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Com problema no coração, ela passou por procedimento no 1° mês de vida

Martina Lua em antes e depois de realizar procedimento para corrigir problema no coração - Arquivo pessoal
Martina Lua em antes e depois de realizar procedimento para corrigir problema no coração Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Vidal

Do VivaBem, em São Paulo

26/09/2021 04h00

A fisioterapeuta Roberta Miranda, 34, foi "mãe de UTI" (Unidade de Terapia Intensiva) duas vezes. A primeira ocorreu quando o filho Joaquim nasceu com uma má formação na medula e precisou passar por uma cirurgia aos três meses. E a segunda foi logo após dar à luz gêmeas prematuras.

No início da gestação de Martina Lua e Joana Flor, a médica de Roberta verificou uma alteração nas imagens e explicou que, por causa disso, elas poderiam nascer com algum tipo de síndrome ou má formação, mas o próximo exame, depois de 2 semanas, é que iria definir isso.

"Fiquei chateada nesta situação e me vi de joelhos pedindo que as bebês ficassem a salvo. Não queria fazer essa escolha de continuar ou não com a gestação. Foram as piores duas semanas da minha vida até então", lembra Roberta.

Passado o período de espera, ela recebeu a notícia de que as gêmeas estavam bem. Neste momento, resolveu voltar para a cidade dos pais, em Alegrete (RS), onde teria sua rede de apoio. Mas com 35 semanas de gestação, no dia 8 de novembro de 2020, as bebês nasceram prematuras.

Joana e Martina pesavam menos de 1 kg cada e passaram 14 dias internadas na UTI para ganhar peso. "Fui de novo 'mãe de UTI'. Cada dia parece uma eternidade", conta. As gêmeas, então, ficaram saudáveis o suficiente para receber alta.

As gêmeas Martina e Joana - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
As gêmeas Martina e Joana nasceram prematuras
Imagem: Arquivo pessoal

Mas depois de 5 dias em casa, Martina começou a apresentar sinais de que algo não estava bem. "Ela ficava ofegante e não conseguia pegar [para mamar]. Parecia que não conseguia mamar e respirar ao mesmo tempo", explica a mãe.

Após uma consulta, a pediatra imediatamente indicou que Roberta levasse a filha para o hospital, com o objetivo já de interná-la. O problema é que em Alegrete, o local não tinha recurso suficiente para realizar o ecocardiograma, exame que mostra como está o coração.

Com isso, mãe e filha foram encaminhadas, de ambulância, para Santa Maria (RS). No hospital, a bebê realizou os exames necessários e ficou internada. "Fiquei das 10h às 21h, no corredor, chorando, sem saber o que estava acontecendo. Enquanto isso, tinha outra bebê recém-nascida com o pai", conta.

O diagnóstico de Martina

Por fim, ela foi diagnosticada com PCA (Persistência do Canal Arterial), uma condição congênita na qual permanece a abertura entre dois vasos sanguíneos que saem do coração —segundo os médicos, um dos defeitos cardíacos congênitos mais comuns em bebês prematuros.

Martina Lua - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Martina Lua depois de procedimento: em casa e saudável
Imagem: Arquivo pessoal

No Brasil, 28.900 crianças nascem com alguma cardiopatia congênita ao ano, das quais cerca de 80% necessitam de cirurgia cardíaca, e metade delas precisa ser operada no primeiro ano de vida, de acordo com o Ministério da Saúde.

A incidência desse tipo de problema que causa alteração na anatomia do coração e de seus vasos sanguíneos —caso de Martina— é de oito a dez por 1.000 nascidos vivos, ou 1 em 100 nascimentos.

Segundo o cardiologista que acompanhou a recém-nascida, Raul Arrieta, a PCA ocorre porque esse canal costuma ficar aberto quando o bebê está dentro da barriga, ligando a aorta (maior artéria do corpo) à artéria pulmonar —que leva o sangue do coração ao pulmão. Mas se ele sai antes do tempo, o corpo não entende que ele precisa fechar.

"É uma estrutura útil na vida fetal, mas quando o bebê nasce, isso deveria fechar", explica Arrieta, que é cardiologista intervencionista em cardiopatia congênita do InCor (Instituto do Coração), do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), e também do Hospital Albert Einstein (SP).

Normalmente, esse canal fecha sozinho, porém, em alguns casos, ele permanece aberto e com grande fluxo para o pulmão, causando o problema no coração. "Aí aparecem os sintomas de cansaço, o bebê não ganha peso e tem dificuldade para respirar", diz Arrieta.

Apenas um milagre para salvar Martina

Martina Lua com os pais - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Martina com a mãe Roberta, o pai Gaudêncio e a irmã Joana
Imagem: Arquivo pessoal

Quando Roberta entendeu o caso, ela pode, enfim, ver a bebê que estava internada. Ficou assustada quando viu a filha com diversos eletrodos pelo corpo. "Ela estava irreconhecível", lembra. "Me disseram que eram os efeitos dos medicamentos que ela precisava."

A equipe médica tentou realizar o fechamento deste canal com remédios, mas não deram o resultado esperado. A segunda tentativa seria com cirurgia de peito aberto, o que deixou Roberta preocupada. Então, ela pesquisou e viu que, em Porto Alegre (RS), um cardiologista estava utilizando um procedimento não invasivo para corrigir o problema.

Não pensou duas vezes. Brigou com o hospital para retirar a filha de lá e, após assinar um termo, conseguiu uma ambulância que fizesse imediatamente a transferência até o local. Roberta lembra até hoje da frase de um dos médicos que acompanhava o caso:

Ele olhou e disse: 'Depois me liga para contar sobre esse milagre'. Martina estava com menos de 2 kg e, para o médico, o fechamento precisava de um milagre para acontecer. Roberta Miranda, mãe de Martina

Vida normal após procedimento pioneiro

No hospital em Porto Alegre, eles fizeram pela primeira vez o cateterismo para "fechar" o canal arterial de uma recém-nascida com menos de 5 kg —esse procedimento já é amplamente realizado em outras situações, como em crianças mais velhas. Por coincidência, foi no mesmo dia em que Martina completou o primeiro mês de vida.

Os médicos introduziram o cateter pela perna dela até chegar ao coração. Lá, colocaram essa prótese "menor que uma ervilha" e produzida especialmente para bebês pequenos (a partir de 700 gramas), chamada de piccolo.

Martina e a irmã Joana - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Martina (de azul) e a irmã Joana
Imagem: Arquivo pessoal

"O grande avanço é que não precisamos abrir o tórax do bebê para fazer isso, usamos apenas um cateter. É menos invasivo e o paciente consegue se recuperar mais rápido também. Essa peça fica lá e o organismo vai 'absorvendo' aos poucos, fazendo com que essa abertura feche", explica o médico, que foi até Porto Alegre realizar o procedimento ao lado do cardiologista pediátrico João Manica.

Depois de aproximadamente 1 dia, Martina recebeu alta e, segundo a mãe, já tinha outra expressão. "Estava linda, perfeita. Ela vai fazer 10 meses agora e está incrível, tudo bem", diz. A revisão da prótese é feita nos primeiros meses e, depois, basta o acompanhamento com o pediatra. É vida normal para Martina Lua.

Atualmente, casos iguais ao da bebê são realizados com remédio, que tende a fechar o canal ou, então, com a cirurgia. A ideia é que, aos poucos, esse procedimento feito com cateter seja incorporado nos hospitais, principalmente para auxiliar no tratamento de crianças recém-nascidas.