Problemas com a libido, mulher? Pode ser efeito do remédio que você toma
A falta de desejo sexual nas mulheres pode ter uma série de causas, tanto psicológicas quanto fisiológicas, como estresse, cansaço, problemas no relacionamento, alterações hormonais, menopausa, consumo excessivo de álcool e doenças (depressão, hipertireoidismo, hiperprolactinemia e obesidade são algumas delas). Mas também pode ser um efeito colateral pelo uso de certos medicamentos.
Essa condição tão indesejada —e mais comum do que se imagina— não é muito estudada e ainda hoje é pouco falada, inclusive entre pacientes e médicos. Alguns dos principais responsáveis por ela são os anticoncepcionais e os antidepressivos. Ainda entram na lista ainda anti-hipertensivos, anticonvulsivantes, anti-histamínicos (ou antialérgicos), ansiolíticos e antipsicóticos.
Anticoncepcional
As pílulas anticoncepcionais hormonais encabeçam a lista de fármacos em que há o risco de perda de desejo. "Os progestágenos sistêmicos, e há uma vasta gama deles com diferentes propriedades (estrogênicas, antiestrogênicas, androgênicas e antiandrogênicas), provocam esse efeito devido à supressão da função ovariana e da produção de estrogênio endógeno, que é um dos hormônios responsáveis pela libido feminina", explica Michele Melo Silva Antonialli, doutora em farmacologia e professora das disciplinas de farmacologia, atenção farmacêutica e farmácia hospitalar da Universidade São Judas Tadeu e farmácia hospitalar, farmacoterapia e saúde pública do Centro Universitário São Camilo, ambos em São Paulo.
Outros efeitos causados pelo fármaco que podem estar associados ao problema, acrescenta a especialista, incluem ressecamento vaginal, diminuição da lubrificação, sintomas do assoalho pélvico, como dispareunia (dor na relação), incontinência urinária e cistite intersticial. Isso acontece porque ele altera as características do muco cervical.
Além disso, com o uso dos contraceptivos ocorre uma significativa diminuição na produção de testosterona, hormônio considerado masculino, mas que também está presente nas mulheres —em menor quantidade—, e que tem como uma de suas funções estimular o desejo.
"O anticoncepcional normalmente aumenta na corrente sanguínea os níveis da proteína SHBG (responsável pela ligação e transporte dos hormônios sexuais), fazendo com que se tenha uma menor quantidade de testosterona circulante e provocando a redução de libido associada", indica Karina Belickas, ginecologista e obstetra do Hospital e Maternidade Santa Joana e da Maternidade Pró Matre Paulista.
Antidepressivo, ansiolítico e antipsicótico
Mais uma categoria de remédios que têm como efeito colateral a falta de apetite sexual é a dos psiquiátricos. No caso dos antidepressivos, estudos realizados mundo afora sugerem que quase 73% das pessoas que os consomem apresentam esse efeito colateral.
"Toda medicação, principalmente as que agem no sistema nervoso central, e as psiquiátricas agem, podem interferir em várias instâncias do desejo. No caso dos antidepressivos, eles aumentam a serotonina, um neurotransmissor que está relacionado com a sensação de saciedade. Quimicamente, essa ação faz com o cérebro se sinta saciado e tenha menos impulsos para buscar qualquer atividade que seja prazerosa", diz Marcelo Allevato, psiquiatra e coordenador da Comissão de Educação em Psicofarmacologia da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
O médico pontua que, ao mesmo tempo em que as drogas para tratamento da depressão aumentam o nível de serotonina, diminuem a ativação de outros dois neurotransmissores, dopamina e noradrenalina (ou norepinefrina), sendo que o primeiro está ligado à excitação e ao prazer e, o segundo, à concentração e ao humor.
É importante ressaltar que existem várias classes de antidepressivos e algumas são mais associadas à reação adversa em questão. De acordo com Antonialli, os inibidores seletivos da recaptação da serotonina, como a fluoxetina, são os mais comumente envolvidos.
Os ansiolíticos, usados no tratamento da ansiedade, também podem ter influência sobre a libido, pois diminuem a reatividade do sistema nervoso central a estímulos prazerosos.
