Nova métrica facilita controle do diabetes, mas depende de sensor caro
Quem tem diabetes —ou convive de perto com alguém que tem— sabe que uma das coisas mais importantes é manter o controle da doença, evitando os altos e baixos da glicose no sangue.
Tudo isso é relevante porque o descontrole do diabetes é prejudicial à saúde. O excesso de açúcar pode causar complicações crônicas a longo prazo, como problemas nos rins e no coração, além da cegueira.
Já na hipoglicemia, a pessoa pode desmaiar, ter palpitações, náusea, além de aumentar os riscos cardiovasculares. Em casos graves, pode resultar em convulsão, coma e até mesmo morte.
E para ajudar nesse controle da doença, um novo conceito, já conhecido pelos médicos, vem sendo divulgado cada vez mais aos pacientes. De acordo com os especialistas consultados por VivaBem, é uma nova métrica que veio para ficar e agregar cada vez mais no tratamento do diabetes.
Conheça o "Tempo no Alvo"
O termo vem da sigla TIR que, em inglês significa "Time in Range". Na tradução, ficou como "Tempo no Alvo" ou "Tempo no Intervalo". É a quantidade de horas que o paciente ficou dentro da meta dele em um dia, ou seja, com a glicemia controlada —o padrão estabelecido é entre 70 e 180 mg/dl.
O ideal é que a pessoa fique dentro dessa meta durante 70% do seu dia (ou 17 horas), mas isso também pode variar de acordo com o paciente, o que também deixa o tratamento mais individualizado.
"Essa nova métrica é extremamente interessante, é muito visual e possibilita que o paciente entenda como está a sua taxa de açúcar no sangue ao longo do dia", explica Marília Fonseca, endocrinologista e gerente médica da farmacêutica Novo Nordisk. Inclusive, a empresa tem feito iniciativas para conscientizar os pacientes a respeito do conceito.
Com diabetes tipo 1, o esportista Bruno Helman, 26, usa um sensor para fazer essa monitorização do tempo no alvo, além de outro aparelho que, faz a mesma leitura da glicemia e está ligado a uma bomba de insulina, que vai sendo acionada ao longo do dia. Com isso, ele consegue acompanhar os índices durante a execução da atividade física.
"É muito importante essa questão do 'time in range'. É um grande diferencial porque você tem a visão do todo e não só de momentos pontuais", conta o também fundador do Correndo Pelo Diabetes.
Um dos "problemas" é que para se beneficiar dessa métrica nova a pessoa precisa ter um sensor que custa entre R$ 259 e R$ 354 —o que limita o acesso aqui no Brasil. Um estudo feito por pesquisadores brasileiros fala exatamente sobre isso: o conceito é ótimo, mas será um desafio implementá-lo em países em desenvolvimento ou de baixa renda.
"Estudos de baixo custo são necessários para ajudar a entender a possibilidade de ter esses sensores e, com isso, incluir a avaliação do TIR na prática clínica em todo o país", concluíram os autores do estudo.
É importante citar que é possível calcular essa "meta ideal" de outra forma, embora de um jeito bem incômodo. Isso porque a pessoa teria que picar o dedo várias vezes ao longo do dia, segundo Marcio Krakauer, diretor da SBEM-SP (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo). Esse exame é o seguinte: é feito um furo na ponta do dedo e o sangue é analisado pela fitinha do glicosímetro.
"Dá para fazer essa conta com a picada do dedo, mas teria que fazer de 6 a 8 vezes ao dia por alguns meses. Fica impraticável", afirma o médico. "O tempo na meta é uma métrica que nos ajuda no maior controle, no dia a dia, da pessoa com diabetes, e é uma prevenção para as complicações da doença."
Entenda como funciona o sensor
Ele tem o tamanho de uma moeda e é inserido no braço da pessoa por meio de uma cânula de silicone (uma "agulha" bem molinha). É indolor e pode ser utilizado por, no máximo, 14 dias, de forma contínua, ou seja, para tê-lo, o paciente deve dispor de até R$ 700 por mês.
Esse sensor realiza o monitoramento contínuo da glicose. Com um rápido scanner pelo celular ou pelo leitor vendido junto, a tecnologia "flash" é capaz de mostrar os altos e baixos do açúcar no sangue.
Segundo a empresa que fabrica o sensor, a farmacêutica Abbott, na rede pública, apenas alguns municípios e estados criaram iniciativas para oferecer de forma gratuita a determinados grupos da população, como Distrito Federal, Goiânia, Mairiporã (SP) e Espírito Santo.
Sem esse aparelho também é possível acompanhar os índices de açúcar no sangue pelo glicosímetro durante o dia. "É o que temos de mais estabelecido, de muitos anos, para o controle do diabetes. Mas não dá para fazer essa monitorização contínua, igual ao sensor. Infelizmente, é um monitoramento pontual, mas que ainda assim nos ajuda muito", explica Virgínia Fernandes, endocrinologista do Hospital Universitário Walter Cantídio, da UFC (Universidade Federal do Ceará), da Rede Ebserh.
