'Qual é o meu papel no mundo?'. Saiba como lidar com a crise existencial

Por que não me sinto útil? Estou cumprindo o meu papel? Eu gosto do que faço? Meu lugar no mundo realmente é esse? Esses são apenas alguns questionamentos que as pessoas fazem quando estão tentando entender momentos naturais que ocorrem durante a vida, em um fenômeno chamado crise existencial.

"É um sentimento, um episódio marcado por dúvidas e incertezas diversas. São períodos de instabilidade emocional que podem ocorrer em qualquer momento da vida", define Elaine Di Sarno, psicóloga, mestre em ciências pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da FMUSP.

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Segundo ela, essas crises se caracterizam, principalmente, por conflitos internos carregados de dúvidas, melancolia, angústia e solidão. Elas normalmente surgem a partir de algum acontecimento impactante e traumático que exigiu muita estrutura psicológica, como a morte de alguém próximo, o enfrentamento de uma grave doença, a perda do emprego, divórcio. São momentos que nos levam a repensar em nosso papel enquanto indivíduos e o sentido da nossa vida.

Para Felipe Leal Soares Carneiro, psicólogo pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba), especialista em psicologia hospitalar e psico-oncologia pelo A.C. Camargo Cancer Center, dificilmente uma pessoa passa a vida inteira sem ter uma crise existencial. "Ela pode até não identificar, tudo bem, mas em algum momento virão os questionamentos: o que estou fazendo da minha vida, será que isso é legal, por que não tive filhos, será que estagnei na minha carreira?", exemplifica.

No entanto, cada um responde de uma forma muito particular diante das situações, por isso os sintomas podem variar de acordo com o contexto em que a pessoa está inserida. "A pandemia do coronavírus, por exemplo, pode ter sido —e ainda ser — a grande causadora de crises existenciais em sujeitos ao redor de todo o mundo, uma vez que os obrigou a passarem mais tempo consigo mesmos do que estavam acostumados", diz Di Sarno.

Os principais sintomas de uma crise existencial são:

• Cansaço mental;
• Desespero e desamparo;
• Culpa e medo;
• Pessimismo;
• Ansiedade;
• Insônia;
• Vontade de se isolar;
• Insatisfação generalizada;
• Alterações do apetite.

Como saber o momento para buscar ajuda

É importante saber diferenciar uma crise existencial, que, como o próprio nome já diz, faz parte da natureza humana, de transtornos psicológicos como depressão e ansiedade. Esses, por sua vez, ocorrem quando alguma coisa não está bem e a pessoa não consegue lidar sozinha com suas questões, tornando-se um problema de saúde mental que precisa de tratamento específico.

Em muitos casos, a crise existencial ajuda a refletir sobre a vida, e isso pode ser positivo e servir como uma oportunidade para uma transformação pessoal. Portanto, trata-se, também, de um momento de aprendizado. O problema surge quando essa angústia se intensifica, começa a paralisá-lo e você não consegue mais lidar com os sentimentos. Nesse caso, é hora de buscar ajuda.

Marísia Oliveira da Silva, psicóloga humanista-existencial, professora do Departamento de Psicologia e Coordenadora da Clínica-Escola de Psicologia da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), defende que a psicoterapia é uma grande aliada para lidar com a crise, pois ajuda a pessoa a se entender e reorganizar as ideias, além de poder ser realizada sem o uso de medicação.

A terapia irá ajudar a encontrar as respostas que estão dentro de você, mas que por algum motivo não conseguiu encontrá-las sozinho. A técnica ajuda a refletir, compreender melhor o próprio propósito e o seu lugar no mundo. No fim das contas, a terapia é essencial para lidar com crises existenciais, caso contrário, os danos podem ser ainda maiores. "A pessoa pode adoecer psicologicamente por não conseguir ver soluções para seus questionamentos, por sentir que sua vida não faz sentido, e de que não é capaz de promover mudanças", diz Flávia Teixeira, psicóloga, mestre em Saúde Coletiva pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e professora de pós-graduação em psicologia hospitalar na mesma universidade.

Por outro lado, não existe fórmula mágica e alguns questionamentos ficarão simplesmente sem resposta. "Quando encontramos respostas, talvez não sejam para as perguntas que estávamos fazendo, mas talvez sejam as que precisávamos ter perguntado e não sabíamos", avalia Carneiro. Além disso, segundo os especialistas, não seria saudável saber de tudo.

Por outro lado, é importante compreender que as incertezas fazem parte da vida. E elas não podem impedi-lo de ter realizações. "A crise existencial é necessária na evolução de uma pessoa. É através desses momentos que ocorrem redefinições e certezas. Seja na adolescência, no início da fase adulta ou já no final da vida, essas são situações que permitem o crescimento pessoal", ressalta Di Sarno.

Transtornos psicológicos podem contribuir para o surgimento de uma crise existencial?

Com certeza. De acordo com os especialistas, transtornos psicológicos como a depressão pode ser um gatilho para que a pessoa encontre dificuldade de entender o sentido de tudo que vive.

Já a crise existencial também pode contribuir para o surgimento de transtornos mentais como fobias, depressão e dificuldade em se sentir bem em todos os âmbitos da vida. "Ela não é uma doença mental, mas pode levar ao adoecimento", lembra Carneiro.

Como lidar com a crise e cobranças externas ao mesmo tempo

Talvez você já tenha ouvido alguém invalidar seus sentimentos e angústias. "Você tem tudo", "Não tem porque reclamar, você tem uma família maravilhosa" são alguns exemplos dessa invalidação. Mas mesmo que a pessoa queira ajudá-lo, isso só piora a situação.

"Quem está tendo uma crise existencial precisa se impor, ter acolhimento, respeito e reconhecimento, porque só assim ela vai conseguir se fortalecer e desenvolver resiliência para dar conta dos desafios que a existência traz. Mas, infelizmente, numa sociedade como a nossa, não há esse acolhimento", diz Silva.

Logo, quanto mais as pessoas se sentem pressionadas, mais elas querem encontrar respostas a todo custo e o mais rápido possível. Elas tentam compreender o motivo de não estarem bem, já que os outros só apontam motivos para que estejam bem. "Por mais difícil que possa parecer em um primeiro momento, essas situações acontecem por algum motivo e sempre é possível tirar algum aprendizado delas. Além disso, essa crise vai passar. Nada dura eternamente", conclui Di Sarno.