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Não para de comer? Saiba por que parece que temos mais fome no inverno

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Imagem: iStock

Cecilia Felippe Nery

Colaboração para o VivaBem

29/06/2021 04h00Atualizada em 02/06/2023 10h34

"Um dia frio, um bom lugar para ler um livro". A canção de Djavan soa perfeita para inspirar uma tarde gelada, mas vamos acordar que o que combina mesmo com baixas temperaturas é passar o dia comendo, principalmente guloseimas.

É o efeito do inverno, com seus dias curtos e noites longas e um clima frio e seco predominante no ar. Isso tudo altera o metabolismo do organismo, além de diminui a produção de serotonina, o hormônio neurotransmissor que promove a sensação de bem-estar. Para suprir essa onda de tristeza e garantir que o corpo fique aquecido, algumas pessoas recorrem aos alimentos.

"A queda nas temperaturas faz com que o nosso corpo precise de mais energia para se manter aquecido, aumentando o gasto energético. Como nossa energia vem do que comemos, o corpo envia sinais para aumentar a fome e manter a temperatura equilibrada", informa a médica nutróloga Luciane Osse.

"Nosso corpo sabiamente solicita mais alimentos com maior densidade calórica e de preferência mais quentinhos para ajudar a controlar a temperatura", acrescenta Vera Lucia Morais Antonio de Salvo, nutricionista e doutora em saúde coletiva.

É um mecanismo do corpo para se proteger e garantir a sobrevivência. De acordo com o médico endocrinologista Mario Carra, o que existe é uma zona termoneutra, faixa de temperatura ambiente, chamada de homotermia (temperatura normal), que mantém a temperatura do corpo estável. Quando as pessoas são expostas acima ou abaixo desta zona termoneutra —em torno de 36,5ºC—, o corpo se adapta para manter a homotermia.

Se a temperatura ambiente for menor do que a zona, o indivíduo começa a aumentar o gasto calórico para aquecer o corpo. "Existe um levantamento, não oficial, de que as pessoas em ambientes frios (por exemplo, restaurantes) acabam ingerindo mais alimentos, pois precisam ter a reposição energética durante a temperatura mais baixa. É por esse motivo que no frio a sensação de fome é maior", explica.

É fome mesmo ou vontade de suprir tristeza com comida?

Se no inverno sentimos necessidade de ingerir mais calorias por causa do gasto de energia, existe ainda outra questão a ser considerada: o que é fome física e o que é fome emocional. Conforme Salvo, a palavra fome, do latim faminem, é o nome dado à sensação fisiológica pela qual o corpo percebe que necessita de alimento para manter as atividades necessárias à vida.

"Apetite pode ser entendido como o impulso, a motivação para nos alimentarmos. Sentir fome e ter apetite é natural e desejável, do contrário, comer seria apenas uma obrigação, mais uma tarefa a ser cumprida para a sobrevivência. Neste caso, estaríamos negando o aspecto hedônico (prazeroso) da alimentação que supera o hipotalâmico", avalia.

Já a fome emocional é psicológica, surge em momentos variados, está relacionada a algum acontecimento como estresse ou tédio e geralmente requer um alimento específico, na maioria das vezes aqueles ricos em açúcares ou gorduras, já que são mais saborosos.

Segundo Carra, o estômago "ronca" quando está vazio. "Isso produz a sensação de fome, que muda de pessoa para pessoa, porque é regulada por uma série de hormônios como a leptina e a grelina, uns estimulando a fome e outros inibindo-a. Isso tudo tem uma ação no sistema nervoso central. Não é fácil de controlar", avalia. "Por outro lado, a vontade de comer é aquela sensação que se ouve falar: 'Hoje meu dia foi tão ruim que estou com vontade de comer chocolate, beber vinho, comer uma comida gostosa'. Então, eu não tenho fome, tenho vontade de comer, e isso se retrata exatamente pelo apetite hedônico, a sensação de se presentear ingerindo mais calorias, mesmo sem ter fome", esclarece.

