Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


'Sou feliz do jeito que sou', diz mulher que perdeu movimentos das pernas

Bárbara Therrie

Colaboração para VivaBem

18/07/2021 04h00

Após um ano dos primeiros sintomas e meses de internação, Daniele Americano, 44, advogada e palestrante motivacional, descobriu ter uma doença rara chamada neuromielite óptica, ou NMO. Nesse período, ela recebeu vários diagnósticos errados, foi em diversos médicos e chegou a ficar tetraplégica. Cadeirante, ela diz ter certeza que vai voltar a andar e se empenha em levar informação e conhecimento sobre a NMO.

"Em julho de 2011, os primeiros sintomas começaram com soluços, náuseas e vômitos. Lembro que a primeira vez que passei mal, tinha ido à academia sem comer, corri na esteira, fui para a casa de uma amiga, fiz um lanchinho lá e quando cheguei em casa coloquei tudo para fora. Achei que tivesse sido algo pontual, mas continuei passando mal por mais dois meses.

A partir daí começou a minha saga para descobrir o que tinha, passei no gastroenterologista, fiz uma endoscopia, mas o médico disse que não havia nada no meu estômago que estivesse provocando os vômitos. Fui ao clínico geral, fiz um monte de exames, mas nada foi constatado.

Me alimentando praticamente a base de açaí e Yakult —todo o resto que comia vomitava— emagreci 8 kg em dois meses. Fiquei debilitada, com muito mal-estar, cansaço e sem disposição.

Daniele Americano, 44, tem doença rara chamada neuromielite óptica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Passado esse tempo, os primeiros sintomas pararam, mas começaram outros. Durante uma partida de tênis, notei que as solas dos meus pés ficaram dormentes. Passei com endocrinologista e cardiologista para fazer um check-up e relatei os sintomas, mas eles não sabiam o que eu tinha.

Conforme o tempo foi passado fui piorando, as duas pernas ficaram dormentes do joelho para baixo, sentia dores quando andava e as pernas repuxavam.

Liguei para um amigo que é cirurgião vascular, ele falou que esse tipo de dormência era neurológica e pediu para eu passar com um neurologista.

Marquei a consulta com o neuro, fiz um exame e quando saiu o resultado, o "diagnóstico" que ele me deu era o de que o meu quadro era muito normal, sintomático, porque eu só tinha sintomas, e idiopático porque a causa era desconhecida. Discordei da avaliação dele e decidi procurar uma segunda opinião, mas acabou não dando tempo porque o meu quadro se agravou.

Um mês depois desse episódio, em fevereiro de 2012, fui ao pronto-socorro com dificuldade e dor para fazer xixi, relatei a dormência nas pernas, mas a médica se limitou a me receitar um remédio para varizes e um ansiolítico.

Nos dias seguintes, as dores nas pernas ficaram insuportáveis, voltei para o PS, dessa vez, o médico que me atendeu disse que eu poderia ter Síndrome de Guillain-Barré.

Com a piora do meu quadro, fui mais uma vez ao hospital, cheguei arrastando as pernas, o médico que me atendeu decidiu me internar no CTI neurológico —onde fiquei por 33 dias— para investigar o que eu tinha.

Foi constada uma inflamação na medula, mas a equipe não conseguiu fechar um diagnóstico, cada neurologista dizia uma coisa.

Daniele Americano, 44, tem doença rara chamada neuromielite óptica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Mesmo com muitas dores na cervical que irradiava para os braços e sem estar preparada para voltar para casa, uma médica me deu alta alegando que a inflamação era por falta de vitamina B12, que eu deveria suplementar pelo resto da vida e que as dores eram causadas pelo travesseiro e colchão por estar há muito tempo deitada.

Fiquei dez dias em casa, mas tive uma piora grande. Voltei para o hospital já sem nenhum movimento, força e sensibilidade do peito para baixo, ficando tetraplégica.

Fiquei 43 dias internada, nesse tempo sofri uma paralisia facial e decidi contratar um neurologista particular para avaliar o meu caso. Com base no meu histórico, exames e avaliação clínica, o médico me diagnosticou com neuromielite óptica.

A única pergunta que fiz a ele foi se tinha feito ou deixado de fazer algo para gerar a doença, ele disse que não. Ao saber que a culpa não era minha, não fiquei me lamentando, apenas fiz a escolha de ficar bem e focar no tratamento para melhorar.

Fui transferida para o Hospital Sarah, em Brasília, referência em neurorreabilitação. Nos dois meses em que fiquei lá, aprendi a andar de cadeira de rodas, tomar banho na cadeira, desenvolvi autonomia e aprendi alguns novos esportes como canoagem e basquete.

