Topo

Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


Esportista, ela descobriu 2 problemas cardíacos e precisou de coração novo

Elcio Padovez

Colaboração para VivaBem

15/08/2021 04h00

Isabeli Lourenço, fisioterapeuta de Jaraguá do Sul (SC), sempre teve uma vida dinâmica e ligada ao esporte. Saudável, nunca imaginou que teria um problema grave de saúde. Mas aos 19 anos, sentiu palpitações no coração que a deixaram preocupada e, ao procurar um cardiologista, recebeu o diagnóstico de cardiomiopatia hipertrófica não obstrutiva e síndrome de Wolff-Parkinson-White, duas doenças que, combinadas, podem levar à morte.

Ela implantou um CDI (cardioversor desfibrilador implantável), mas sua saúde piorou e, aos 26 anos, entrou para a fila do transplante. Após 6 meses de espera, recebeu a notícia de que havia um coração em Blumenau (SC) esperando por ela. Aos poucos, voltou a praticar muitas modalidades esportivas e participou do 1º Jogos Brasileiros dos Transplantados, em que foi campeã de natação. A seguir, ela conta sua história.

"Sempre fui uma criança ativa e, desde essa época, gostava de praticar esportes e era estimulada a isso. Aprendi com meu avô a jogar xadrez e meu pai me ensinou pingue-pongue. Quando era adolescente, o que eu mais gostava era de participar do grupo de escoteiros, acampar e andar no mato.

Outra coisa que aprendi cedo foi a nadar. Com quatro anos, meus pais me puseram na natação, pois vivia gripada e ali comecei a gostar de competir. De 13 para 14 anos, aprendi a surfar e me apaixonei. Surfava até no inverno e não me importava com a água fria, pois o importante era a adrenalina de pegar onda. Também passei a fazer ioga e musculação.

Isabeli Venâncio descobriu 2 problemas cardíacos e precisou de coração novo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Entrei na faculdade e, no segundo ano do curso de fisioterapia, descobri, aos 19 anos, que tinha um problema cardíaco. Nessa época, era atleta de natação da faculdade e tinha uma rotina bem puxada e decidi investigar o que tinha.

Após alguns exames, o cardiologista diagnosticou uma arritmia, disse que tinha a síndrome Wollf-Parkinson-White e que havia risco de ter morte súbita. Passei por outro profissional e, após um ecocardiograma, descobri que sofria também de cardiomiopatia hipertrófica não obstrutiva.

Ali minha vida começou a mudar, mas inicialmente neguei a situação grave e segui vivendo intensamente.

Pensava comigo: isso não vai me matar. Um dos médicos sugeriu que fizéssemos uma cirurgia para corrigir a miocardiopatia. Isso ajudaria a diminuir a arritmia e no início eu topei, mas depois desisti. Segui nadando, mas não mais profissionalmente e ajustei a frequência cardíaca para continuar a surfar e os outros esportes que gostava, pois não sentia falta de ar ou sintomas de alguém que fosse ter uma morte súbita.

Monitorava tudo e não sentia cansaço. Na água, a única coisa que fiz foi passar a evitar mar aberto, pois não dá para saber que horas a onda vem e não há tempo de descansar entre uma e outra. Até o momento que as arritmias começaram a se manifestar durante o exercício, na aula e até dormindo.

O médico me alertou que as arritmias estavam cada vez maiores e que eu deveria colocar um CDI, marca-passo que emite um choque no momento em que a pessoa tem uma parada cardíaca para reanimá-la. Mas ainda não estava convencida.

Adiei a cirurgia por um ano e cheguei até a sonhar comigo arrancando o aparelho do peito por não querê-lo.

Isabeli Venâncio descobriu 2 problemas cardíacos e precisou de coração novo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Dois episódios me convenceram de que era necessário: o primeiro foi no trabalho com equoterapia, ficava exausta de andar e subir no cavalo para acompanhar as crianças. O segundo foi após conhecer meu marido, o Guilherme, que também adora aventura. Fomos fazer uma trilha com jipes e ficamos presos em um buraco por quase 3 horas até chegar ajuda. Não havia rádio e o celular não tinha sinal. Me deu pânico de ter um problema e morrer ali. Na volta, liguei para o médico e disse: chegou a hora.

Voltei a fazer muitas das atividades que estava acostumada e, junto do Guilherme, tive ainda mais vontade de viver. Como tinha o CDI implantado, não tinha mais medo de uma morte súbita, mas mesmo assim evitei por um tempo exercícios que exigiam muito do corpo, como surfar.

Fiquei quase um ano sem subir na prancha até que, no Natal de 2015, estava com muita vontade, a água estava quente e decidi ir, mesmo estando bem inchada, sem entender o que era aquilo e não ouvindo os apelos do meu marido para não fosse.

Após a terceira onda, passei a sentir muita falta de ar e ficar pálida. Só lembro do som do CDI apitando no meu corpo e do meu marido e um guarda-vidas me ajudando a sair do mar. Meu coração chegou a 222 batimentos por minuto e cheguei a desmaiar antes de ser reanimada pelo aparelho.

A partir deste episódio, precisei reduzir o consumo de água para 1 litro por dia, incluindo alimentos com o líquido, e meu coração passou a ficar mais fraco. Reduzi a prática de esporte, a carga de trabalho e de uma chácara tive que me mudar para um apartamento pequeno e no centro de Jaraguá do Sul para estar perto de tudo se acontecesse alguma coisa.

No fim de 2017, com 26 anos, entrei para a fila do transplante, pois era a única maneira de sobreviver. Entre outubro e dezembro, fiquei internada no hospital e com acesso restrito a visitas, pois o coração poderia chegar a qualquer hora e não poderia estar gripada, por exemplo. Foi um período difícil e precisei de paciência e serenidade.

