'Sou feliz do jeito que sou', diz mulher que perdeu movimentos das pernas
Após um ano dos primeiros sintomas e meses de internação, Daniele Americano, 44, advogada e palestrante motivacional, descobriu ter uma doença rara chamada neuromielite óptica, ou NMO. Nesse período, ela recebeu vários diagnósticos errados, foi em diversos médicos e chegou a ficar tetraplégica. Cadeirante, ela diz ter certeza que vai voltar a andar e se empenha em levar informação e conhecimento sobre a NMO.
"Em julho de 2011, os primeiros sintomas começaram com soluços, náuseas e vômitos. Lembro que a primeira vez que passei mal, tinha ido à academia sem comer, corri na esteira, fui para a casa de uma amiga, fiz um lanchinho lá e quando cheguei em casa coloquei tudo para fora. Achei que tivesse sido algo pontual, mas continuei passando mal por mais dois meses.
A partir daí começou a minha saga para descobrir o que tinha, passei no gastroenterologista, fiz uma endoscopia, mas o médico disse que não havia nada no meu estômago que estivesse provocando os vômitos. Fui ao clínico geral, fiz um monte de exames, mas nada foi constatado.
Me alimentando praticamente a base de açaí e Yakult —todo o resto que comia vomitava— emagreci 8 kg em dois meses. Fiquei debilitada, com muito mal-estar, cansaço e sem disposição.
Passado esse tempo, os primeiros sintomas pararam, mas começaram outros. Durante uma partida de tênis, notei que as solas dos meus pés ficaram dormentes. Passei com endocrinologista e cardiologista para fazer um check-up e relatei os sintomas, mas eles não sabiam o que eu tinha.
Conforme o tempo foi passado fui piorando, as duas pernas ficaram dormentes do joelho para baixo, sentia dores quando andava e as pernas repuxavam.
Liguei para um amigo que é cirurgião vascular, ele falou que esse tipo de dormência era neurológica e pediu para eu passar com um neurologista.
Marquei a consulta com o neuro, fiz um exame e quando saiu o resultado, o "diagnóstico" que ele me deu era o de que o meu quadro era muito normal, sintomático, porque eu só tinha sintomas, e idiopático porque a causa era desconhecida. Discordei da avaliação dele e decidi procurar uma segunda opinião, mas acabou não dando tempo porque o meu quadro se agravou.
Um mês depois desse episódio, em fevereiro de 2012, fui ao pronto-socorro com dificuldade e dor para fazer xixi, relatei a dormência nas pernas, mas a médica se limitou a me receitar um remédio para varizes e um ansiolítico.
Nos dias seguintes, as dores nas pernas ficaram insuportáveis, voltei para o PS, dessa vez, o médico que me atendeu disse que eu poderia ter Síndrome de Guillain-Barré.
Com a piora do meu quadro, fui mais uma vez ao hospital, cheguei arrastando as pernas, o médico que me atendeu decidiu me internar no CTI neurológico —onde fiquei por 33 dias— para investigar o que eu tinha.
Foi constada uma inflamação na medula, mas a equipe não conseguiu fechar um diagnóstico, cada neurologista dizia uma coisa.
Mesmo com muitas dores na cervical que irradiava para os braços e sem estar preparada para voltar para casa, uma médica me deu alta alegando que a inflamação era por falta de vitamina B12, que eu deveria suplementar pelo resto da vida e que as dores eram causadas pelo travesseiro e colchão por estar há muito tempo deitada.
Fiquei dez dias em casa, mas tive uma piora grande. Voltei para o hospital já sem nenhum movimento, força e sensibilidade do peito para baixo, ficando tetraplégica.
Fiquei 43 dias internada, nesse tempo sofri uma paralisia facial e decidi contratar um neurologista particular para avaliar o meu caso. Com base no meu histórico, exames e avaliação clínica, o médico me diagnosticou com neuromielite óptica.
A única pergunta que fiz a ele foi se tinha feito ou deixado de fazer algo para gerar a doença, ele disse que não. Ao saber que a culpa não era minha, não fiquei me lamentando, apenas fiz a escolha de ficar bem e focar no tratamento para melhorar.
Fui transferida para o Hospital Sarah, em Brasília, referência em neurorreabilitação. Nos dois meses em que fiquei lá, aprendi a andar de cadeira de rodas, tomar banho na cadeira, desenvolvi autonomia e aprendi alguns novos esportes como canoagem e basquete.
