Volta ao treino pós-covid: o que fazer e o que evitar conforme cada sequela
Pessoas que praticavam exercícios antes de contrair a covid-19 estão se deparando com novos desafios ao retornar aos treinos. Isso porque a infecção causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2) pode deixar sequelas que prejudicam a prática de atividade física, como cansaço, fraqueza muscular, confusão mental, dificuldades para dormir. Há ainda risco de ter um problema sério devido a danos no coração e pulmão.
Mas, se você permaneceu com algum problema após a covid-19, não tenha medo de retomar a atividade física —desde que com orientação médica e de um treinador. Fazer isso o quanto antes, inclusive, é uma maneira de minimizar algumas sequelas e recuperar a qualidade de vida, como demonstra uma pesquisa brasileira publicada no periódico Frontiers in Physiology, que ainda traz orientações gerais de como reiniciar a prática de exercícios pós-covid.
Segundo o doutor em ciências da saúde Paulo Gentil, um dos autores do estudo, professor na UFG (Universidade Federal de Goiás) e sócio na plataforma de treinos online Person@ll, a prática de exercícios pode ajudar a acelerar a recuperação do organismo pois estimula a imunovigilância, aumentando a quantidade de células de defesa do sistema imune e as tornando mais eficientes no combate a doenças. Fora o efeito anti-inflamatório crônico do próprio treino, importante para combater a inflamação sistêmica causada pela covid-19.
"A atividade física é um 'remédio' que auxilia no tratamento do paciente que teve covid-19. O treino deve ter uma carga adequada, pois tem o objetivo de melhorar a sua saúde, não o desempenho físico", comenta Paulo Zogaib, médico especialista em medicina esportiva e fisiologia do exercício, chefe do ambulatório de avaliação da Medicina Esportiva da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Os exercícios mais indicados para cada sequela
Antes de colocar a roupa de ginástica, quem teve covid-19 deve fazer um check-up para avaliar a saúde. Isso vale até mesmo se você só apresentou sintomas leves ou não ficou com sequelas.
Com a avaliação e liberação médica em mãos, o profissional de educação física terá condições de elaborar treinos que ajudem a melhorar a qualidade de vida e não colocarão a saúde paciente em riscos. "O ideal é que o programa de exercícios seja personalizado e adaptado de acordo com a necessidade dos alunos, levando em conta a sequela de cada um", coloca Rodrigo Sangion, profissional de educação física e CEO da Academia Cinq Gym, em São Paulo, que criou um programa de treinos personalizados para atender quem teve sequelas da covid-19 e conta com consultas por telemedicina com um médico.
A seguir, mostramos o que é recomendado e o que não deve ser feito no treino conforme os sintomas apresentados.
- FALTA DE AR E CANSAÇO
O ideal é evitar atividades físicas intensas e que elevam muito a frequência cardíaca, justamente porque há um déficit na troca de gases, o que pode levar ao sufocamento. Não é recomendado fazer sessões de HIIT (treinamento intervalado de alta intensidade), CrossFit, spinning, dança, corrida, ciclismo ou praticar esportes em que é difícil dosar o esforço, como futebol, basquete, vôlei.
A recomendação é focar no trabalho de fortalecimento (musculação) para evitar a perda de massa magra e garantir a funcionalidade das atividades do dia a dia (sentar, levantar, carregar sacolas), mas sem exigir tanto da parte respiratória. Mesmo os mais experientes devem pegar leve e fazer treinos curtos, com poucas repetições (até seis) e um maior tempo de descanso entre as séries (de dois a três minutos).
A velocidade de execução do exercício também deverá ser baixa para não elevar a frequência cardíaca. "Para checar a intensidade, faça o teste da fala (ou 'talk test'). Conte de 1001 até 1010 enquanto realiza os movimentos. Se não ficar ofegante, quer dizer que está numa intensidade baixa", explica Gentil.
- ALTERAÇÕES CARDÍACAS
Com liberação médica (nunca é demais repetir), pessoas que tiveram como sequela hipertensão, frequência cardíaca alta ou arritmia devem fazer treinos curtos e leves —como as sessões de musculação sugeridas no item anterior—, para não elevar os batimentos cardíacos nem a pressão arterial. "O objetivo será apenas manter a função muscular neste momento", reforça Gentil.
