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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Síndrome de boreout: quando o tédio no trabalho afeta a saúde mental

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Imagem: iStock

Lívia Inácio

Colaboração para o VivaBem

26/07/2021 04h00

Resumo da notícia

  • O tédio constante no trabalho foi definido como síndrome de boreout por dois escritores suíços em 2007
  • Se a sobrecarga de trabalho pode afetar a saúde mental, a falta de atividades também leva a transtornos como a depressão e a ansiedade
  • Para evitar o problema, as companhias devem buscar entender como cada funcionário enxerga seu papel na empresa
  • Manter-se em movimento, projetar novos caminhos profissionais e procurar ajuda médica é fundamental para vencer o boreout

Pilhas de papel na mesa, chefe gritando no fundo, muita exaustão mental. Mais que um clichê, a cena do sujeito doente por trabalhar demais é uma triste realidade em muitas empresas. Tanto peso sobre os ombros pode levar à famosa síndrome de burnout, impulsionada pela sobrecarga de tarefas. Mas e quando o contrário ocorre? Será que a falta de demandas também pode ser nociva?

Foi pensando nisso que o filósofo Peter R. Werder e o consultor de negócios Philippe Rothlin, ambos da Suíça, cunharam em 2007 o termo síndrome de boreout. A expressão vem do inglês boring, que quer dizer entediado. Ainda que não seja uma doença, ela define uma condição comum nas empresas, marcada pela baixa carga de atividades cotidianas.

Sem tarefas para cumprir, o indivíduo entra em um estado de apatia permanente, podendo sofrer transtornos mentais como a depressão e a ansiedade. A longo prazo, não é incomum que esse seja o estopim para um déficit cognitivo devido à falta de estímulos, conforme explica o psiquiatra Antônio Egídio Nardi, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Outra preocupação de Nardi nesse cenário, sobretudo durante a pandemia, quando muita gente tem trabalhado de casa, é o alcoolismo, que segue crescendo no mundo todo desde o início da crise sanitária. A falta de sentido originada no tédio crônico tende a levar muita gente para vícios. Cabe lembrar aqui que políticas de trabalho remoto mal estruturadas podem contribuir com esse esvaziamento.

Existe tédio saudável?

Não há problema em passar momentos sem ter nada para fazer. Afinal, nem todo dia você vai ter a agenda cheia. Mas para algumas pessoas a escassez de trabalho é a regra na empresa. E aí mora a diferença entre o tédio comum e o boreout, que é constante.

Conforme explica a psicóloga Patrícia Regina Bastos Neder, professora da UEPA (Universidade Estadual do Pará), sinais que servem de alerta são a angústia contínua diante do tempo vago, a falta de identificação com o trabalho e uma intensa baixa de energia.

"A pessoa percebe que poderia explorar melhor suas habilidades e conhecimentos, porém isso não acontece", explica. Para a especialista, um dos equívocos é associar essa condição à preguiça ou má vontade, sem levar em conta o contexto do problema.

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Imagem: iStock

Ambientes tóxicos

O boreout é comum em espaços com chefes centralizadores. Também há casos em que líderes boicotam subordinados em situações de assédio moral. No serviço público, em cargos estatutários, o problema pode ser ainda maior, já que a garantia de estabilidade desencoraja o sujeito a se demitir e nem sempre é possível migrar de setor.

Seja qual for a raiz desse tipo de cultura, ela tende a impactar não apenas a saúde do indivíduo, mas também a esfera organizacional. A boa notícia é que, em todos os casos citados, essa atmosfera pode ser quebrada com políticas de gente e gestão baseadas na escuta e no diálogo, segundo Leonardo Tonon, doutor em gestão de pessoas e professor da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná).

O papel da escuta

O pesquisador faz uma diferenciação importante entre sentido e significado do trabalho. À luz de teóricas como Estelle Morin e Suzana Tolfo, explica que o significado consiste naquilo que a sociedade entende sobre uma carreira e o sentido tem a ver com o valor que o próprio sujeito dá ao que faz.

Acontece que o sentido do trabalho muda de pessoa para pessoa. Pode ser que um engenheiro precise de atividades desafiadoras toda manhã e outro da mesma empresa prefira cumprir tarefas bem determinadas ao longo da semana.

É por isso que resolver problemas como o boreout nas organizações passa por ouvir o que as pessoas pensam e distribuir tarefas com base na forma como cada sujeito constrói sua realidade e sua jornada profissional.

Não adianta simplesmente chamar quem está sem nada para fazer e lotá-lo de planilhas para preencher. Nesse cabo de guerra entre o burnout e o boreout, um ponto de equilíbrio só será possível se as pessoas tiverem canais de troca e relações de cooperação saudáveis.

Uma das estratégias que várias companhias têm usado nesse processo são os chamados "espaços públicos de fala", em que os trabalhadores têm a liberdade de conversar e falar de seus medos, angústias e expectativas. Eles são realizados de maneira informal, por meio de cafés e happy hours corporativos, em que as relações se estabelecem de modo natural e as pessoas são capazes de conversar e se ajudar espontaneamente.

No âmbito formal, os gestores também podem ampliar suas reuniões de feedback, tanto para dizer o que pensam do subordinado quanto para escutar e acolher críticas.

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Imagem: iStock

Há vida após o expediente

Ainda que as organizações possam barrar a cultura do tédio crônico, nem todas estão abertas a esse movimento. E o que fazer então quando se sente afundando no marasmo em uma empresa que não aproveita o seu potencial?

Para Nardi, o primeiro passo é identificar essa condição e compreender em que medida ela tem o afetado. O segundo é procurar ajuda profissional. Pode ser que você já tenha adquirido transtornos mentais ao viver essa situação. Nesse caso, o tratamento medicamentoso e a psicoterapia serão importantes para sua recuperação.

Fortalecendo sua mente, a outra etapa é se reerguer o quanto antes para se manter em movimento. Se a organização não pretende mudar essa realidade, use seu tempo livre para pensar novos caminhos, seja como empreendedor, concurseiro ou empregado em uma nova organização. "Dá até para buscar cursos online, que podem te capacitar para a vivência dentro e fora da empresa em que está", diz.

Neder acrescenta ainda que, ao final do expediente, é necessário apostar em atividades que te dão prazer. Vá ao cinema, faça exercícios, não se deixe apagar pelo tédio: cultive uma vida plena para além do horário comercial. Você se lembra quando disseram que mente vazia é oficina do diabo? Aqui a sabedoria popular cai como uma luva.