Sua mãe estava errada: conversar com estranhos aumenta empatia e felicidade
Você é o tipo de pessoa que detesta quando algum desconhecido puxa papo no ônibus, no metrô ou na fila do supermercado? Fique tranquilo, é absolutamente normal que, diante de um estranho, você aja de maneira pouco receptiva. Esse comportamento, quase padrão de quem está diante de alguém que não conhece, foi nomeado pelo sociólogo canadense Erving Goffman como "desatenção civil": ainda que estejamos em um ambiente repleto de pessoas, agimos como se estivéssemos sozinhos.
Abordar um estranho e jogar conversa fora é algo que aprendemos a rejeitar desde crianças. Segundo Desirée Cassado, psicóloga formada pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e professora da The School of Life, temos medo de falar com desconhecidos pois durante toda nossa história isso foi considerado um fator de risco. "Além disso, interagir com estranhos é um desafio, pois somos, por natureza, seres sociais. Nós dependemos da aprovação do outro, mas nunca saberemos o que se passa na cabeça dele. Temos dificuldade de ler os sinais, entender os contextos", afirma.
No entanto, o temor pelo que acreditamos ser a natureza negativa das pessoas (e que muitas vezes nos leva a fugir de interações com quem não conhecemos) nos faz perder a oportunidades de fazer novos amigos, ouvir boas histórias, expandir nosso repertório e aliviar a solidão.
No livro "The power of strangers: The Benefits of Connecting in a Suspicious World" (O poder dos estranhos: os benefícios de se conectar em um mundo suspeito, em tradução livre), Joe Keohane parte em uma jornada para descobrir o que acontece quando diminuímos a distância entre nós e pessoas que não conhecemos. O autor conta que, embora estejamos programados para às vezes temer, desconfiar e até odiar estranhos, as pessoas e sociedades que aprenderam a se conectar com estranhos se beneficiam imensamente.
Com base em estudos científicos, ele mostra que nossos medos relativos a essas interações —medo de incomodar, de parecer estranho, ou de ser rejeitado — muitas vezes não se confirmam quando tomamos a iniciativa de puxar papo com alguém.
Keohane descobre também que mesmo interações passageiras —com o atendente do café e o colega de trabalho do outro departamento que você encontra no elevador, por exemplo — podem aumentar a empatia, a felicidade e o desenvolvimento cognitivo, diminuir a sensação de vazio e o isolamento e nos enraizar no mundo, aprofundando nosso senso de pertencimento.
Como começar uma conversa
A escritora Kio Stark, autora do livro "When Strangers Meet" (Quando estranhos se encontram, em tradução livre), ama conversar com desconhecidos e é quase uma militante do assunto.
"Sou obcecada por falar com estranhos. Eu olho nos olhos, digo oi, ofereço ajuda, escuto. Ouço todo tipo de história. Há alguns anos, comecei a documentar minhas experiências para descobrir o porquê. Descobri que havia algo muito lindo acontecendo. Quase poético. Essas experiências eram muito profundas. Eram prazeres inesperados, conexões emocionais genuínas, momentos libertadores. Quando conversamos com estranhos, fazemos interrupções lindas na narrativa prevista das nossas rotinas diárias e das deles", diz em sua palestra para o TED Talks.
Uma de suas sugestões para quem busca falar com estranhos é cumprimentar todas as pessoas que encontra na rua, como se fosse um exercício antes de tentar diálogos mais longos.
De acordo com André Mandarino, coordenador do curso de psicologia da Uninassau Aracaju, é preciso se expor gradativamente à experiência de interagir casualmente com estranhos. "O início pode ser com os cumprimentos da etiqueta social (bom dia, tudo bem, como vai, até logo). Quando a pessoa se sentir menos introvertida e mais segura, pode passar dos cumprimentos para uma conversa rápida e assim ir se expondo em situações gradativamente mais complexas. É importante aproveitar as oportunidades de interação quando parte da iniciativa da outra pessoa, daí é só embarcar na conversa", sugere.
A seguir, especialistas dão algumas dicas que podem ajudar a iniciar uma conversa:
1. Aproveite situações em que você e a outra pessoa estão livres de outras ocupações e vivenciando situações em comum, como uma sala de espera, fila de supermercado, no intervalo de um curso...
Desirée Cassado, da The School of Life, recomenda pequenos desafios diários: dar bom dia, pedir informação rua, perguntar o horário.
"Procure iniciar a conversa com assuntos neutros ou amenos, como comentar algo que está acontecendo no momento, sem fazer avaliações polêmicas ou julgamentos", aconselha Mandarino. Ele também destaca que interagir amistosamente a partir da presença de animais de estimação ou de crianças pode ser uma boa oportunidade para treinar o início de conversas casuais com estranhos.
2. Demonstre interesse genuíno e saiba ouvir
"Ao demonstrar interesse verdadeiro pelo outro, amplia-se a possibilidade de criar conexões e vínculos reais, mesmo em conversas casuais", ressalta Matheus de Souza Santana, psicólogo do Conselho Regional de Psicologia da Bahia.
3. Observe a linguagem corporal
De acordo com Santana, é importante ficar atento a sinais que podem sinalizar que não existe recíproca na tentativa de socialização, como o tom da voz e entonação da fala, se existe empolgação e/ou interesse expresso, se a pessoa questiona o que você fala ou se concorda com tudo sem possibilitar ampliação do diálogo. Atente-se sempre a respeitar o espaço do outro.
"Quando alguém se afasta com uma leitura ou utilizando celular, provavelmente não está disponível para interação, assim como alguém que está com a expressão tensa, braços cruzados e olhar distante. Deve-se observar também a qualidade da resposta que recebemos ao tentar interagir: uma resposta seca e fria é sinal de que devemos parar por ali", completa André Mandarino.
4. Aprenda a falar de você mesmo
Segundo Yuri Busin, psicólogo e doutor em neurociência do comportamento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, quando temos dificuldade de conseguir conversar com as pessoas, geralmente também sentimos receio de falar sobre nós mesmos, como se tivéssemos um medo de nos revelar para os outros. Porém, é possível falar de nossas vidas sem realmente dar informações importantes ou nos expormos demais.
"Além disso, falar sobre você mesmo ou situações que vivenciou acaba despertando o interesse, criando um vínculo, fazendo com que o outro se sinta à vontade para falar sobre si também", afirma.
5. Se não sabe o que falar, faça perguntas
Para Busin, se soubermos fazer as perguntas corretas, nós nunca ficaremos sem assunto, já que sempre existe um assunto que as pessoas gostam de falar. "Por isso, se você descobrir qual é o assunto da pessoa, basta fazer algumas perguntas e deixar que ela fale. Assim, você conduz a conversa com as perguntas, e ela com as repostas", diz.
Caso realmente não se sinta à vontade e nem saiba o que falar, André Mandarino aconselha demonstrar atitude e postura corporal amistosa, através de expressão relaxada, um leve sorriso e rápido contato visual. "Assim será mais fácil que a outra pessoa tome a iniciativa de conversar", diz.
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