Caso o aluno opte por um exercício aeróbio, tudo bem, mas será fundamental monitorar a frequência cardíaca e nunca passar a faixa de segurança identificada pelo teste ergométrico realizado por um médico.
- CONFUSÃO MENTAL
Evite exercícios físicos que exigem muita estabilidade ou equilíbrio, como os realizados no bosu, na bola suíça e na fita de suspensão.
Também fique longe das modalidades que envolvam muita agilidade ou deslocamento, como as lutas em geral, aulas de dança, treinos funcionais em circuitos, CrossFit.
Dê preferência aos exercícios de musculação executados em máquinas. Inicialmente, para evitar acidentes (um peso cair em você), dispense os movimentos realizados com barras e halteres, como supino, agachamento, avanço etc.
"Atividades cardiorrespiratórias moderadas (bike indoor e andar na esteira) também estão permitidas desde que as mãos fiquem apoiadas", indica Sangion.
- DOR OU FRAQUEZA MUSCULAR, DORMÊNCIA OU FORMIGAMENTO
Invista nos treinos de força com cargas baixas e moderadas, já que as elevadas podem piorar a condição e impedir um trabalho seguro. Exercícios de pilates, ioga e alongamentos também são bem-vindos!
Atividades cardiorrespiratórias podem ser praticadas, desde que sigam a mesma regra e não tenham impacto —ou seja, evite corrida, pular corda, lutas, danças. Você pode fazer bike, natação, elíptico, remo.
- INSÔNIA
Se você está passando noites em claro, evite praticar atividades físicas intensas e de longa duração nas três a quatro horas antes de ir para a cama. "O treino aumenta os níveis de adrenalina e noradrenalina, substâncias que deixam o corpo em estado de alerta, atrapalhando ainda mais o descanso", explica Gentil.
Se não for possível malhar mais cedo, invista apenas em 30 minutos de exercícios de baixa intensidade para relaxar, como ioga, caminhada ou corrida leve.
- TONTURA
Recomenda-se evitar qualquer exercício físico deitado ou no solo, como ioga, abdominais, flexão de braços. Isso porque transições para as posições sentada ou em pé promovem a movimentação de líquido no ouvido interno, o que pode causar ainda mais desorientação e até mesmo dores de cabeça e náuseas.
A saída é praticar atividades físicas em pé ou sentado, sem que haja deslocamento ou alta intensidade. Por isso, ficam de fora a corrida e a bike convencional. São bem-vindos os exercícios na bike indoor e a musculação nas máquinas —no entanto, evite agachamentos, leg-press 90º e exercícios no gráviton, que promovem deslocamento.
Cuidados antes do retorno
Como falamos, qualquer pessoa que teve covid-19 deve fazer um check-up antes de voltar a praticar exercícios —inclusive quem só apresentou sintomas leve. Para quem desenvolveu quadro moderado ou grave, a atenção deve ser ainda maior, especialmente com pulmões e coração.
Na parte respiratória, a tomografia é suficiente para saber quanto dos pulmões pode estar comprometido. Em geral, pacientes que tiveram esses órgãos afetados poderão retomar os exercícios desde respeitem as condições de treino para quem tem falta de ar e cansaço (que mostramos acima).
"Para dar mais segurança, a academia ou o aluno devem adotar o uso do oxímetro para acompanhar a saturação de oxigênio no organismo", orienta Henry Dina, médico-assistente da cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein e da Clínica David Uip, em São Paulo.
Já na parte cardiológica são indicados o eletrocardiograma de repouso, o ecocardiograma, o holter de 24 horas (no caso de uma arritmia) e a ressonância cardíaca quando há suspeita de miocardite (inflamação do músculo do coração ou miocárdio). O teste ergométrico também é importante para entender como o coração está reagindo ao esforço físico e indicaar a faixa de frequência cardíaca segura para se exercitar.
Quem desenvolveu arritmia cardíaca deverá ter seus riscos avaliados caso a caso pelo cardiologista antes de frequentar a academia. "Mas estão liberados para as atividades físicas orientadas os pacientes hipertensos ou com frequência cardíaca elevada que estiverem medicados e com os quadros estabilizados", explica Dina. No entanto, aqueles que evoluíram para uma miocardite não poderão voltar aos exercícios até tratarem completamente o problema, já que existe risco de morte quando há esforço.
Em todos os casos, a recomendação é usar um monitor cardíaco durante o treino e interromper o exercício ao notar qualquer alteração incomum nos batimentos do coração.
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