Na pandemia, busca por terapia de casais aumentou; quando é hora de ir?
Resumo da notícia
- Apesar do recorde no número de divórcios durante a pandemia, busca por terapia de casais também registrou alta
- Alternativa ainda é vista como grande tabu e muitos casais a veem como último recurso
- Entretanto, a terapia ajuda na melhoria da comunicação e em crises pontuais, mas deve ser avaliada cuidadosamente
Procurar ajuda ao primeiro sinal de problema ainda não é algo comum para a maioria dos casais. Na hora da crise, muita gente evita encarar a situação de frente e quando um ou outro tenta recuperar o tempo perdido, já não há muito a ser feito. O resultado pode ser notado no último balanço divulgado pelo Colégio Notarial do Brasil, que no segundo semestre de 2020 registrou o maior número de divórcios em cartórios já visto. Foram 43,8 mil processos contabilizados, o que corresponde a 15% a mais de casais em separação em comparação com o mesmo período em 2019.
Por outro lado, há sim quem procure aparar as arestas e seguir junto. Prova disso é o aumento nas buscas por atendimento registrado pelo Instituto do Casal durante a pandemia. Segundo a psicóloga Marina Simas de Lima, fundadora da organização voltada para estudos e pesquisas sobre relacionamentos, o número de pessoas procurando por uma solução para a vida a dois triplicou desde o começo do confinamento, em março do ano passado. "Nas segundas-feiras, recebemos de 40 a 50 ligações de pessoas pedindo uma consulta. Também observamos um aumento maior nas buscas por orientação por parte dos homens", aponta.
Terapia, às vezes, é a melhor forma de resolver problemas que muitos casais nem imaginam que tenham. No entanto, ainda existe muito preconceito na hora de procurar ajuda. "Vemos muito o discurso de que 'terapia é para quem é louco, eu não preciso disso'. Em termos individuais isto tem diminuído muito, mas terapia de casal ainda enfrenta grandes tabus. Por vezes recebo casais que dizem que estão procurando a terapia como 'último recurso'. Quando isso acontece, esse casal que poderia ter resolvido os problemas no momento em que começaram, agora já está desgastado e muito menos disposto a uma abertura de compreensão mútua", avalia o psicólogo clínico Vitor Sampaio, doutor em psicologia pela USP (Universidade de São Paulo).
No consultório dele, os motivos que levam um casal para a terapia são vários. "Entre os mais comuns está o famoso 'quando as coisas não vão bem', seja por uma crise enfrentada (um rompimento do sentido que vinha sustentando aquele casal) ou por um momento crítico, quando o casal está em descompasso, enfrentando dificuldades para se comunicar e se compreender".
Mas existem outros motivos também, como uma reflexão e cuidado com o futuro para decidir sobre ter filhos ou alinhar expectativas sobre criação e educação das crianças. Outro pretexto para a procura é garantir um bom término. "O casal já está decidido a se separar, mas existe muita coisa em jogo, como filhos e amigos em comum, então quer garantir um término maduro, bem conversado", aponta.
Para a psicóloga Milene Rosenthal, cofundadora da Telavita, plataforma de terapia online, o que os casais deveriam ter em mente é que a terapia também é uma oportunidade de autoconhecimento para as duas partes. "Pode ajudar na melhoria da comunicação ou até mesmo em situações de crise pontuais. O psicólogo atua como um facilitador efetivamente em processos de adaptação intensos, atuando como um fortalecedor da relação entre o casal".
Segundo ela, a plataforma registrou crescimento de 618% nas buscas por terapia online nos três primeiros meses de 2021 em comparação com 2020. "Tem a mesma eficácia que a presencial e hoje, em decorrência da pandemia, se tornou um serviço essencial para a população".
Sozinho ou acompanhado
Algumas vezes, uma das partes acaba optando por terapia individual e também pode acontecer que a indicação para o casal seja mesmo cada um com seu terapeuta, sem que haja necessidade de um acompanhamento da dupla, como diz Fellype Freitas, psiquiatra da BP - A Beneficência Portuguesa, de São Paulo. "É visto caso a caso. Muitas pessoas buscam por terapia individual e isso também pode ser importante. Mas se farão juntos, geralmente se espera que seja um profissional habilitado para lidar com terapias de casal, e não o terapeuta de um ou do outro. É importante ser uma pessoa isenta".
É o caso de Bento e Otávio*, que estão juntos há quase três anos. Bento faz terapia há cinco anos e Otávio começou há três meses. Com terapeutas diferentes, eles discutem nas sessões e também em casa a melhor forma de manter o relacionamento saudável. "Acredito que para entrar e se manter em um relacionamento, precisamos nos conhecer melhor, nossas qualidades, o que nos irrita e, principalmente, nossas falhas, que, inevitavelmente, são projetadas em nossos parceiros. A terapia nos ajuda a entender o que trazemos na bagagem de outros relacionamentos, sejam eles amorosos ou familiares, que ainda não cicatrizaram e podem, de alguma forma, gerar discussões e brigas, o que às vezes pode ser bem comum e não tão evidente", diz Bento.
Para Otávio, a terapia é um importante direcionador para mostrar que não existe o parceiro perfeito. "Me ajuda a entender que, mesmo com essas imperfeições, é com ele que vejo um futuro junto".
Cuidar e ser cuidado
Segundo Sampaio, existem vários modos de compreender a terapia de casal. Alguns deles caminham exatamente na direção de que ela tem como objetivo fazer o casal superar problemas e ficar junto. Ele, no entanto, enxerga de outra forma. "Terapia é, antes de mais nada, cuidado. Então estamos cuidando daquelas existências e daquela relação. Agora, não se pode confundir cuidado com 'minhas expectativas sobre o que eu acho que o outro deve ser'".
Ele diz que cuidado pode ser o esclarecimento de que algo vai mal naquela relação, levando à percepção que não existe mais possibilidade para aquele casal ser um casal. "Terapia precisa de uma motivação, precisa fazer sentido. Uma relação é uma construção constante do casal. Procurar terapia hoje para evitar problemas futuros é tentar colocar na mão do terapeuta a responsabilidade por uma construção que só cabe ao próprio casal".
*Nomes alterados para preservar identidade dos personagens
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