Coração partido? Como o cérebro interfere após o fim de um relacionamento
Resumo da notícia
- Pós-término é marcado pela maior liberação de substâncias ligadas ao estresse
- Um 'coração partido' não dura para sempre, segundo especialistas
- Sentimentos constantes de raiva e autodestruição indicam que algo não está bem
Você já sofreu por amor? Após o término de uma relação, é comum passar por momentos de tristeza, mágoa e até incompreensão. Nesse processo, as reações coordenadas pelo cérebro ajudam a entender os sentimentos.
"Quando se tem níveis de desequilíbrio e estresse, que é o que acontece no rompimento, as substâncias mais presentes na circulação são o cortisol e a noradrenalina. Elas apontam para um estresse crescente, seja qual for o motivo", comenta a psiquiatra Carmita Abdo, professora da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.
A incidência das substâncias é capitaneada por sentimentos como frustração, incompetência e culpa pelo término. "A pessoa pode ir em sequência até uma sensação de raiva", afirma Abdo.
A diminuição das substâncias positivas também interfere no sofrimento. É o caso da dopamina, por exemplo, conhecida por promover prazer e motivação. "Qualquer relação em que você tinha liberação de dopamina repetidamente, quando cessa, o indivíduo tenta manter essa fonte", diz o psiquiatra Carlos Filinto, professor colaborador da FCM Unicamp (Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas).
Apaixonados sofrem mais
Quando o término acontece na paixão, fase inicial do envolvimento, pode parecer ainda mais doloroso. A reação acontece porque neste período a vivência ainda tem traços superficiais, em que se pode nutrir sentimentos, mas ainda sem conhecer a pessoa em sua totalidade. Ou seja, é comum idealizar o par e suas condutas. Nesse caso, a ruptura gera sentimentos de tristeza e/ou raiva por ter perdido alguém especial que se interessava por você, mas que agora o "rejeita".
"Essa mesma pessoa que estava dotada de um grande poder de te jogar para cima, agora é dotada de um grande poder de te jogar para baixo. O efeito da rejeição no momento da paixão é muito significativo no psiquismo", afirma Filinto.
Os envolvimentos românticos avançam por quatro estágios: atração inicial, paixão, firmação do vínculo —quando a oxitocina passa a agir — e, por fim, o amor. Fora da paixão, os lutos são proporcionais à intensidade como a pessoa se envolve. Vínculos longos e contínuos podem suscitar uma superação longa, mas em geral menos conturbada das experimentadas durante a fase de apaixonamento. Porém, mesmo que mais maduras, não necessariamente são sempre saudáveis.
Há limite para um 'coração partido'?
O pós-término não impõe protocolos: os impactos variam de acordo com as sensibilidades de cada um, mas é importante identificar quando há sofrimento além do ponto. "Tem pessoas que são desprendidas. Elas também sofrem, mas não é nada tão extenso. Outras precisam tirar uma licença do trabalho, fazer uma viagem onde nada lembre a situação. E há pessoas que nunca superam, e um rompimento amoroso pode significar um rompimento com a vida, porque se depositou no outro a sua razão de viver", comenta Carmita Abdo.
Em geral, a tendência é reconhecer a longo prazo que, naquele momento, não se estava pronto para viver a relação, mesmo sabendo hoje que desejaria ter a pessoa por perto. Por isso, um "coração partido" não é eterno. Segundo os especialistas, em pessoas já fragilizadas emocionalmente —com traumas e questões psicológicas em aberto —, o rompimento pode ser uma alavanca para impulsionar as demais frustrações da vida e, assim, tornar-se mais destrutivo.
"A dor do término de uma relação não costuma durar para sempre, a não ser que este término tenha trazido à tona outras dores psíquicas de traumas importantes subjacentes ainda não bem elaborados", explica o psiquiatra Nelson Asnis, professor no curso de psicologia da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
No geral, reações comuns são de tristeza, melancolia e o sentimento de fracasso, ligado à frustração sobre a expectativa que se nutria. Também é comum pensar com frequência na ruptura ou na ex-pessoa amada, na sequência ao término. Isso se justifica porque houve perda de vínculo com alguém que era importante. O problema aparece quando os sentimentos de raiva ou culpa são permanentes.
"Quando eu fico me autoflagelando ou então questiono como pude me envolver com aquela pessoa, volto a raiva para mim ou para o outro, e isso fica o resto da vida consumindo, significa que a evolução não está sendo saudável", comenta Abdo.
Importância do luto
Assim como a relação amorosa, o pós-término passa por fases. Os momentos são os mesmos descritos na escala criada pela psiquiatra suíça Elisabeth Kubler-Ross para explicar os estágios do luto. São eles: negação (quando a pessoa nega a ruptura e tende a revisitar o relacionamento); revolta (é comum ter raiva, mas também tentativa para retomar a relação); depressão (momento de procura pelos porquês do término e a sensação de "nunca mais vou encontrar ninguém"); e a aceitação, marcada pela superação e retomada de interesses deixados para trás.
Nem todo mundo vivencia todas as fases. Muitas pessoas podem pular etapas, assim como viver mais de uma ao mesmo tempo. A linearidade também não é literal: um dia é possível estar em um estágio e, na sequência, regredir para a etapa anterior.
O importante no processo é dar protagonismo às sensações, porque são elas que agregam ao amadurecimento. "Você aprende a lidar com as frustrações amorosas, com as outras frustrações da vida e também com frustrações amorosas anteriores. É preciso ter a lembrança de que a sensação passa, de que tudo aquilo é transitório", comenta Filinto.
Por isso há a praxe de dar fôlego a si mesmo antes de engatar outra relação. Há quem dê sorte em viver uma desilusão amorosa e, mesmo antes de elaborar o término, começar um vínculo próspero em seguida. Mas a cautela nessa mudança de rota é para não levar a "herança" do último relacionamento para o novo e projetar nele as vivências anteriores, criando um terreno para mais frustrações.
Qualidade do vínculo influencia no término
Mas por que algumas pessoas são capazes de superar o término mais rápido do que outras? A resposta habita nas questões de personalidade e ainda podem variar, dependendo da relação. O nível de envolvimento e qualidade do vínculo são determinantes para ditar os sentimentos do término.
Além disso, a superação pode ser mais fácil para pessoas com maior suporte social e realização em outras áreas da vida. Para quem tem desequilíbrio nos demais campos, o caminho de reencontro pode parecer mais difícil.
Outro ponto é a autonomia de cada pessoa no relacionamento —que caso seja limitada, também indica lutos mais fáceis de serem enfrentados. "Para uma relação amorosa ideal, o indivíduo tem vinculação, empatia, necessidade do outro, mas preserva uma certa autonomia, porque é isso que mantém não só a saúde da relação, como uma vitalidade no vínculo amoroso", afirma Filinto.
Fontes: Andrea Lorena Stravogiannis, psicóloga no Ambulatório dos Transtornos do Impulso no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas do FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo); Carlos Filinto, psiquiatra e professor colaborador da FCM Unicamp; Carmita Abdo, psiquiatra, professora da FMUSP e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP; Nelson Asnis, psiquiatra, psicanalista e professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
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