Entenda a terapia que dá mais qualidade de vida a pacientes renais
Segundo o último censo da SBN (Sociedade Brasileira de Nefrologia), atualmente, cerca de 144 mil brasileiros precisam de diálise, nome genérico que se dá a qualquer procedimento que remova substâncias tóxicas que ficam retidas no sangue quando os rins deixam de funcionar adequadamente.
O tratamento é indicado somente quando não é possível reverter a progressão da falência dos rins com remédios e mudanças na dieta ou enquanto este paciente aguarda por um transplante.
Deste total de pessoas que dialisam, mais de 90% fazem a hemodiálise convencional em unidades de saúde —três vezes por semana com sessões que duram cerca de 4 horas cada uma. Por meio de um cateter colocado no braço do paciente, o sangue é levado para um equipamento que faz a filtragem.
A técnica tem como princípio a retirada de líquido e toxinas como ureia e creatinina, além de poder corrigir distúrbios no pH, no sódio e no potássio sanguíneos, entre outros.
Assim como a hemodiálise, a diálise peritoneal tem a mesma finalidade. A diferença principal deste processo é que ao invés dela ser feita em uma unidade de saúde e com a ajuda da equipe de enfermagem, ela é realizada diariamente na própria casa do paciente e sob sua responsabilidade, família ou cuidador.
Ao optar por este tratamento, conforme indicação médica, o paciente passa antes por um procedimento cirúrgico de implantação do cateter na barriga (peritônio), que é encaixado posteriormente nas bolsas de filtragem do sangue.
Mais qualidade de vida
Uma técnica mais sofisticada, que tende a ganhar cada vez mais espaço, é a hemodiafiltração online de alto volume. Criada no início dos anos 2000 e, até então, apenas acessível a 4% do total de pacientes renais crônicos no país, ela acaba de entrar no rol de procedimentos a serem obrigatoriamente cobertos por todos os planos de saúde, por decisão da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
O seu diferencial? Enquanto a hemodiálise utiliza principalmente o método da difusão que retira muito bem moléculas nocivas de tamanho pequeno, como a ureia, por exemplo, a hemodiafiltração online acrescenta ainda a convecção que remove um volume de líquido maior do organismo, 'arrastando' junto muito mais toxinas, sobretudo as de tamanho maiores.
E mais: todo esse volume de água removido em excesso é reposto em tempo real durante a sessão, por isso é chamada hemodiafiltração online. Vale saber que sem essa reposição, dificilmente o corpo suportaria o procedimento.
Especialistas são unânimes ao afirmarem que a hemodiafiltração online é a que mais se aproxima da função fisiológica de um rim normal, sendo também mais confortável para o paciente. Ou seja, ele raramente terá, durante a terapia, quedas bruscas na pressão arterial, dores de cabeça e náuseas, além de fadiga física e desequilíbrio nutricional, intercorrências comuns em quem é submetido a sessões de hemodiálise.
Diálise há quase 20 anos
Luiz Aizemberg, engenheiro, 38, faz diálise desde os seus 19 anos. O carioca nasceu com câncer nos rins, retirou um deles e parte de outro ainda na infância. Na juventude, precisou iniciar a hemodiálise.
Nestes 19 anos em que fazia o tratamento, nunca desanimou: estudou, fez mestrado e doutorado, mas sentia-se cansado física e mentalmente após a terapia e, por isso, preferia até ir à clínica no turno da noite, após a rotina de trabalho e estudo.
Há pouco mais de dois meses iniciou a hemodiafiltração online e já sente a redução da fadiga. "Agora, faço pela manhã porque após a hemodiafiltração continuo me sentindo disposto. Até nas atividades físicas o meu desempenho melhorou. A nutricionista relatou aumento de massa muscular. Estou muito satisfeito. Nem pretendo mais voltar para o turno da noite. Tenho trabalhado super bem após a terapia", relata.
Benefício a longo prazo
Além da qualidade de vida, a adoção da hemodiafiltração online representa menos comorbidades e, consequentemente, maior sobrevida ao paciente com insuficiência renal crônica.
No Brasil, como a taxa de mortalidade entre os pacientes que dialisam gira em torno de 20%, reduzir riscos é de suma importância para reverter este cenário. As duas principais causas da doença renal são hipertensão e diabetes —patologias já com índices elevados de incidência, 34% e 32%, respectivamente.
Aclamada como o upgrade da hemodiálise clássica, a hemodiafiltração online tem um impeditivo: custo. Embora praticada de norte a sul do país em clínicas especializadas privadas, ainda é um procedimento pouco democrático para contemplar a rede pública, pelo menos num primeiro momento.
