Baixo nível de empatia aumenta estresse do brasileiro durante a pandemia
A incapacidade de se colocar no lugar do outro associada ao desgaste emocional e à falta de infraestrutura durante a pandemia elevou os níveis de sofrimento entre os brasileiros neste período —e nos colocou entre os povos mais estressados do mundo. A constatação veio com o resultado da primeira fase da pesquisa "Adaptação social em estresse na pandemia de covid-19: um estudo transcultural", coordenada pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) em parceria com mais 24 países.
O estudo revelou que houve uma percepção de aumento do individualismo por causa das medidas de isolamento e distanciamento social. Em contrapartida, governos que oferecem uma infraestrutura coletiva melhor reduzem o impacto emocional dos indivíduos.
A ideia é que o trabalho contribua para o desenvolvimento de intervenções no campo da saúde mental e ajude a sociedade a lidar com esse tipo de problema em crises futuras.
Brasileiro e o mito da alegria contagiante
À primeira vista, o resultado do estudo pode parecer contraditório. Afinal, o brasileiro não é aquele povo alegre, sempre disposto a sorrir e ajudar o próximo na adversidade? Pois a realidade parece não ser bem essa.
"Nós estamos habituados a estarmos juntos na festa, no futebol, é uma cultura baseada na celebração, na sensação de prazer", afirma a professora Edna Ponciano, do Instituto de Psicologia da UERJ e coordenadora da pesquisa.
Segundo ela, não somos acostumados a dividir a dor, o sofrimento com os outros, e isso pode ser um problema. "Nossa maneira de lidar é se distrair para esquecer, mas com isso deixamos de lidar com os problemas e transformamos esses sentimentos em ansiedade, depressão e estresse", acredita a especialista.
Cultura coletivista é mais resiliente
Ponciano lembra ainda que o Brasil pontuou muito alto no individualismo —o que também parece ser um contrassenso, já que o brasileiro tem fama de ser solidário e prestativo. "De fato, o brasileiro é solidário, mas muito mais direcionado às pessoas que ele conhece, ao seu círculo social e familiar", avalia. "O outro desconhecido não nos toca tanto", acredita.
Por outro lado, a pesquisadora lembra que as sociedades que estão passando pela crise sanitária de forma coletiva estão conseguindo lidar melhor com o sofrimento. Em outras palavras, a coletividade permite a construção de pessoas mais resilientes e satisfeitas.
Para Gustavo Arns, especialista em felicidade e bem-estar, o aumento do estresse tem relação direta com o individualismo. "Essa falta de empatia nos deixa fechados para o outro, fechados em nós mesmos e isolados", afirma ele, que é idealizador do primeiro Congresso Brasileiro de Felicidade e professor da pós-graduação em psicologia positiva da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).
Para ele, a pandemia não vai solucionar todas as nossas relações e problemas sociais, mas é uma boa oportunidade para começarmos a solucionar essas questões. "Nunca se falou tanto em saúde mental e qualidade de vida", afirma. "Acredito que é o momento ideal para começarmos a refletir sobre como podemos começar a construir a nossa felicidade."
Pesquisa continua
A segunda etapa da pesquisa está em fase de coleta de respostas e tem como foco a vacinação. O estudo quer levantar informações sobre quem está ou não vacinado, quem pretende se imunizar e qual o nível de compreensão dos brasileiros sobre a importância da campanha.
Quem quiser participar, pode responder às perguntas clicando aqui. É preciso ter mais de 18 anos para ter as respostas validadas.
É possível ser feliz na pandemia?
De acordo com a pesquisadora Carla Furtado*, fundadora do Instituto Feliciência, é preciso lembrar que o conceito de felicidade significa mais do que um estado de euforia ou alegria. "A felicidade é uma construção, feita ao longo da vida, baseada na percepção das emoções positivas que vivemos e no propósito de vida que temos", afirma.
Assim, é possível ser feliz mesmo em tempos nebulosos a partir do momento que buscamos ativamente por coisas e pessoas que nos tragam sentimentos positivos, de pertencimento e conexão. "Isso é uma construção diária, uma habilidade que adquirimos treinando todos os dias", afirma. "Ser feliz é esse caminho que vamos construindo, não o destino final", avalia.
Esse "treino mental" é importante pois nosso cérebro tende naturalmente a ver sempre o lado negativo das situações. É o famoso "viés da negatividade", uma ferramenta evolutiva que nos ajudou a sobreviver sempre nos preparando para o pior cenário possível.
Para ajudar nesse processo, ela sugere a elaboração de um "caderno da gratidão": nele, você deve anotar três coisas que aconteceram no dia e que provocaram um sentimento positivo. "Isso favorece os circuitos neurais de aprendizado que reforçam nossa percepção das perspectivas positivas", diz a especialista.
*Especialista entrevistada para reportagem publicada em 20/03/2021.
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