De mãos dadas com a morte

Vivia um dia de cada vez e não tinha mais medo da morte, pois andava de mãos dadas o tempo inteiro com ela. Em 14 de março de 2018, o celular, do qual eu não desgrudava esperando pela notícia, tocou. Estava prestes a ser novamente internada quando o cirurgião me pediu para ir urgente para Blumenau porque havia chegado um órgão e íamos tentar o transplante.

Liguei para o meu pai, ele veio e a sorte é que havíamos falado com os bombeiros voluntários para um eventual transporte. Fui levada de helicóptero de uma cidade para a outra e em 30 minutos estava dentro do hospital. Passou muita coisa pela cabeça e, enquanto refletia, ria porque dizia que meu coração chegaria pelos ares.

Isabeli Venâncio descobriu 2 problemas cardíacos e precisou de coração novo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O coração era compatível e passei por uma recuperação lenta. Meus rins chegaram a parar e os médicos consideraram me mandar fazer hemodiálise, mas não foi necessário. Tive arritmias e pulei de 45 para 83 kg por excesso de líquidos. Tive que reaprender a andar e foi um processo bem doloroso, com fisioterapia 2 a 3 vezes por dia. Tive crises de convulsão, precisei voltar para a UTI e, no total, foram 33 dias de internação. Mas com o tempo, as coisas voltaram ao normal. Transplantei para viver.

Era como se tivesse virado um bebê. Comecei andando uma quadra e após 3 meses, perguntei para o médico se poderia voltar para a academia. Ele autorizou, desde que eu fosse de máscara e horários com pouca gente. Naquela época pré-covid, eu era a estranha.

Em seis meses, caminhei 5 km e um ano depois do transplante, fiz a primeira corrida. Ainda fiz aulas de hipismo para relembrar a sensação e andei de skate. A última atividade que retomei foi surfar, mas não me sentia inteira ainda e me fortaleci na natação antes de voltar a pegar ondas.

Isabeli Venâncio descobriu 2 problemas cardíacos e precisou de coração novo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Em 2019, descobri que ia ter a 1ª edição dos Jogos Brasileiros dos Transplantados, em Curitiba, e quis participar, pois sou muito competitiva e queria viver a experiência. Treinei muito e ganhei em quatro categorias da natação. Passei a ter uma relação com a corrida e gosto da sensação do vento no rosto e sentir o coração batendo no ritmo da vida.

Também aprendi a respeitar meu limite cardíaco e no mar, evito ondas grandes e hoje o que vale é sempre me divertir nas ondas. Outra coisa que passei a fazer mais depois do transplante foi me dedicar a contar minha história e ajudar pessoas que estão na mesma situação que vivi.

Escrevi um livro e, antes da pandemia, ia muito a escolas e outros lugares para dar palestras e sempre dizia e digo que a vida pode acabar amanhã e as pessoas precisam conversar em casa sobre a importância de doar órgãos.

Apesar de não ser permitido saber quem é o doador, acabei descobrindo. Tanto minha história quanto de um menino de 15 anos que morreu na época da Páscoa saíram na imprensa e meus pais acabaram indo na missa de sétimo dia dele e ali confirmaram a suspeita. Estava na UTI e eles me contaram que ele era escoteiro também e, a partir daí, passei a ter contato com eles e brinco que me pareço mais com essa família do que com a minha.

Sempre me declarei como doadora e hoje uso a minha história para conscientizar mais pessoas a tomar essa decisão. É preciso valorizar a vida".

Isabeli Venâncio descobriu 2 problemas cardíacos e precisou de coração novo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

O que é a miocardiopatia hipertrófica não obstrutiva?

É uma doença que causa alterações genéticas e promove a distorção na ordem das fibras musculares com a formação de fibrose. Essa desorganização causa um aumento na espessura do ventrículo esquerdo do coração levando a sintomas de insuficiência cardíaca, como falta de ar, cansaço e aumento de arritmias. O termo "não obstrutiva" é usado porque a musculatura aumentada não impede a passagem de sangue do coração para o corpo.

Não existe tratamento específico para a doença. O que é importante nesses casos é avaliar o risco de taquiarritmias (alterações no ritmo cardíaco) ventriculares que podem causar morte súbita. Nesses casos, o paciente pode receber remédios ou um CDI, que promove um choque para tratar a taquiarritmia se necessário. Também é possível tratar os sintomas do paciente com remédios e ele deve parar com atividades físicas intensas ou competitivas pelo risco de parada cardíaca.

O que é a síndrome de Wolf-Parkinson-White?

É uma doença cardíaca congênita (a pessoa já nasce com ela) que se desenvolve devido a uma transmissão anormal do impulso elétrico entre os átrios e os ventrículos, que pode causar taquiarritmias e palpitações. Os sintomas geralmente aparecem pela primeira vez na adolescência ou adultos jovens e são aceleração súbita dos batimentos cardíacos e batimentos cardíacos prolongados, tanto durante e após o esforço como em repouso.

É comum ter dificuldade ao respirar e certa facilidade para desmaios. Em alguns casos, é desencadeada uma fibrilação atrial e, consequentemente, alto risco de desenvolver fibrilação ventricular, que geralmente é fatal. O tratamento mais eficaz é por meio de um procedimento realizado por cateter chamado "ablação" da via elétrica anômala.

Fontes: Bruno Albuquerque Colontoni, cardiologista formado pela Famema (Faculdade de Medicina de Marília) e especialista pela SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia). É membro do American College of Lifestyle Medicina e do Colégio Brasileiro de Medicina de Estilo de Vida e Frederico J. Di Giovanni, cardiologista formado pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), é cirurgião cardíaco e chefe do Serviço de Transplantes de Coração no Hospital Santa Isabel, em Blumenau (SC).