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Covid: homeopatia é a favor da vacinação, mas relatos mostram o contrário

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Leandro Vieira

Colaboração para VivaBem

13/09/2021 04h00

Oficialmente, a homeopatia no Brasil é a favor da vacinação contra a covid-19, mas isso nem sempre se traduz na prática. Embora a AMHB (Associação Médica Homeopática Brasileira), principal órgão que rege a área no país, defenda o uso da vacina —assim como boa parte dos profissionais do ramo—, relatos colhidos pela reportagem de VivaBem e homeopatas ouvidos apontam para uma falta de consenso na área e até para a ação de médicos que desencorajam a vacinação de seus pacientes.

Nas redes sociais, pululam histórias sobre familiares ou amigos que foram convencidos por homeopatas a não tomar a vacina. A bióloga Marcelle Bénac, 23, de Sergipe, diz que a mãe, que é idosa e faz acompanhamento com um médico homeopata, chegou a desistir de se vacinar após uma consulta.

"Para ela, é Deus no céu e esse homem na Terra. E ele falou que minha mãe não precisava tomar vacina, que bastava o medicamento homeopático para impedir os sintomas", afirma Marcelle, que chegou a pensar em fazer uma denúncia contra o homeopata. Com a ajuda das irmãs, porém, ela acabou por convencer a mãe a se vacinar.

É importante lembrar que até o momento não há comprovação científica de que um medicamento homeopático (ou alopático) seja capaz de impedir os sintomas da covid-19 . A vacinação é a melhor forma de reduzir o risco de a doença se agravar ao contrair o coronavírus.

'Vacina natural'

A professora de matemática Lucile da Rosa, 28, de Porto Alegre, narra a história da avó de 77 anos, que recebeu da médica homeopata de confiança a receita de uma "vacina natural" (que obviamente não existe) para tomar no lugar da oficial. "A coisa foi tão feia que briguei com uma tia, que também se consulta com essa médica, e fiquei por mais de dois meses sem falar com ela ou com minha avó."

Já no caso da mineira Helena Ansani, 40, mestranda em divulgação científica e cultural pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o homeopata era amigo da família e disseminou comentários contra a vacina em um grupo de WhatsApp.

Alguns dos membros, segundo ela, fazem uso de medicamentos sem comprovação científica contra a covid-19. "Todo filme de desastre começa com um cientista sendo ignorado, e é exatamente isso que está acontecendo."

Para Renato Kfouri, diretor da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), profissionais de saúde que desencorajam ou colocam em dúvida o uso de vacinas prestam um desserviço à saúde pública e propagam o negacionismo contra a ciência.

Ele afirma, no entanto, que a prática não está restrita à homeopatia. "Homeopatas sérios defendem a vacina", afirma Kfouri. "Profissionais de saúde contrários à vacinação infelizmente existem em todos os lugares, incluindo médicos de outras especialidades, enfermeiros e fisioterapeutas."

Ceticismo com vacinas

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O homeopata Voltaire Froes, de Porto Alegre, é um dos céticos quanto aos resultados da vacinação. "Estou perplexo como conseguiram movimentar a comunidade mundial em cima de uma vacina que não produz imunidade. A própria CoronaVac, que está sendo aplicada em São Paulo, tem menos de 48% de eficácia."

A eficácia de qualquer vacina, na verdade, varia de acordo com fatores como a origem dos estudos, a gravidade dos sintomas e a faixa etária de aplicação. A CoronaVac é eficaz, sim, no que se propõe, evitar casos graves e mortes por covid-19.

Segundo Froes, em seu consultório, o paciente é quem manda. "Se chegar e falar: 'Não vou tomar a vacina, quero fazer o que tu está recomendando, então tudo bem, a gente faz'. Se a pessoa estiver na dúvida, no entanto, qualquer escolha me satisfaz", declara.

Como fatores de risco para desestimular a vacinação, o homeopata evoca contraindicações e a possibilidade de choque anafilático provocado por vacinas. No entanto, a condição até o momento é bastante rara entre os vacinados. Um relatório de janeiro do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) registrava 5 casos por milhão de vacinados com a Pfizer e 2,5 com a Moderna nos Estados Unidos.

"No que se passa dentro do consultório entre paciente e médico, nem Deus se mete. Agora, se o médico disser para não fazer tal coisa porque vai dar problema, você ainda tem o direito de fazer do seu jeito. Mas a minha recomendação continua sendo essa", diz Froes.

A homeopatia costuma tratar caso a caso, na ocorrência de uma doença que atinge uma parte considerável da população, como a covid-19, o próprio vírus é visto como o paciente, é o que explica Luiz Darcy Gonçalves, presidente da AMHB.

Ele faz questão de reforçar que o tratamento homeopático é complementar ao da medicina tradicional e só trata os sintomas, mas não cura a doença —e de forma alguma pode ser visto como substituto para a vacina, afirma.

