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Filho favorito existe, mas isso não é sinônimo de falta de amor; entenda

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Imagem: iStock

Danielle Sanches

Do VivaBem, em São Paulo

16/08/2021 04h00

Ter ou não um filho favorito geralmente é um tabu em qualquer família. Os filhos costumam dizer que sim, existe um favorito (e geralmente ele é sempre o irmão), enquanto os pais pacientemente repetem que todos são tratados iguais (mesmo quando isso não é verdade —o que é bastante comum).

O favoritismo de um ou outro filho é um tema sempre delicado e que envolve, muitas vezes, mágoas acumuladas de anos de convivência. "As relações familiares podem ser bastante difíceis pois envolvem não só momentos de afeto, mas de ruptura também", explica Dorli Kamkhagi, psicóloga clínica e coordenadora de Grupos da Maturidade do IPq (Instituto de Psiquiatria) da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). O filho mais velho que recebe outro mais novo, por exemplo, vai sentir ciúme da atenção que perdeu, enquanto o mais novo vai exigir a atenção que necessita. É uma adaptação que pode ser difícil para todos.

A questão fica ainda mais complicada quando os pais se veem confusos diante dos sentimentos com cada filho. "Eles ficam divididos, acham que estão traindo e sentem uma 'culpa' por estarem vivendo aquele laço de forma intensa com o outro filho", afirma a especialista. Mas é importante lembrar que cada indivíduo é único e, portanto, cada relação construída também é diferente.

Há ainda outro aspecto importante que é o da competitividade entre irmãos, um sentimento em que os filhos "lutam" pela atenção para serem os preferidos —algo totalmente normal e esperado dentro do desenvolvimento familiar e psíquico de qualquer pessoa.

Nesse sentido, o discurso de que não existe um favorito tenta criar um ambiente de pacificação das relações. "É como se os pais tentassem apaziguar aquela disputa dizendo que ambos são tratados igualitariamente", explica Bárbara Santos, psicóloga e psicanalista na Holiste Psiquiatria, em Salvador (BA).

Mas, obviamente, como toda relação é diferente, esse discurso não se sustenta no dia a dia e muitos pais, de fato, acabam preferindo um filho ao outro —mesmo que nunca admitam isso. É o que diz um estudo longitudinal (ou seja, que acompanhou os indivíduos por um longo período de tempo) feito por pesquisadores da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Foram entrevistados 384 pais de adolescentes irmãos durante três anos.

Na pesquisa, 70% dos pais e 74% das mães afirmaram que tratam um dos filhos de forma preferencial. A maioria das mães admitiu que trata melhor as filhas, enquanto a maioria dos pais disse que a preferência é direcionada aos filhos.

O curioso é que o estudo também revelou que, independente de idade ou ordem de nascimento, todos os irmãos disseram que têm certeza que o outro é tratado melhor pelos pais —dando a entender que esse favorecimento também é, em parte, uma percepção comum entre irmãos.

Crianças sorrindo com cachorro - NoSystem images/iStock - NoSystem images/iStock
Estudo mostrou que geralmente existe, sim, um filho preferido
Imagem: NoSystem images/iStock

Favoritismo é errado?

Como o próprio estudo comprovou, sim, é bastante comum que um dos pais ou ambos, de forma consciente ou não, acabem favorecendo um dos filhos. Mas é importante dizer que isso não é errado —ao contrário, é bastante natural.

Isso porque os pais podem ter mais afinidade com um filho por questões de personalidade, por exemplo. O momento de vida dos pais em que o nascimento aconteceu e até mesmo as expectativas sobre como seria viver aquela relação com um filho ou uma filha também são fatores que podem influenciar na forma como tratamos os filhos.

Nada disso é errado e é preciso que os pais saiam desse lugar de culpa e aprendam a viver isso de forma natural. Afinidade não é necessariamente a mesma coisa que amor". Bárbara Santos, psicóloga e psicanalista na Holiste Psiquiatria, em Salvador (BA)

Há ainda o favorecimento que envolve necessidades específicas. Um filho doente, um bebê recém-nascido ou até uma criança que tenha necessidades especiais vai precisar de mais atenção dos pais. Aqui, como em outros casos, o importante é que a situação seja explicada para a criança, que costuma entender a realidade da família e até apoia os pais nas tarefas, quando estes permitem que ela seja incluída nas atividades.

Quem sofre mais?

De cara, o mais comum é acharmos que o filho preterido é o que mais sofre. E isso não é de todo errado, afinal, os sentimentos de carência e rejeição, especialmente quando vividos na infância, podem facilmente se transformar em traumas que serão carregados para o resto da vida em relacionamentos futuros.

Nesse caso, o filho que busca mais atenção pode se transformar naquele "faz tudo", que coloca os pais acima de suas necessidades pessoais em busca de reconhecimento, o que nem sempre virá. Mas esse indivíduo também pode sentir que tem mais liberdade para viver de forma mais autêntica, sem a expectativa que os pais depositam para o filho favorito. "Nem sempre precisa ser algo negativo", afirma Santos.

Por outro lado, o filho preferido pode se ver em dificuldades justamente por ter que viver uma vida perfeita pouco sustentável na realidade, levando a muita frustração. "Ele pode se sentir aprisionado por um ideal que nunca vai conseguir atingir, e aí acaba fazendo escolhas com base nisso", acredita Kamkhagi.

Quando procurar ajuda?

Ok, toda família terá sempre um favorito. Mas quando é que isso deixa de ser uma característica e se torna um problema? De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, a medida é o sofrimento causado por essa preferência.

"Se um dos filhos ou ambos passam a sentir desconforto nessa relação, quando as relações familiares estão empobrecidas e até os irmãos estão em desarmonia, é hora de conversar", afirma Santos. Nesse caso, a conversa pode ser mediada por um especialista que ajude a ressignificar as mágoas e reconstruir os laços.

Os pais que se sentem culpados por acharem que preferem um filho ao outro também devem procurar ajuda para conversar a respeito —especialmente as mães, que sempre sofrem com as cobranças excessivas de seu papel. "A maternidade não é perfeita e é impossível amar a todos da mesma forma", explica a psicóloga. Falar sobre isso, em um espaço sem julgamentos, ajuda a se libertar dessa culpa e a viver de forma mais leve as relações familiares.