É verdade que canjica aumenta a produção de leite materno?
Na gestação e no pós-parto é fundamental que a mulher se alimente bem para garantir a saúde do seu bebê, produzindo assim uma quantidade de leite suficiente para amamentá-lo por pelo menos seis meses. É por isso que familiares e amigos sugerem o consumo de alguns alimentos, como a canjica, que teria a capacidade de elevar a produção do leite materno.
Mas será que esse prato realmente aumenta a quantidade de leite na mulher?
De acordo com Helena Hachul, médica ginecologista e endocrinologista, não passa de crendice. "Não há comprovação científica por meio de estudos que comprovem a eficácia. É um mito popular, baseado no fato de que milho da canjica —o amido—, forneça calorias e, com isso, aumente o leite", informa.
"Essa crença vem dos antepassados, que consideravam a canjica um alimento 'gordo' para ajudar na dieta das mamães lactantes", acrescenta Durval Ribas Filho, nutrólogo e endocrinologista.
A lactação é um período que demanda muita energia para a produção de leite. Isso pode ser observado pelo apetite mais elevado da mulher e, também, pela observação de outros animais mamíferos, que agem da mesma forma.
"Então, tradicionalmente, comidas mais calóricas são recomendadas para suprir as necessidades energéticas desse período", explica a nutricionista Fabiana Nalon. "Assim, tradicionalmente, as comidas à base de milho ficaram com a fama de serem boas para aumentar a produção de leite. No entanto, não há um nutriente específico no milho ou na canjica que justifique essa tradição. Aliás, é preciso ter cuidado com as canjicas 'festivas' elaboradas com muito açúcar ou leite condensado, pois o excesso de açúcar passa para o leite materno, podendo intensificar as cólicas do bebê", adverte.
Na verdade, não existe um alimento específico que aumente a produção de leite materno, mas é de extrema importância que a mulher tenha uma dieta saudável e equilibrada, com proteínas, carboidratos, legumes, frutas e grãos, além de consumir pelo menos três litros de água. "Não deve esperar ter sede. Amamentar gasta muita energia, por isso a mulher deve estar bem hidratada, alimentada e descansada", complementa Hachul.
Como surgiu o mito?
O aleitamento materno é uma questão biológica, histórica, social e psicológica, e sua prática sofre influência da cultura, da crença e dos tabus. De forma que o significado do aleitamento materno para a mulher é consequência da herança sociocultural, que determinará se ela vai amamentar ou não seu bebê e qual alimento consumir no período de gestação e do pós-parto.
A crença de que alguns alimentos devem ser consumidos pela parturiente para aumentar a produção de leite, os chamados lactogogos, como leite, canjica e arroz doce, fazem parte da tradição popular há muitos e muitos anos, mas não se sabe ao certo quando começou.
Um estudo aponta que o leite é o primeiro na preferência da mulher para consumo e favorecimento da produção de leite em quantidade e qualidade adequadas. Em seguida vem a canjica e em terceiro o arroz doce.
Estes alimentos teriam semelhanças, como o leite de vaca em sua composição e a cor branca, que influenciaria no aspecto do leite materno. É a crença de que leite "faz leite".
O consumo de leite no Brasil deriva da influência portuguesa. A população indígena desconhecia os animais produtores de leite, por isso não consumia. Já o milho era conhecido, mas não como seu alimento base. Então não havia pratos com os dois.
Foram os portugueses que introduziram o leite no Brasil e o preparo de doces com a sua utilização. Na região Nordeste ensinaram a preparar arroz doce, e com o milho, bolos, canjica e pudins.
Nutrientes da canjica
A canjica, também chamada de mungunzá, é uma preparação culinária feita com milho branco cozido com leite (de vaca ou de coco) e açúcar. O uso de especiarias como canela e cravo é bastante comum e algumas variações no modo de preparo são populares, como a adição de coco ralado ou amendoim. O prato é uma adaptação do arroz doce, preparado mais especificamente na festa de São João.
"A origem histórica da canjica não tem uma explicação definitiva, pois o milho, sendo um alimento típico da América do Sul, já era consumido pelos povos indígenas antes da chegada do europeu. No entanto, o uso do leite de vaca e a adição de especiarias são heranças dos colonizadores portugueses. A presença dos povos africanos no Brasil ajudou a popularizar essa receita, já que vários países africanos possuem costumes culinários inspirados nessa papa feita com milho cozido, que é usada inclusive em práticas religiosas de matrizes africanas. Independente de sua origem, é uma preparação culinária muito popular no Brasil e típica dos festejos juninos", explica Nalon.
Como um dos pratos que compõe o rol de receitas brasileiras que surgiram do encontro de culturas de lusofonia, a canjica possui vários nutrientes. "Tem grande quantidade de fibras e é rica em ferro, magnésio, fósforo, zinco, vitaminas B1, B2, B3, B5 e B6, além de ácido fólico. Esse alimento oferece benefícios, como bom funcionamento do sistema digestivo, prolonga a sensação de saciedade, controla as taxas de açúcar no sangue, evita a absorção de colesterol, entre outros", aponta Ribas.
De acordo com Nalon, o milho da canjica possui carboidratos e proteínas, sendo uma excelente fonte de energia. Além disso é fonte de fibras, vitaminas e minerais. "E a composição nutricional da canjica varia muito, conforme os demais ingredientes usados na receita (açúcar, leite, coco, amendoim)", afirma.
Produção de leite
Se não há alimentos específicos para aumentar a produção de leite materno, é preciso atentar para alguns fatores que podem prejudicar uma amamentação de qualidade e quantidade suficientes. Entre eles estão o estresse, dificuldades no aleitamento materno, "pega" incorreta, cirurgias mamárias prévias e uso de mamadeira. São inconvenientes que devem ser administrados.
Por outro lado, a própria amamentação estimula a produção de leite materno, assim, quanto mais a mãe amamentar seu bebê, mais leite produzirá. Como já foi comentado, ingerir água é fundamental, pois é necessário que a mãe reponha o líquido perdido durante a amamentação para produzir mais leite.
Massagear a região das mamas e compressas de água morna são práticas que favorecem a vasodilatação e, consequentemente, a produção de leite.
Conforme Hachul, além da hidratação e da alimentação, os cuidados com os mamilos também são importantes: "Tomar sol por 10 a 15 minutos por dia fortalece o mamilo, prevenindo rachaduras. Se houver fissuras, elas devem ser tratadas, para não interromper o processo de amamentação, que é recomendado pelo menos até seis meses", orienta.
A amamentação deve ser um momento tranquilo, com "pega" do mamilo adequada, sem pressa, com serenidade.
"Descansar sempre que possível, especialmente quando o bebê dorme e lembrar-se de que quanto mais o bebê mama, maior é o estímulo para a produção de leite", recomenda Hachul, lembrando que durante o sono (da mulher) ocorre a produção de prolactina, o hormônio 'do leite'.
"Assim, é fundamental dormir. Se a mulher tiver ajuda nas trocas e em outros cuidados com o bebê, 'sobra' mais tempo para dormir e então produzir a prolactina", garante a médica.
Fontes: Durval Ribas Filho, endocrinologista e médico nutrólogo, presidente da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia); Fabiana Nalon, mestre em nutrição humana e membro da diretoria científica da Ande (Associação de Nutrição do Distrito Federal)/Asbran (Associação Brasileira de Nutrição); Helena Hachul de Campos, livre-docente e chefe do Setor de Sono na Mulher da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), pesquisadora do Instituto do Sono, professora da Ficsae (Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein), médica preceptora da ginecologia endocrinológica do Hospital Santa Marcelina (SP).
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