Ao voltar para casa, tive home care durante quatro anos. Além do acompanhamento com neuro e fisioterapeuta, agreguei o esporte à minha recuperação, já pratiquei de tudo um pouco: tênis, natação, pilates, musculação, dança, balé e ioga.
Ao longo desses anos nunca me desesperei ou perguntei por que isto estava acontecendo comigo, pois tinha certeza que Deus cuidaria de mim. Tenho meus dias de tristeza, raiva e exaustão, mas não atribuo isso à NMO.
Por não ter encontrado quase nada sobre a doença quando recebi o diagnóstico, criei em 2016 o grupo NMO Brasil, formado por seis pacientes de vários estados do país.
Levamos informação e conhecimento para outras famílias, sociedade civil, política e médica com o objetivo que os diagnósticos sejam fechados com mais precisão e os pacientes recebam o tratamento adequado. Também criei o blog Menina Coragem para incentivar pessoas com ou sem deficiência a passar pelos desafios diários da vida.
Hoje estou bem melhor do que há quase nove anos, recuperei os movimentos dos membros superiores e já consigo ficar 30 segundos em pé sem me apoiar em nada.
Tenho certeza que vou voltar a andar, só não sei quando. Sou feliz do jeito que sou e com o que tenho, isso faz toda a diferença na minha reabilitação. Tenho uma doença rara que me deixou sequelas, mas ela não guia a minha vida."
O que é e o que causa a neuromielite óptica?
A neuromielite óptica, também conhecida como doença do espectro da neuromielite óptica, é uma doença neurológica inflamatória que pode atingir o nervo óptico e o sistema nervoso central, ou seja, a medula espinhal e o cérebro.
As lesões nessas regiões podem levar a um quadro de alteração visual, perda dos movimentos dos braços e pernas, fazendo com que o paciente possa apresentar incapacidade definitiva para se movimentar.
Antigamente, a neuromielite óptica era considerada uma variante da esclerose múltipla, porém hoje já se sabe que são doenças distintas e de causas diferentes.
A causa da NMO ainda não é bem definida, entretanto sabe-se que por ser uma doença autoimune, alguns anticorpos do próprio corpo atacam a mielina, a camada que protege o nervo, causando a inflamação e consequentemente seus sintomas.
Quais os sintomas?
A doença é caracterizada por episódios de inflamação que começam gradualmente e em questões de dias os sintomas se tornam mais evidentes. Esses sintomas e sinais vão depender da localização da lesão, mas os mais comuns são a perda da visão de um ou ambos os olhos, visão dupla, dor ocular, tonturas, perda de equilíbrio, fala mais arrastada, soluços intratáveis, náuseas e vômitos, perda de força e formigamentos nos braços e pernas e dificuldade para controlar a urina.
Quais os tratamentos?
A primeira parte do tratamento é do surto clínico, isto é, do momento que a pessoa está com a inflamação aguda. Utiliza-se corticoides em altas doses, chamado de pulsoterapia. Pode-se também usar a plasmaférese, que é um procedimento parecido com a hemodiálise, que limpa e retira do sangue os anticorpos que estão atacando a mielina.
Esse surto clínico pode acontecer algumas vezes na vida dos pacientes, necessitando recorrer a esse tipo de tratamento para evitar que a inflamação piore e que as sequelas sejam mais graves.
A outra parte do tratamento é para evitar a recorrência desses ataques. Para isso, utilizamos medicamentos imunossupressores, imunobiológicos, que controlam ou diminuem os anticorpos que podem atacar a mielina e causar as inflamações.
A NMO é uma doença rara?
A NMO é considerada uma doença rara, com uma prevalência de 0,5 a 4 casos por 100 mil habitantes, segundo os dados do NIH (National Institute of Health) e Gard (Genetic and Rare Diseases Information Center). Essa prevalência varia de acordo com o país, sendo mais comum em asiáticos, africanos e latino-americanos.
A doença tem cura?
O paciente com NMO pode apresentar algumas dificuldades, principalmente àquelas devido as sequelas adquiridas, entre elas a fadiga, que é um dos sintomas mais prevalentes e incapacitantes. A NMO não tem cura, mas com o diagnóstico e tratamento adequados, acompanhamento neurológico, além de algumas mudanças no estilo de vida e realização de atividade física, o paciente pode ter uma vida normal.
Fonte: Laura F. Parolin, neurologista da clínica Neurovie, professora adjunta de medicina da Univille (Universidade da Região de Joinville) e especialista em neuroimunologia.
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