A medida pela ponta do dedo, como lembra a médica, é válida quando a tecnologia falha. Caso apareçam dados muito divergentes, o exame pelo glicosímetro pode trazer uma outra visão. Isso mostra como ambas medidas são aliadas. A diferença é que uma usa o sangue capilar pela ponta do dedo e a o sensor pega o líquido intersticial, um fluído presente nas células.
"Hoje, os pacientes usuários de insulinas que não têm o sensor usam o glicosímetro que já traz informações fantásticas. Uma coisa não substitui a outra, elas se complementam. Quando o sensor dá defeito, é essa medida que salva", diz Fernandes.
'Não sei como seria a vida dele, no esporte, sem esse sensor'
Christian Mosimann, 10, começou a utilizar o aparelho dias depois de receber o diagnóstico de diabetes tipo 1, em 2016, durante uma internação.
"Desde então, ele nunca ficou sem esse aparelho", conta a mãe, Flávia Mosimann. "Esse sensor foi passando por várias modernizações. Antes, tinha que ter o aparelho para fazer a leitura. Hoje, é possível fazer pelo celular", explica.
Para o jovem piloto de kart, essa tecnologia é essencial para ficar de olho na glicemia, que passa por variações importantes em momentos de prática de atividade física e na hora das refeições.
"Não sei como seria a vida dele, no esporte, sem esse sensor porque conseguimos monitorar tudo de perto. Se ele vai para a pista, consigo ver 1 segundo antes como está a glicemia dele, se precisa comer algo ou se ela está 'ok' para o tempo que ele vai ficar na pista", relata Flávia.
Além dela, o filho também vai acompanhando os níveis de açúcar no sangue. Quando Christian tem consulta com o médico, é possível levar o relatório que o aparelho elabora depois dos 14 dias de uso.
Sensor traz gráficos importantes
Eles mostram a quantidade de tempo que a pessoa ficou, em 24 horas, com hipoglicemia (queda de açúcar no sangue), hiperglicemia (excesso de açúcar no sangue) ou no 'tempo no alvo'. O mais citado pelos especialistas são as setas de tendência, que indicam se a glicose está estável, subindo ou descendo, e qual a velocidade disso (rapidamente ou lentamente).
Desta forma, é possível tomar alguma medida para ajustar os números. "Se a glicemia está subindo muito rápido, você consegue fazer algo para ela estabilizar", explica a mãe de Christian. "Também ajuda a não ficar no escuro entre uma refeição e outra."
Outro gráfico interessante que o aparelho oferece é o do semáforo. O verde significa o tempo que o paciente ficou "dentro do alvo" no dia, que deve ser aproximadamente 17 horas. Já o amarelo é um alerta para a hiperglicemia —o ideal é menos que 5h por dia. Já o vermelho é o tempo abaixo do alvo, em hipoglicemia, que deve ser menor que 1h por dia.
Inclusive, um estudo publicado no periódico Jama, em 2 de junho deste ano, já mostra que o uso desses sensores está associado a melhor controle glicêmico e menores taxas de hipoglicemia.
Sem sensor, controle é feito com hemoglobina glicada (Hb1Ac)
O exame de sangue mostra os níveis da glicose nos últimos três meses. E o "problema" é exatamente esse, ele apresenta o "passado" do paciente e não traz essa visão ampla dos índices glicêmicos ao longo do dia.
"A hemoglobina glicada é um bom parâmetro no tratamento, mas ela traz uma média e não permite que a gente analise os índices ao longo do dia de uma pessoa com diabetes. O 'tempo no alvo' traz para a gente essa novidade", afirma a gerente médica da farmacêutica.
Acesso ao aparelho ainda é restrito
Marcio Krakauer, coordenador do Departamento de Tecnologia, Saúde Digital e Telemedicina da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes), acredita que, em breve, a tecnologia fique mais barata e acessível à população. Principalmente com a chegada de novos concorrentes.
O único sensor disponível no mercado, hoje, é o FreeStyle Libre, da Abbott. Existe uma outra opção, de outras marcas, mas ele é utilizado com uma bomba de insulina (sistema de infusão contínua) —muito mais caro.
"Já estamos lutando para mostrar a vantagem disso, em incorporar para determinados grupos. Em Brasília, existem algumas iniciativas. São poucas pelo país, mas existem. Essas iniciativas vão mostrar os benefícios da tecnologia. São como se fossem projetos pilotos antes de serem abertos para todos", afirma o médico.
Como o SUS é tripartite, ou seja, conta com ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, a iniciativa pode ficar a critério das prefeituras ou governos.
Segundo o Ministério da Saúde, no momento, à população é oferecido lancetas (pequenas agulhas finas de uso único, indicadas para penetração na pele), tiras reagentes e glicosímetro para a monitorização da glicose.
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