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Resposta imune à CoronaVac é menos intensa em homens acima de 55 anos

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Imagem: iStock

Júlio Bernardes e Luiza Caires

Do Jornal da USP

25/08/2021 11h36

A resposta ao vírus da covid-19 em pessoas que tomaram as duas doses da vacina CoronaVac é bem menos intensa na maior parte dos homens com mais de 55 anos de idade, apontam resultados preliminares de pesquisa coordenada pela Faculdade de Medicina da USP.

A partir da análise de amostras de sangue, o estudo indicou que apenas um terço dos homens acima de 55 anos tem uma resposta forte de anticorpos, ou das células contra o vírus, e essa resposta já diminuída se acentua a partir dos 80 anos.

No artigo que expõe os resultados, os autores da pesquisa recomendam que seja feita a aplicação de uma terceira dose de vacina, primeiro em maiores de 80 anos, e, quando possível, em pessoas acima de 60 anos. As conclusões do trabalho estão em pre-print (versão prévia de artigo científico) publicado no site MedRXiv em 23 de agosto.

"O estudo foi feito a partir da coleta de sangue de 70 pessoas que eram convalescentes, ou seja, que já tinham tido a doença e 100 pessoas que foram vacinadas com duas doses da CoronaVac, com intervalo mínimo de quatro semanas para ser feita a coleta", explica o professor Jorge Kalil, da FMUSP, um dos autores do trabalho.

Foram três os parâmetros verificados: "A resposta de anticorpos contra o sars-cov-2, mais especificamente a três tipos de proteínas do coronavírus, responsáveis por sua estrutura e adesão às células; os anticorpos neutralizantes, ou seja, aqueles que de fato inativam o vírus; e a resposta celular, que acontece através de uma proliferação de células de defesa, os linfócitos, numa cultura de células do sangue, depois de estímulo com fragmentos do vírus, os chamados peptídeos das proteínas virais".

Durante o estudo, as pessoas analisadas foram separadas por faixas etárias e por sexo.

"Quando foi feita a estratificação das amostras por idade e a sua correlação com as medidas imunológicas, foi possível estabelecer um limiar aos 55 anos entre os homens, quando a resposta ao vírus, seja dos anticorpos ou das células, é muito mais fraca em relação aos outros grupos testados", relata o professor Edécio Cunha Neto, da FMUSP, um dos autores do trabalho.

"Por exemplo, foi medida a produção de duas proteínas essenciais para o funcionamento das células T, que fazem a defesa do organismo, a interleucina-2 e o interferon-gama. Nos homens com mais de 55 anos, não houve diferença no interferon-gama, mas sim na interleucina-2, o que aponta para uma possível dificuldade na produção de células T de memória, que garantem a resposta imune contra o vírus muito tempo após a vacinação."

Vacina contra o coronavírus - Getty Images/iStock - Getty Images/iStock
Vacina contra o coronavírus
Imagem: Getty Images/iStock

Resposta diminuída

De acordo com o professor Jorge Kalil, apenas um terço dos homens acima de 55 anos tem respostas de anticorpos e das células claramente fortes contra o coronavírus, parte apresenta apenas uma delas e os demais não têm nenhuma.

"A resposta diminuída para a vacina se acentua a partir de 80 anos. Isso demonstra bem que o regime vacinal que foi utilizado não é suficiente para dar uma razoável cobertura contra doença grave e contra morte", aponta.

"Isso já foi verificado na prática quando se viu a efetividade da vacina no campo e se viu que as pessoas idosas continuam tendo mais a doença, apesar de estarem imunizadas com a CoronaVac."

Segundo o professor da FMUSP, em termos de políticas públicas, os resultados do estudo reforçam as recomendações da Comissão Técnica de Assessoramento a Imunizações (Cetai), que assessora o PNI (Programa Nacional de Imunizações) do Ministério da Saúde.

"A Comissão aconselhou ao Ministério que aplique a terceira dose de vacinas para quem tomou duas doses de CoronaVac e tem mais de 80 anos, e vacinar as pessoas com mais de 60 anos com a terceira dose quando possível", ressalta. "Muito provavelmente será aplicada uma vacina heteróloga, ou seja, uma outra vacina que não a Coronavac, preferencialmente ou AstraZeneca ou Pfizer."

"Existe atualmente em andamento um estudo no Brasil, patrocinado pelo Ministério da Saúde, que está vendo o quanto é eficaz imunizar com uma segunda dose pessoas que receberam duas doses de Coronavac", relata Kalil.

"A segunda dose pode ser da própria Coronavac, da AstraZeneca, da Pfizer ou da Janssen, e o que vai ser avaliado é a quantidade de anticorpos neutralizantes que será obtida depois dessa terceira dose. Esse estudo encontra-se em andamento e espera-se que em um mês já tenhamos esses resultados, o que é muito importante para a definição de qual vacina será usada na terceira dose."

