Exercício físico pode ser aliado para tratar fraqueza muscular pós-covid
Pesquisas da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP realizadas com a enzima ECA2 (enzima conversora de angiotensina II) mostram que o exercício físico pode ser uma excelente estratégia terapêutica não farmacológica para combater a miopatia esquelética (dificuldades cardiorrespiratórias, fraqueza muscular, fadiga e cansaço) após a covid-19. Os sintomas podem ocorrer por semanas ou meses e dificultam a realização de movimentos, até mesmo os mais corriqueiros do dia a dia, como andar, levantar e comer.
"A enzima ECA2 funciona como receptor na membrana celular e serve como porta de entrada para o sars-cov-2, ou seja, a proteína S [spike ou espícula] do vírus reconhece e se liga diretamente ao receptor ECA2", explica ao Jornal da USP a professora Edilamar Menezes de Oliveira, coordenadora do Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular do Exercício da EEFE e que, desde 2010, estuda a ECA2.
A pesquisadora diz que, ao entrar nas células, o vírus danifica a estrutura dessa enzima, tirando dela sua funcionalidade de balanceamento do Sistema Renina Angiotensina (SRA). "O que o exercício físico faz, sobretudo a atividade aeróbica, é resgatar essa funcionalidade", diz.
A importância dessa enzima está no fato de ela clivar (converter) a angiotensina II, que está associada a doenças cardiovasculares (hipertensão, arteriosclerose e infarto do miocárdio) em angiotensina 1-7 (Ang-1-7), que possui funções opostas no SRA, que é o de evitar efeitos deletérios ao sistema cardiovascular.
Segundo a pesquisadora, a ECA2 está presente em muitos tecidos do corpo, incluindo a musculatura esquelética, o que justifica o comprometimento de vários órgãos quando a pessoa é infectada pelo coronavírus. "A miopatia esquelética que afeta os músculos do tórax pode contribuir para a insuficiência ventilatória além da oxigenação devido à pneumonia por sars-cov-2. O aumento da expressão dessa molécula (ECA2) em pacientes pode influenciar inclusive na gravidade da doença", diz.
"Ao entrar nas células, o vírus danifica a estrutura da ECA2, tirando dela sua funcionalidade de balanceamento do Sistema Renina Angiotensina (SRA). O que o exercício físico faz, sobretudo a atividade aeróbica, é resgatar essa funcionalidade"
Em 2010, um estudo do grupo foi pioneiro em identificar em animais a presença dessas enzimas nos músculos. A pesquisa originou o artigo Characterization of angiotensin-converting enzymes 1 and 2 in the soleus and plantaris muscles of rats e foi publicado no Brazilian Journal of Medical and Biological Research.
Recentemente, os pesquisadores escreveram um novo artigo sobre a correlação entre a enzima ECA2 e a suscetibilidade a miopatias pós-covid, Sars-CoV-2 and Skeletal Muscle ACE2: Exercise contribution, publicado no Journal of Applied Physiology e incluído na base de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e na coletânea de artigos sobre o tema Commentaries on Viewpoint: The interaction between SARS-CoV-2 and ACE2 may have consequences for skeletal muscle viral susceptibility and myopathies.
ECA2 em ratos obesos
Um estudo que resultou na dissertação de mestrado Efeitos do treinamento físico aeróbio sobre o sistema renina angiotensina cardíaco e sistêmico de ratos obesos, apresentada pelo pesquisador Diego Lopes Mendes Barretti, sob orientação da professora Edilamar, já havia mostrado, em 2010, que ratos obesos, depois de serem submetidos a treinamento físico, tiveram alterados os componentes do Sistema Renina Angiotensina em seus organismos.
Após um treinamento de exercício físico (cinco sessões semanais de 60 minutos, por dez semanas), os pesquisadores observaram nos animais melhora em vários índices: houve aumento da enzima ECA2 no coração, redução do peso corporal, dos triglicérides e da frequência cardíaca, além de baixar o LDL (colesterol ruim) e aumentar o HDL (colesterol bom).
Funcionamento do Sistema Renina Angiotensina (SRA)
Para compreender a importância da enzima ECA2 no organismo, Edilamar conta como acontece o funcionamento do complexo do SRA, do qual a ECA2 faz parte. Esse sistema atua na manutenção da pressão arterial, equilibrando a quantidade hídrica e sódica no organismo, o que acaba afetando o funcionamento de outros órgãos, como o coração, vasos sanguíneos, rins e músculo esquelético. O sistema é ativado quando a pressão fica muito baixa ou quando há bastante perda de líquidos, desencadeando uma série de reações orgânicas para que eles voltem a se estabilizar.
O professor Tiago Fernandes, um dos pesquisadores do Laboratório de Bioquímica, explica que a regulação do SRA é feita pelas enzimas ECA1 e ECA2, que cumprem papéis inversos de compensação. A primeira promove a vasoconstrição e, consequentemente, o aumento da pressão arterial; e a segunda, vasodilatação e diminuição da pressão arterial. O pesquisador diz que camundongos deficientes de receptores ECA2 exibem disfunções sistólicas cardíacas, aumento da pressão arterial, fibrose intersticial do miocárdio (degeneração do tecido), disfunção endotelial (tipo de doença arterial), suscetibilidade aumentada à trombose intravascular, doença renal crônica, anormalidades metabólicas e várias outras anormalidades biológicas que regulam o sistema cardiovascular. Quando a ECA2 é ativada, há a prevenção dos efeitos deletérios nas células e organismos.
A angiotensina II (Ang II), que é o peptídeo bioativo mais representativo no SRA, tem ampla participação na progressão de doenças cardiovasculares, como hipertensão, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca. É a Ang II que promove a vasoconstrição nos vasos sanguíneos e eleva a pressão arterial. Porém, a ECA2 é capaz converter a Ang II para Ang 1-7, que produz efeito oposto ao da Ang II, exercendo uma gama de funções benéficas ao organismo.
O balanço hemodinâmico do sistema acontece pela ação equilibrada da ECA1 e ECA2. Se há ECA1 aumentada, vai ser produzida maior quantidade de angiotensina II e, consequentemente, vai haver maior vasoconstrição e problemas de pressão alta. Se houver mais ECA2, esta irá transformar Ang II em Ang 1-7 e haverá maior vasodilatação e menos patologias, diz o pesquisador.
A professora Edilamar afirma que ainda há muitas perguntas sem respostas sobre a infecção pelo sars-cov-2, no entanto, devido ao papel central que a ECA2 tem no mecanismo de entrada do vírus no organismo, a compreensão de suas funcionalidades é fundamental para o entendimento das alterações fisiopatológicas dessa doença.
As pesquisas contam com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) via Programa de Excelência Acadêmica (Proex).
Mais informações: e-mails edilamar@usp.br, com Edilamar Menezes de Oliveira; e tifernandes@usp.br, com Tiago Fernandes; paulabassi@usp.br, com Paula Bassi, no setor de Comunicação da EEFE.
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