Adolescentes enfrentam falta de políticas consistentes sobre saúde mental
A adolescência é um período de extrema vulnerabilidade e mudanças, o que impacta a saúde mental dos jovens. Ao mesmo tempo, é também muito propícia para a prevenção, uma vez que certos traços da identidade e personalidade ainda não estão cristalizados.
De acordo com o levantamento "Caminhos da Saúde Mental", feito pelo Instituto Cactus, muitas vezes essa fase é mal compreendida, o que contribui para a criação de estigmas e para o negligenciamento dos cuidados assistenciais psicológicos.
"É muito importante falar sobre prevenção e intervenções precoces e ter esse olhar para os jovens, já que 50% das condições da saúde mental se manifestam até os 14 anos, e 75% até os 24 anos, sendo que a maior parte disso passa sem diagnóstico ou tratamento", aponta Luciana Barrancos, gerente geral do Instituto Cactus.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, em 2013 havia uma taxa 10,8% e 12,7% de transtornos de saúde mental entre as crianças e adolescentes [de 0 a 19 anos]. Entre os problemas mais comuns estão: ansiedade (de 5,2% a 6,2%), problemas de comportamento ou conduta (de 4,4% a 7%), hiperatividade (de 1,5% a 2,7%) e depressão (de 1% a 1,6%) —que pode parecer pouco— mas representa cerca de 530 mil crianças e adolescentes.
De acordo com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), os agravos sofridos pelos adolescentes podem comprometer também a qualidade de vida, tendo em vista que é comum que os jovens não tenham ferramentas para lidar com essas frustrações e recorram a outras práticas para mitigar o sofrimento, como abuso de substâncias psicoativas, automutilação e até mesmo o suicídio.
E, infelizmente dados do Ministério da Saúde publicados em 2019 confirmam a preocupação: jovens de 15 a 29 anos de idade concentraram 45,5% das ocorrências de autoagressões, automutilações e tentativas de suicídio de 2011 a 2018. O número passou de 14.490 para 95.061, uma escalada que assusta.
Os especialistas são unânimes em dizer que os dados oficiais estão aquém da realidade. E a pandemia parece ter piorado essa questão.
Sobram problemas, mas falta apoio
Nas escolas, a inclusão de novos elementos curriculares para desenvolvimento de habilidades socioemocionais requer que os próprios professores e as instituições recebam formação adequada para esse fim. Mas até 2019, 37,8% dos docentes dos anos finais do ensino fundamental não possuíam titulação em grau superior compatível com as disciplinas que lecionavam.
"Escolas incapazes de escutar o sofrimento de sua comunidade, quando este dá mostras e sinais, e que não desenvolvem políticas de saúde mental abordando fatores estruturais de indução de sintomas como violência, segregação e bullying, ficarão para trás no futuro que se aproxima", afirma Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e membro do Conselho Consultivo do Instituto Cactus.
Ao mesmo tempo, algumas das iniciativas que abordam essas brechas não se conectam às políticas públicas de forma clara, como o ensino das artes e esportes. Mais do que um passatempo, elas devem oferecer um espaço para o desenvolvimento sócio-emocional, estimulando a construção de disciplina, inteligência e cooperação. Porém, falta mais articulação entre essas ações, o que limita a efetividade e o alcance dessas boas práticas.
Avanços e retrocessos
As políticas de saúde mental dirigidas aos adolescentes começaram a ser desenvolvidas a partir dos anos 2000. Até a implementação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), não existia enfoque nacional para a saúde mental de crianças e adolescentes, mas, sim, uma abordagem estigmatizante e punitiva para as camadas mais desfavorecidas, que aumentava e justificava a exclusão escolar.
No início do século 21 começou um processo mais robusto de atenção à saúde mental infantojuvenil, por meio do estabelecimento de diretrizes e ações prioritárias do SUS.
Um marco importante nesse sentido foi o investimento de recursos, a partir de 2002, em Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenis (CAPSij). Mas os serviços oferecidos não estão presentes em todo o país, o que é um ponto de atenção quando o tema é o alcance das políticas públicas.
A partir de 2015, ocorreram mudanças que implicaram no retorno de abordagens que haviam sido superadas no passado, com ênfase dada à institucionalização, moralização da família e da sexualidade, em vez de preconizar o cuidado baseado na comunidade.
No campo da assistência social, as ações têm dado pouca atenção ao suporte às famílias para apoiar os jovens. É preciso agir sobre isso, e dar ferramentas para os jovens participarem da construção de seu futuro, mas com ajuda e orientação adequadas.
Como ajudar
Mas como os pais podem identificar os sinais que indicam instabilidade emocional ou o surgimento de transtornos mentais?
"Queixas de angústia são manifestações comuns e precoces após eventos traumáticos. Mudanças no humor, no comportamento, no sono, aumento da agressividade, sintomas de ansiedade, dificuldades grandes e abruptas na cognição devem ser consideradas", alerta Antônio Alvim, coordenador do Departamento de Psiquiatria da Infância e Adolescência da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Alterações de comportamento intensas em demasia podem ser uma indicação de desenvolvimento de pensamentos de risco, sendo o suicídio o desfecho mais trágico.
Os adolescentes precisam de estrutura e de senso de normalidade para manter a estabilidade emocional. O que pode ser mais difícil em tempos de ensino a distância, afastamento dos amigos, cancelamento de festas e viagens e mudanças de costumes. Por isso, é essencial manter as obrigações diárias.
"A rotina traz segurança. Os vínculos com a escola, o trabalho, a família e a internet estão sendo ressignificados. São naturais a ansiedade e o estranhamento, mas também uma oportunidade de se reaproximar e redescobrir as relações", explica Larissa Polejack, professora do Instituto de Psicologia da UnB (Universidade de Brasília).
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