"As vacinas de vírus inativados, como a Coronavac, apresentam poucos efeitos colaterais, no entanto, a sua imunogenicidade é menor", explica o professor Cunha Neto.

"Sabe-se que esse tipo de vacina estimula pouco o sistema imunológico, sobretudo o dos idosos. Esse mesmo fenômeno não foi observado nos estudos feitos com a vacina da AstraZeneca, da Pfizer e da Moderna, que mostraram que essas vacinas induzem uma resposta forte, mesmo nos idosos", conclui o professor Kalil.

A pesquisa foi coordenada pela FMUSP e parte das análises aconteceram no InCor (Instituto do Coração) do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP. Os estudos também tiveram a colaboração do ICB (Instituto de Ciências Biomédicas) da USP e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Em perspectiva

Para o infectologista e pesquisador da Fiocruz André Siqueira, este foi um estudo muito bem conduzido, de um grupo forte de pesquisadores, que mostra de uma forma robusta, com diferentes técnicas, que a resposta imune de indivíduos de idade avançada à vacina é menor que a de indivíduos mais jovens, e menor também, comparativamente, que a de quem teve a doença.

"São resultados dentro do esperado, mas mostrados de uma forma metodologicamente adequada", diz o médico, que não participou do estudo, mas aceitou comentá-lo para o Jornal da USP.

Em relação a se tirar conclusões mais generalizantes dos resultados, ele aponta algumas limitações. "Primeiro, é que ainda não está bem definido o correlato de proteção, ou seja, que níveis de anticorpos e que níveis de resposta imune celular são necessários para promover a proteção contra diferentes desfechos, desde a infecção até a hospitalização e morte. Então, não vejo como se possa generalizar isso como os autores sugerem", diz Siqueira.

Ele considera que os dados do estudo não são, sozinhos, o suficiente para se indicar a necessidade de uma terceira dose. Para isso, diz serem necessários estudos clínicos, como o que foi citado por Jorge Kalil que está em andamento.

"Só assim podemos avaliar qual o ganho que se tem com uma terceira dose da mesma vacina ou de outra. Sem isso, ficamos com a suposição, que parece óbvia, de que quanto mais doses, mais proteção - mas isso não é tão matemático assim", afirma Siqueira.

O infectologista faz ainda uma ressalva de que só se pode falar de uma nova dose tendo em perspectiva a quantidade de doses disponíveis para a população como um todo e como está o nível de transmissão.

"Quanto maior o nível de transmissão, maior o risco de infecção. Acho que precisamos analisar outros dados para afirmar que o melhor é revacinar estes indivíduos de idade mais avançada do que priorizar uma cobertura completa da população, que vai levar a uma redução da transmissão."

Vacina e risco

Sobre a chegada da variante Delta, André Siqueira diz que as vacinas, de uma forma geral, têm mostrado uma efetividade relativamente menor, com uma dose só, e com duas doses ainda apresentam uma boa resposta.

"Mas sem dúvida isso deixa mais claro que não podemos contar somente com as vacinas como método de controle da pandemia. Se a gente deixa o vírus correr livremente na comunidade, isso vai levar a um alto número de casos, principalmente entre os idosos. Alguns destes indivíduos, mesmo que a gente aplique diversas vacinas, diferentes ou não, vão continuar sem ter a resposta adequada. Então reduzir a transmissão com outras medidas é essencial."

De fato, o relaxamento de restrições e a discussão sobre doses de reforço acontecem em diversos países, e podem dar à população a percepção de que as vacinas sejam agora a única frente de ação para conter a pandemia.

Mas isso não é verdade, de acordo com Lorena Barberia, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

"A experiência de vários países, como é o caso de Israel, que avançaram na vacinação de forma muito mais rápida e com maior cobertura vacinal, tem reforçado que as vacinas funcionam como parte de um pacote de medidas para o controle da pandemia e não como um substituto", diz ela, que é uma das coordenadoras de rede que pesquisa respostas à pandemia e suas consequências sociais.

"Ou seja, as vacinas continuam a ser a melhor maneira de os indivíduos se protegerem, mas as sociedades não podem tratá-las como sua única defesa", enfatiza. E também endossa que as pessoas precisam ter uma visão mais completa sobre risco.

"Temos procurado alertar usando comparações que o público pode entender melhor. Por exemplo: a vacina é um colete à prova de balas. Você pode usar o colete, mas ao sair de casa no contexto que vivemos ao longo de 2021, com número de casos elevado, baixa testagem e flexibilização das medidas de distanciamento físico, há alto risco de se infectar estando na rua."