Quando o Brasil pode começar a discutir o relaxamento no uso de máscaras?
Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem intensificado suas críticas ao uso de máscara contra a transmissão da covid. Mas essa não deve ser uma realidade para o Brasil a curto nem mesmo a médio prazo.
O exemplo vem de países tidos como exemplo na imunização contra o novo coronavírus: Israel e partes dos Estados Unidos têm voltado a indicar o uso do item de proteção. Austrália e Inglaterra, por sua vez, estão recuando em medidas de flexibilização.
Bolsonaro diz que quem está vacinado já poderia deixar de usar a máscara. Mas essa tese é bastante equivocada, segundo a ciência. Hoje, com a imunização, a pessoa tem proteção para evitar casos graves da covid-19, mas ela ainda está suscetível a contrair o vírus —e, consequentemente, a transmiti-lo. É aí que a máscara se mostra tão importante quanto a vacina para brecar o avanço do vírus de forma mais rápida.
"A gente está meio que confiando numa estratégia única [vacinação] enquanto esses outros países fizeram múltiplas", diz a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do IQC (Instituto Questão de Ciência). "Vacinação não é mágica. Ela tem que ser acoplada a outras estratégias, que são as não farmacológicas."
O governo federal tem feito tudo o que é possível para negar a gravidade da pandemia e forçar uma volta à normalidade numa situação que não está normal.
Natalia Pasternak, presidente do IQC
Bolsonaro reforçou o debate sobre máscara sem o Brasil ter conseguido reduzir a média móvel de mortes. "A nossa estabilidade é muito estranha. Porque a gente estabiliza em 1.500, 2.000 mortes por dia", diz o presidente da SBV (Sociedade Brasileira de Virologia), Flávio Guimarães da Fonseca, virologista da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). "Isso só mostra que a gente está num momento epidemiológico muito grave."
Sem cobertura vacinal, a gente não pode abrir mão do uso de máscara, das medidas restritivas.
Flávio Guimarães da Fonseca, presidente da SBV
Atualmente, o Brasil já imunizou menos de 13% da população contra o novo coronavírus. Pouco ainda se comparado a outros países, como Chile, Israel e EUA. A expectativa é que todos os adultos estejam vacinados até o final do ano.
Olho nas variantes
A máscara não deixará de ser um item importante no vestuário tão cedo também em razão das variantes do novo coronavírus.
São elas —com atenção voltada principalmente para a Delta— que têm feito os países mais avançados na vacinação recuarem na flexibilização de medidas. Nos EUA, os casos voltaram a subir em razão da variante, o que trouxe o foco novamente para o uso de máscaras, medida que gera discussões por lá.
Como o ritmo de vacinação pelo mundo não está acelerado, o surgimento de novas variantes é praticamente uma certeza.
"Surgirão outras variantes. Esse é um processo natural", diz Fonseca. "O vírus ainda tem uma população suscetível imensa a explorar, o que significa que mais variantes vão inevitavelmente aparecer", diz Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, e membro do Observatório Covid-19 BR.
É importante que todos entendam que a pandemia não acabou. Não tem data para acabar, na verdade. O que vai acontecer em algum momento é a transição para uma endemia. Isso ainda pode demorar muito para acontecer e vai depender do ritmo de vacinação no mundo e de não termos variantes que escapem às vacinas.
Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins
Artigo publicado na revista Science apontou para uma redução da proteção de anticorpos após imunização com vacinas da Pfizer/BioNTech e Moderna frente à variante Epsilon, primeiro identificada na Califórnia.
Aglomerações fora de hora
Um exemplo negativo para o Brasil é a Hungria. Uma das sedes da Eurocopa —campeonato europeu de futebol masculino entre seleções—, o país exibiu para o mundo imagens de estádios lotados.
Mesmo com mais da metade da população já imunizada com esquema vacinal completo, a taxa de letalidade do país é a segunda maior do mundo, atrás apenas do Peru, segundo dados do Worldometers. São cerca de 3.100 mortes a cada 1 milhão de habitantes. No nosso vizinho, são 5.700. Na mesma proporção, o Brasil é o 10º, com taxa de cerca de 2.400.
Na quantidade de casos por milhão, a Hungria está perto do Brasil: 84 mil e 87 mil, respectivamente. As variantes seriam o problema para húngaros. Mas, mesmo assim, as medidas de proteção contra a covid-19 foram flexibilizadas.
A Eurocopa, com aglomerações dentro e fora de estádios, já gerou um alerta de preocupação na OMS (Organização Mundial de Saúde). Na última semana, o número de casos de covid na Europa cresceu 10%, após dois meses e meio de queda.
"Ainda não é hora para abandonar as medidas de prevenção, em lugar nenhum", diz Leonardo Weissmann, infectologista e consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). "O aumento na circulação de pessoas certamente acarretará novas variantes, que podem ser mais contagiosas, mais transmissíveis e talvez mais letais."
O controle da pandemia será atingido não só com vacinas, mas também com as demais medidas de prevenção, como o uso de máscaras, distanciamento, higienização frequente das mãos, ambientes ventilados. Se essas medidas não forem respeitadas, a catástrofe será muito maior.
Leonardo Weissmann, infectologista
Em São Paulo, o primeiro evento com grande público deve ser a corrida de Fórmula 1 programada para novembro. Com capacidade parcial liberada para o autódromo, os ingressos para o evento já estão esgotados.
Daqui a quatro meses, a prefeitura paulistana diz acreditar que as atividades estarão começando a voltar ao normal. Segundo o prefeito Ricardo Nunes (MDB), a possibilidade de festas de Ano-Novo e Carnaval já é discutida.
Fonseca diz que "é normal que esse tipo de projeção seja feito". "O único temor é que a gente não tem controle sobre exercício de futurologia", comenta, elencando fatores como possíveis problemas de entrega de doses ou de produção, que já aconteceram ao longo do primeiro semestre.
Weissmann é mais cauteloso e fala que "não dá para planejar qualquer coisa imaginando qual será o cenário futuro". "É preciso manter os pés no chão e encarar a realidade, sem criar expectativas", diz. "A preservação das vidas deve ser a prioridade."
A gente não precisa ser apocalíptico ou superotimista. A gente vai ter que ter paciência e lidar com as incertezas.
Natalia Pasternak, presidente do ICQ
Máscara para crianças
O gesto de Bolsonaro de pedir para uma criança tirar a máscara é preocupante, na opinião de Monica de Bolle. "É um gesto para uma camada da população que tem que ser naturalmente protegida. A máscara é a vacina dessas crianças", diz.
Quando todos os adultos estiverem vacinados, a professora alerta que as crianças formarão a população mais suscetível ao vírus. "Não é o momento em absoluto de mandar uma criança tirar uma máscara. É o contrário. É o momento de ensinar as crianças que todos devem usar máscara. Inclusive para a proteção delas."
Eu não consigo ver como a gente vai voltar para um estado permanente de não usar máscara até que a gente tenha a garantia de que o vírus não represente mais a ameaça à saúde que ele continua a apresentar hoje.
Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins
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