Só para ter uma ideia, hoje a hemodiálise convencional é subsidiada pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e custa cerca de R$ 194,50 por sessão. A maioria dos convênios, por sua vez, desembolsa entre R$ 250 e R$ 300.
Já uma sessão de hemodiafiltração online não sai por menos de R$ 700. Em contrapartida, é importante considerar que mediante a redução de complicações e internações observadas no uso da hemodiafiltração, o custo global de cada paciente seria bem menor.
Um dos primeiros...
Artur Neto, 35, trader e autor do podcast Renal Cast, ilustra bem este contexto. Ele foi uns dos primeiros pacientes do país a utilizar a máquina de hemodiafiltração online, há seis anos, e viu sua vida mudar.
"Descobri minha doença renal, a glomerulonefrite, aos 21 anos de idade. De repente, meus rins pararam de funcionar. Era estudante e estagiário e fazer a hemodiálise não era tão simples para mim. Me sentia mais fraco, queria deitar logo em seguida e tinha problemas com a pressão arterial. Algumas vezes ia parar no hospital".
Depois que iniciou o tratamento mais moderno nunca mais teve essas intercorrências. "Meu fósforo está bem regulado. Hoje, apenas preciso suplementar com cálcio. E ainda tive muito mais disposição para praticar atividades físicas. Além disso, saber que é uma terapia cardioprotetora me deixa mais seguro".
Para quem é indicada a terapia?
Embora não haja contraindicação extra para qualquer paciente com doença renal crônica avançada, a hemodiafiltração online beneficia em especial crianças (por pouco influir no crescimento); pacientes não elegíveis ao transplante; doentes renais com evidências de retenção de toxinas (como aqueles com dificuldades na manutenção de níveis de fósforo no sangue, apesar de dieta e medicação) e cardiopatas.
Um estudo realizado na Espanha aponta, inclusive, uma redução de 30% no risco de morte, sobretudo por causas cardiovasculares, nos pacientes que adotaram esta técnica em comparação com a hemodiálise convencional.
Cada caso, um caso
No Brasil, os resultados do primeiro ensaio clínico sobre a hemodiafiltração online, e também um dos maiores estudos clínicos na área da nefrologia, foram publicados em uma das mais importantes revistas internacionais de Nefrologia, a Nephrology Dialysis Transplantation.
O estudo contou com a participação de 200 pacientes de 12 centros nefrológicos situados em diferentes regiões do Brasil. Após três meses na terapia, os pacientes em hemodiafiltração online tenderam a apresentar maior atividade física, o que foi medido pelo número de passos após a sessão de diálise, comparado aos pacientes no tratamento convencional, além de comprovar sua superioridade na remoção de toxinas acumuladas no organismo de pacientes.
Independentemente das opções de tratamento disponíveis para doentes renais, a área médica prima especialmente pela escuta de pacientes e familiares. Nefrologistas afirmam que não dá para se conformar com a ideia de que o tratamento dialítico precisa ser cruel e sintomático.
Não se deve aceitar uma rotina de mal-estar durante ou após o tratamento e, de fato, o que se tem observado é que a hemodiafiltração online pode tornar a vida destes pacientes menos sintomática e especialmente mais produtiva e longa, embora as evidências científicas tenham sido mais conclusivas em relação ao impacto na sobrevida cardiovascular.
Por isso a importância de sempre individualizar cada tratamento e escolher a melhor opção para cada fase de sua convivência com a doença renal.
Fontes: Osvaldo Merege Vieira Neto, nefrologista, presidente da SBN (Sociedade Brasileira de Nefrologia), docente de nefrologia e clínica médica do curso de medicina da Uniara (Universidade de de Araraquara/SP); preceptor de residência médica em nefrologia e chefe do Departamento de Clínica Médica da Santa Casa de Ribeirão Preto; Ana Beatriz Barra, nefrologista, doutora em ciências médicas pela UFF (Universidade Federal Fluminense); tem MBA em gestão em saúde pela FVG, diretora médica da Fresenius Medical Care; Franco S. da Mota Krüger, nefrologista, preceptor da residência médica de nefrologia do Hospital Municipal São José de Joinville (SC) e diretor clínico da Fundação Pró-Rim; e Joaquim Anselmo Saboia Andrade Filho, nefrologista, coordenador do serviço de hemodiálise do Hospital Universitário Walter Cantídio da UFC (Universidade Federal do Ceará)/Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).
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