não, elas podem continuar a perpetuar a epidemia. Se no mínimo 85% dos indivíduos suscetíveis precisam ser imunizados para conter a pandemia de covid-19 em países de alta incidência, esse nível de proteção só pode ser alcançado com a inclusão de crianças em programas de imunização, principalmente no Brasil, onde 25% da população têm menos de 18 anos", conclui o texto do estudo.
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