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A "melhora da morte" existe? Ciência diz que ideia é criação da nossa mente

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Carlos Madeiro

Colaboração para VivaBem, em Maceió

13/05/2021 04h00

Seja com fé ou não, todo mundo já ouviu falar da chamada "melhora da morte" —fenômeno que levaria um paciente a ter uma súbita recuperação pouco antes de ir a óbito. O momento é visto como uma possibilidade de despedida dos entes queridos.

Na terça-feira da semana passada (4), a morte do ator Paulo Gustavo fez muitas pessoas citarem que a melhora no quadro dele dois dias antes —quando ele foi extubado no tratamento pela covid-19 e chegou a interagir com a equipe médica e com o marido— teria sido um momento para ele se despedir da vida.

Relatos similares do fenômeno são comuns: na lembrança de muitos, pais, mães ou avós melhoraram antes da morte.

Mas a ciência não vê nexo de que exista uma melhora no quadro clínico associado à antecedência da morte. Ao mesmo tempo, ela dá uma pista para entender o fenômeno: a mente humana e sua incansável busca em explicar fatos marcantes.

Busca da mente por explicações

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Paulo Gustavo teve uma melhora dois dias antes de morrer, e chegou a se comunicar com familiares
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Segundo o professor Luís Cláudio Correia, coordenador do Centro de Medicina Baseada em Evidências, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, a popularização da ideia de que existe uma melhora de doentes pré-morte vem de um viés de observação das pessoas, e não de um conceito da ciência.

"Um paciente varia o quadro clínico para melhor ou pior ao longo de um internamento. Sempre tem um dia melhor e um dia pior do que o outro. Alguns coincidem que, aleatoriamente, houve uma melhora antes da piora final. Não há qualquer causalidade nesse processo", explica.

Para ele, exemplos de "melhoras da morte" popularizaram-se por uma característica psicológica humana, que tenta sempre fazer relações entre episódios que parecem inexplicáveis.

"Esses fenômenos vêm da nossa capacidade de reconhecer que a maioria deles são aleatórios, mediados pelo acaso. Sempre tentamos uma lógica causal para explicar algo que nos frustrou. Assim, nos lembramos mais dos pacientes que melhoraram —mas depois morreram—, do que dos pacientes que não melhoraram antes de morrer", diz.

Regra é paciente piorar

Maurício Ventura, geriatra e presidente da SBGG-SP (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia em São Paulo), afirma que casos de melhora antecedendo a morte até podem ocorrer, mas são em número reduzido que não chama a atenção.

"Existem casos específicos: o paciente grave às vezes dá uma melhorada em termos clínicos, sim, mas é algo eventual. Não acho que ocorra em um número importante. Honestamente não vejo relevância estatística", explica, atribuindo essa popularização do termo a questões íntimas individuais.

"As pessoas podem estar em um momento de esperança para se despedir. Aí entram aspectos emocionais, psicológicos ou espirituais. Não consigo valorizar do ponto de vista científico, técnico. É algo muito individual, vai muito de uma percepção de quem está assistindo o paciente", conclui.

Leito de hospital - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

VivaBem também pediu a alguns médicos que lidam de forma mais rotineira com a morte para que falassem se viveram experiências assim em suas carreiras e se creem no fenômeno.

Em caráter reservado, eles até afirmam ter visto casos de pacientes que apresentaram melhora fora do esperado antes de morrerem, mas asseguram que isso é uma exceção, não regra.

"Acho que é algo do puro acaso. É muito mais comum que o paciente piore antes de morrer", conta um intensivista com mais de 10 anos de experiência em UTIs (unidades de terapia intensiva). "Isso é só baseado na fé, não tem nada na ciência", assegura outro.

Um dos médicos conta que essa melhora também é chamada no meio por outro termo: "A gente diz aqui que isso é a visita do 'doutor saúde'", diz. "Mas isso não tem explicação clínica: a maioria das pessoas que apresentam melhora no tratamento vão ficar recuperadas, não vão morrer depois disso", conta.

Para a fé, melhora tem explicação

Se na ciência não há indícios que apontem a existência da "melhora da morte", no meio espiritual ela é um fenômeno estudado e até explicado.

O cardiologista Ricardo Santos, que é conferencista e presidente da Associação Médica Espírita em Alagoas, concorda que os episódios não podem ser explicados em questões clínico-científicas.

"Mas esse fato é tão comum que criou um jargão: são pessoas desenganadas, com problemas gravíssimos, mas que tem melhora sem maiores explicações clínicas", diz, citando ser um estudioso do tema.

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Ele cita que, na visão da doutrina espírita, essa melhora é uma forma de acalmar as pessoas que estão no entorno do paciente para facilitar o óbito.

"Essa melhora faz com que as pessoas próximas, familiares, relaxem um pouco. Muitas vezes há angústia, desespero; e isso cria fluxo energético que tende a reter aquela pessoa no plano físico. Com esse momento de calma, há um relaxamento; então, os amigos espirituais promovem o desligamento do corpo espiritual do físico", explica.

Segundo Santos, a melhora não deve ser confundida com um momento em que um paciente está em recuperação de uma enfermidade. "É uma pessoa que está em fase terminal e, de repente, melhora, recupera a lucidez mental, mas em seguida ocorre o desligamento. Esse desencarne já estava programado", finaliza.