No caso dos antipsicóticos, indicados para os casos de psicoses, em especial a esquizofrenia, e outros distúrbios psíquicos devido à sua função sedativa, eles agem como antagonistas de alguns receptores de dopamina e serotonina.
Anti-hipertensivo
Apesar de muita gente não saber, os anti-hipertensivos betabloqueadores também reduzem o apetite sexual, já que, assim como os fármacos psiquiátricos, têm atuação no sistema nervoso central e na área do cérebro responsável pela libido.
"Esse efeito é mais pronunciado nos homens, mas pode atingir as mulheres", comenta Antonialli.
Outro medicamento utilizado para controle da pressão arterial capaz de prejudicar a vida sexual feminina é a espironolactona, um diurético poupador de potássio.
Como explica a doutora em farmacologia, por sua estrutura química ser semelhante aos esteroides, pode bloquear os seus receptores, como a progesterona e a testosterona, e com a redução da ação desta segunda há o risco de diminuição do desejo.
Anticonvulsivante e anti-histamínico
Alguns anticonvulsivantes (usados para tratamento e prevenção de crises convulsivas e epiléticas) e anti-histamínicos (usados para tratamento de alergias) também são capazes de interferir nas funções sexuais. Uma das explicações está nos seus efeitos sedativos.
"Os anticonvulsivantes diminuem a atividade de alguns grupos neuronais. Por definição, são inibidores na neurotransmissão", informa Allevato.
No caso do segundo grupo, Belickas complementa que ele tem efeito sobre o sistema nervoso central, o que eventualmente pode estar associado ao bloqueio ou redução na produção dos hormônios sexuais e, por consequência, a queda na libido.
O que pode ser feito?
Apesar da perda de apetite sexual ser um efeito colateral comum dos medicamentos destacados, é preciso ficar claro que nem toda mulher que tomá-los vai desenvolver.
"Infelizmente, algumas são mais suscetíveis a essa reação, principalmente as com baixos níveis de testosterona e estrógeno, o que é mais comum de acontecer no período do climatério e peri-menopausa", afirma Antonialli.
Allevato acrescenta que o contexto psicológico e social pelo qual a paciente passa também interfere: "Acreditamos que haja uma base genética, mas o momento de vida é um fator importante nesse processo".
Mais um ponto que precisa ser enfatizado é que ter a vida sexual prejudicada pelo uso de um remédio não deve ser encarado como algo normal, afinal, essa é uma reação adversa e que merece cuidados. O primeiro deles começa ainda antes do consumo: a paciente tem de ser informada sobre esse possível efeito assim que receber a receita, assim, não será pega de surpresa.
Com a condição instalada, aí é preciso procurar o profissional da saúde que fez a prescrição, e o mais breve possível.
"O que vemos, muitas vezes, é a mulher, na tentativa de reverter o quadro, buscar recursos controversos e sem evidência ou então interromper o uso do medicamento. Só que o ideal é conversar com o médico, é imprescindível que se tenha a liberdade de relatar para ele essa dificuldade", afirma Sandra Cristina Poener Scalco, vice-presidente da Comissão Nacional Especializada de Sexologia da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).
A especialista salienta que, por constrangimento, muitas deixam de abordar o assunto nos consultórios. E, os médicos, por receio, falta de tempo para uma anamnese mais completa e até desconhecimento, acabam fazendo o mesmo.
Para minimizar a influência do remédio sobre o desejo e, em especial, para que o tratamento não seja abandonado, há algumas táticas que podem —e devem— ser adotadas. Mas, atenção, somente o especialista responsável pelo caso poderá determinar qual a melhor.
Uma delas, apesar de não ser a mais popular, é aguardar um tempo, que pode ir de semanas a meses, para ver se o efeito desaparece. Uma segunda é reduzir a dose, chegando a um mínimo eficaz para o combate à doença principal e sem alterações no apetite sexual.
O psiquiatra finaliza: "As mulheres precisam saber que é possível administrar e reverter a condição e que a prioridade deve ser sempre manter o tratamento, para que ela tenha uma melhor qualidade de vida".
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