Apoiamos a vacinação, que é o único meio realmente eficaz que temos de parar a pandemia Luiz Darcy Gonçalves, presidente da AMHB

Disse me disse

O homeopata Vagner Barnabé, por outro lado, acredita que a medicina tradicional e a homeopatia não devem ser complementares e afirma ser contra pessoas que já fazem uso da homeopatia também se vacinarem —embora não veja risco à saúde.

"Não devem, mas não são formalmente excludentes." Para ele, essa complementaridade só valeria no caso de quem já se vacinou e quer usar a homeopatia para se proteger das reações causadas pelo imunizante. "Na verdade, medicina complementar é a alopatia [como é conhecida no meio homeopático a medicina tradicional]. A oficial, a grande medicina é a homeopatia", acredita.

Para a homeopata Rosmeire Paixão, a maneira de se imunizar deve ser uma decisão exclusiva de cada um. "Em nenhum momento vou dizer que não é para tomar ou que se deve substituir a vacina. A homeopatia é só uma opção para quem busca se tratar de uma outra forma", afirma. De forma geral, para seus pacientes ela só não recomenda mesmo a ivermectina, que "não tem nada a ver com tratamento da covid".

Mas homeopatia funciona?

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Imagem: Hidden/Sxc

De acordo com Luiz Carlos Dias, professor de química da Unicamp, nunca houve um estudo científico de "padrão ouro" que provasse a eficácia da homeopatia. Esse padrão designa o rigor do tipo de pesquisa, que inclui uma divisão aleatória de pacientes em grupos e a presença obrigatória de um grupo controle, que recebe placebo no lugar do medicamento estudado.

Dias critica os tratamentos oferecidos pela homeopatia, que se baseiam em um princípio de alta diluição. "Segundo o criador do conceito da homeopatia, o poder de cura é potencializado quando a substância é diluída. Uma coisa que vai contra as leis da química, da física e contra o bom senso."

Os preparados da homeopatia em geral não chegam a ter efeitos colaterais devido à sua elevada diluição, diz o químico —o que evitaria problemas com produtos homeopáticos ofertados para o tratamento da covid, que são feitos de secreções de pessoas contaminadas.

No entanto, ele diz que podem ocorrer erros, como um grau menor de diluição, com potencial para afetar a saúde dos pacientes. "O principal problema não é nem o produto em si, mas o efeito de falsa segurança, que pode fazer as pessoas relaxarem o distanciamento físico, o uso de máscara e a higiene", alerta.

O homeopata Walter Canôas, membro da Escola de Homeopatia de São Paulo, defende a homeopatia e diz existir um preconceito infundado contra ela na comunidade médica e científica. "Muita gente que trabalha com pesquisa tem um preconceito tremendo com homeopatia, mas muitos dentro desse meio colaboraram com essa palhaçada da cloroquina."

Semelhante atrai semelhante

A homeopatia atua a partir do princípio da semelhança, em que semelhante atrai —e cura— semelhante. Desenvolvida por Samuel Hahnemann (1755-1843), criador do conceito, a lei dos semelhantes prega que uma substância que gera uma doença tem em si a capacidade de curar esses mesmos sintomas. A base seria o contrário da alopatia, que buscaria a cura em medicamentos que agem de forma contrária aos sintomas.

Na homeopatia, o tratamento também leva em conta todo o conjunto de sintomas de um determinado indivíduo, para só então selecionar quais os medicamentos mais adequados para ele. Embora sua eficácia seja um tema questionado por uma parcela dos médicos e pesquisadores, a homeopatia é reconhecida pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) desde 1980 e começou a ser oferecida como alternativa de tratamento pelo SUS (Sistema Único de Saúde) a partir de 2006.

Procuradas pela reportagem, farmácias de homeopatia ofereceram principalmente opções para aumentar a imunidade contra a covid-19. A Boiron, do bairro Jardim Paulista, em São Paulo, sugeriu a compra de um remédio para o tratamento da gripe produzido a partir de extratos diluídos de coração e fígado de pato. Já a Néctar, da Vila Mariana, na zona sul da capital paulista, indicou tintura de própolis e geleia real como aliados da imunidade.

Canôas diz ter participado de um estudo que durou três meses e monitorou a resposta à homeopatia em cerca de 1.700 trabalhadores de uma empresa, tanto para prevenção quanto para tratamento de infectados. Segundo ele, a taxa de sucesso foi alta, acima de 90%. No entanto, até o momento não há nenhum trabalho científico padrão ouro que mostre que o uso desses produtos reduza o risco de contrair a covid-19 ou seja eficaz para tratar a doença.

Vale ressaltar que médicos, cientistas e estudiosos concordam que só com a vacinação será possível controlar a pandemia e alcançar uma diminuição de casos graves, internações e mortes, desafogando os sistemas de saúde de todo o país para aí a vida começar a voltar ao normal.

Agora precisamos evitar que o vírus circule. No futuro, com mais vacinas, aí sim poderemos pensar na erradicação da doença.