Não precisa optar por guloseimas o tempo todo

Comer é uma necessidade humana durante todas as estações do ano, mas é no inverno que a fome e a vontade caminham mais juntas, por isso é preciso atenção para não passar do ponto. A escolha e a seleção dos alimentos devem ser sempre cuidadosas. E, apesar de não existir uma regra para alimentos preferenciais no frio ou no calor, o que devemos fazer sempre é manter a qualidade da alimentação, consumindo verduras, legumes e fibras. "E não deixar de lado carnes, proteínas e ovos, pois na quantidade adequada são saudáveis", orienta Carra.

Mas, segundo ele, se a pessoa sente dificuldade em controlar o apetite, eventualmente pode ser necessário usar algum medicamento para regular a fome que o frio produz. Claro, sempre com orientação médica. "Por si só não existe nada que faça alguém mudar o padrão alimentar num dia frio", acredita.

Mas, de acordo com Salvo, é possível optar por versões mais magras de laticínios, molho vermelho para massas em vez de molho branco com mais gordura, e sopas à base de legumes no lugar de sopas à base de carboidratos, por exemplo.

"Alimentos não processados, preparados com temperos naturais, de textura mais consistente e aquecidos, tendem a saciar mais do que alimentos ultraprocessados e sopas, embora estas, na forma de caldos, possam ser ofertadas como entrada e estratégia para redução do consumo calórico. Manter ovos, nozes, salmão e banana no cardápio, além de não fazer dieta low carb, que reduz o consumo de carboidratos, são outras opções", orienta Salvo.

Osse sugere beber mais chás em vez de chocolate quente, ou ainda optar por cacau 70%. "Outra dica é adicionar maior variedade de vegetais e proteínas ao prato, comer vegetais assados ou cozidos para acompanhar os pratos e aumentar a qualidade nutricional das suas refeições", recomenda.

Cuidado com excessos

Apesar de o alimento ser fundamental para a produção do calor no organismo, há outros elementos com os quais o ser humano pode contar, como utilizar roupas quentes e ficar em ambiente com aquecimento para manter a temperatura. Além disso, as atividades físicas constituem-se em importantes aliadas para combater o frio, principalmente caminhadas, trilhas e corridas.

Salvo lembra que a necessidade de ingerir mais alimento nos dias frios aumenta em torno de 10%, assim não é uma fome excessiva, mas uma solicitação extra do corpo para manter a temperatura corporal que pode ser amenizada com agasalhos e exercícios físicos. "O que acontece, muitas vezes, é que no frio sentimos a necessidade de ficarmos mais recolhidos, à semelhança do ciclo da natureza, e como o alimento é o amigo de todas as horas, na dúvida do que realmente estamos querendo, ele é sempre um dos primeiros candidatos", assinala.

O problema é que isso pode fazer com que se ganhe mais peso no inverno. "Afinal, ficamos mais em casa, preferimos atividades que envolvam comidas e bebidas mais calóricas (massas e vinhos), deixamos de comer frutas e saladas frias e optamos por pratos mais quentes", lembra Osse.

"O risco maior é o aumento de peso, que leva à obesidade, doença crônica e de difícil controle. Vários mecanismos fazem com que os indivíduos exagerem na quantidade de calorias ingeridas", adverte Carra, lembrando ainda que, em tempos de pandemia, pacientes com excesso de peso foram acometidos mais gravemente pela covid-19. "Além disso, a obesidade favorece uma série de outras doenças, como diabetes, pressão alta, câncer, dores osteoarticulares e depressão", ressalta.

Como a necessidade calórica está elevada no frio, há o risco de levar o mesmo consumo para outras estações do ano e, não precisando de mais energia para a manutenção de temperatura, provavelmente haverá ganho de peso. "Além disso, muitas pessoas que sentem mais fome no inverno e são mais sedentárias podem acabar ingerindo uma quantidade maior de energia do que gastam e, assim, engordam", argumenta Salvo. Por esse motivo, saber ouvir o que o corpo realmente quer e precisa é essencial.

Fontes: Luciane Osse, médica nutróloga, fellowship pela Cleveland Clinic - Weston/USA, responsável pela equipe de Nutrologia do Hospital Nove de Julho; Mario Carra, diretor do Departamento de Obesidade da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), médico endocrinologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo); e Vera Lucia Morais Antonio de Salvo, nutricionista e pós-doutora em saúde coletiva nos temas Mindfulness e Mindful Eating - Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) - Departamento de Medicina Preventiva.