Com problema no coração, ela passou por procedimento no 1° mês de vida
A fisioterapeuta Roberta Miranda, 34, foi "mãe de UTI" (Unidade de Terapia Intensiva) duas vezes. A primeira ocorreu quando o filho Joaquim nasceu com uma má formação na medula e precisou passar por uma cirurgia aos três meses. E a segunda foi logo após dar à luz gêmeas prematuras.
No início da gestação de Martina Lua e Joana Flor, a médica de Roberta verificou uma alteração nas imagens e explicou que, por causa disso, elas poderiam nascer com algum tipo de síndrome ou má formação, mas o próximo exame, depois de 2 semanas, é que iria definir isso.
"Fiquei chateada nesta situação e me vi de joelhos pedindo que as bebês ficassem a salvo. Não queria fazer essa escolha de continuar ou não com a gestação. Foram as piores duas semanas da minha vida até então", lembra Roberta.
Passado o período de espera, ela recebeu a notícia de que as gêmeas estavam bem. Neste momento, resolveu voltar para a cidade dos pais, em Alegrete (RS), onde teria sua rede de apoio. Mas com 35 semanas de gestação, no dia 8 de novembro de 2020, as bebês nasceram prematuras.
Joana e Martina pesavam menos de 1 kg cada e passaram 14 dias internadas na UTI para ganhar peso. "Fui de novo 'mãe de UTI'. Cada dia parece uma eternidade", conta. As gêmeas, então, ficaram saudáveis o suficiente para receber alta.
Mas depois de 5 dias em casa, Martina começou a apresentar sinais de que algo não estava bem. "Ela ficava ofegante e não conseguia pegar [para mamar]. Parecia que não conseguia mamar e respirar ao mesmo tempo", explica a mãe.
Após uma consulta, a pediatra imediatamente indicou que Roberta levasse a filha para o hospital, com o objetivo já de interná-la. O problema é que em Alegrete, o local não tinha recurso suficiente para realizar o ecocardiograma, exame que mostra como está o coração.
Com isso, mãe e filha foram encaminhadas, de ambulância, para Santa Maria (RS). No hospital, a bebê realizou os exames necessários e ficou internada. "Fiquei das 10h às 21h, no corredor, chorando, sem saber o que estava acontecendo. Enquanto isso, tinha outra bebê recém-nascida com o pai", conta.
O diagnóstico de Martina
Por fim, ela foi diagnosticada com PCA (Persistência do Canal Arterial), uma condição congênita na qual permanece a abertura entre dois vasos sanguíneos que saem do coração —segundo os médicos, um dos defeitos cardíacos congênitos mais comuns em bebês prematuros.
No Brasil, 28.900 crianças nascem com alguma cardiopatia congênita ao ano, das quais cerca de 80% necessitam de cirurgia cardíaca, e metade delas precisa ser operada no primeiro ano de vida, de acordo com o Ministério da Saúde.
A incidência desse tipo de problema que causa alteração na anatomia do coração e de seus vasos sanguíneos —caso de Martina— é de oito a dez por 1.000 nascidos vivos, ou 1 em 100 nascimentos.
Segundo o cardiologista que acompanhou a recém-nascida, Raul Arrieta, a PCA ocorre porque esse canal costuma ficar aberto quando o bebê está dentro da barriga, ligando a aorta (maior artéria do corpo) à artéria pulmonar —que leva o sangue do coração ao pulmão. Mas se ele sai antes do tempo, o corpo não entende que ele precisa fechar.
"É uma estrutura útil na vida fetal, mas quando o bebê nasce, isso deveria fechar", explica Arrieta, que é cardiologista intervencionista em cardiopatia congênita do InCor (Instituto do Coração), do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), e também do Hospital Albert Einstein (SP).
Normalmente, esse canal fecha sozinho, porém, em alguns casos, ele permanece aberto e com grande fluxo para o pulmão, causando o problema no coração. "Aí aparecem os sintomas de cansaço, o bebê não ganha peso e tem dificuldade para respirar", diz Arrieta.
Apenas um milagre para salvar Martina
Quando Roberta entendeu o caso, ela pode, enfim, ver a bebê que estava internada. Ficou assustada quando viu a filha com diversos eletrodos pelo corpo. "Ela estava irreconhecível", lembra. "Me disseram que eram os efeitos dos medicamentos que ela precisava."
A equipe médica tentou realizar o fechamento deste canal com remédios, mas não deram o resultado esperado. A segunda tentativa seria com cirurgia de peito aberto, o que deixou Roberta preocupada. Então, ela pesquisou e viu que, em Porto Alegre (RS), um cardiologista estava utilizando um procedimento não invasivo para corrigir o problema.
Não pensou duas vezes. Brigou com o hospital para retirar a filha de lá e, após assinar um termo, conseguiu uma ambulância que fizesse imediatamente a transferência até o local. Roberta lembra até hoje da frase de um dos médicos que acompanhava o caso:
Ele olhou e disse: 'Depois me liga para contar sobre esse milagre'. Martina estava com menos de 2 kg e, para o médico, o fechamento precisava de um milagre para acontecer. Roberta Miranda, mãe de Martina
Vida normal após procedimento pioneiro
No hospital em Porto Alegre, eles fizeram pela primeira vez o cateterismo para "fechar" o canal arterial de uma recém-nascida com menos de 5 kg —esse procedimento já é amplamente realizado em outras situações, como em crianças mais velhas. Por coincidência, foi no mesmo dia em que Martina completou o primeiro mês de vida.
Os médicos introduziram o cateter pela perna dela até chegar ao coração. Lá, colocaram essa prótese "menor que uma ervilha" e produzida especialmente para bebês pequenos (a partir de 700 gramas), chamada de piccolo.
"O grande avanço é que não precisamos abrir o tórax do bebê para fazer isso, usamos apenas um cateter. É menos invasivo e o paciente consegue se recuperar mais rápido também. Essa peça fica lá e o organismo vai 'absorvendo' aos poucos, fazendo com que essa abertura feche", explica o médico, que foi até Porto Alegre realizar o procedimento ao lado do cardiologista pediátrico João Manica.
Depois de aproximadamente 1 dia, Martina recebeu alta e, segundo a mãe, já tinha outra expressão. "Estava linda, perfeita. Ela vai fazer 10 meses agora e está incrível, tudo bem", diz. A revisão da prótese é feita nos primeiros meses e, depois, basta o acompanhamento com o pediatra. É vida normal para Martina Lua.
Atualmente, casos iguais ao da bebê são realizados com remédio, que tende a fechar o canal ou, então, com a cirurgia. A ideia é que, aos poucos, esse procedimento feito com cateter seja incorporado nos hospitais, principalmente para auxiliar no tratamento de crianças recém-nascidas.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.