Ao voltar para casa, tive home care durante quatro anos. Além do acompanhamento com neuro e fisioterapeuta, agreguei o esporte à minha recuperação, já pratiquei de tudo um pouco: tênis, natação, pilates, musculação, dança, balé e ioga.

Daniele Americano, 44, tem doença rara chamada neuromielite óptica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Ao longo desses anos nunca me desesperei ou perguntei por que isto estava acontecendo comigo, pois tinha certeza que Deus cuidaria de mim. Tenho meus dias de tristeza, raiva e exaustão, mas não atribuo isso à NMO.

Por não ter encontrado quase nada sobre a doença quando recebi o diagnóstico, criei em 2016 o grupo NMO Brasil, formado por seis pacientes de vários estados do país.

Levamos informação e conhecimento para outras famílias, sociedade civil, política e médica com o objetivo que os diagnósticos sejam fechados com mais precisão e os pacientes recebam o tratamento adequado. Também criei o blog Menina Coragem para incentivar pessoas com ou sem deficiência a passar pelos desafios diários da vida.

Hoje estou bem melhor do que há quase nove anos, recuperei os movimentos dos membros superiores e já consigo ficar 30 segundos em pé sem me apoiar em nada.

Tenho certeza que vou voltar a andar, só não sei quando. Sou feliz do jeito que sou e com o que tenho, isso faz toda a diferença na minha reabilitação. Tenho uma doença rara que me deixou sequelas, mas ela não guia a minha vida."

Daniele Americano, 44, tem doença rara chamada neuromielite óptica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O que é e o que causa a neuromielite óptica?

A neuromielite óptica, também conhecida como doença do espectro da neuromielite óptica, é uma doença neurológica inflamatória que pode atingir o nervo óptico e o sistema nervoso central, ou seja, a medula espinhal e o cérebro.

As lesões nessas regiões podem levar a um quadro de alteração visual, perda dos movimentos dos braços e pernas, fazendo com que o paciente possa apresentar incapacidade definitiva para se movimentar.

Antigamente, a neuromielite óptica era considerada uma variante da esclerose múltipla, porém hoje já se sabe que são doenças distintas e de causas diferentes.

A causa da NMO ainda não é bem definida, entretanto sabe-se que por ser uma doença autoimune, alguns anticorpos do próprio corpo atacam a mielina, a camada que protege o nervo, causando a inflamação e consequentemente seus sintomas.

Quais os sintomas?

A doença é caracterizada por episódios de inflamação que começam gradualmente e em questões de dias os sintomas se tornam mais evidentes. Esses sintomas e sinais vão depender da localização da lesão, mas os mais comuns são a perda da visão de um ou ambos os olhos, visão dupla, dor ocular, tonturas, perda de equilíbrio, fala mais arrastada, soluços intratáveis, náuseas e vômitos, perda de força e formigamentos nos braços e pernas e dificuldade para controlar a urina.

Quais os tratamentos?

Daniele Americano, 44, tem doença rara chamada neuromielite óptica - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

A primeira parte do tratamento é do surto clínico, isto é, do momento que a pessoa está com a inflamação aguda. Utiliza-se corticoides em altas doses, chamado de pulsoterapia. Pode-se também usar a plasmaférese, que é um procedimento parecido com a hemodiálise, que limpa e retira do sangue os anticorpos que estão atacando a mielina.

Esse surto clínico pode acontecer algumas vezes na vida dos pacientes, necessitando recorrer a esse tipo de tratamento para evitar que a inflamação piore e que as sequelas sejam mais graves.

A outra parte do tratamento é para evitar a recorrência desses ataques. Para isso, utilizamos medicamentos imunossupressores, imunobiológicos, que controlam ou diminuem os anticorpos que podem atacar a mielina e causar as inflamações.

A NMO é uma doença rara?

A NMO é considerada uma doença rara, com uma prevalência de 0,5 a 4 casos por 100 mil habitantes, segundo os dados do NIH (National Institute of Health) e Gard (Genetic and Rare Diseases Information Center). Essa prevalência varia de acordo com o país, sendo mais comum em asiáticos, africanos e latino-americanos.

A doença tem cura?

O paciente com NMO pode apresentar algumas dificuldades, principalmente àquelas devido as sequelas adquiridas, entre elas a fadiga, que é um dos sintomas mais prevalentes e incapacitantes. A NMO não tem cura, mas com o diagnóstico e tratamento adequados, acompanhamento neurológico, além de algumas mudanças no estilo de vida e realização de atividade física, o paciente pode ter uma vida normal.

Fonte: Laura F. Parolin, neurologista da clínica Neurovie, professora adjunta de medicina da Univille (Universidade da Região de Joinville) e especialista em neuroimunologia.