Siso, apêndice, dedo 'mindinho'; o corpo humano tem mesmo partes inúteis?
Tudo o que nasceu com você, sendo natural, inerente à fisiologia e anatomia humanas, tem uma serventia. O que pode acontecer, porém, é que com a evolução, o desenvolvimento, o envelhecimento, ou por causa de doenças, algumas partes podem perder funcionalidade ou propiciar mais prejuízos do que benefícios à saúde, e aí deixam de ser tão importantes assim.
Também há órgãos, estruturas corpóreas e membros que, embora muito úteis até o fim da vida, não são vitais, você não morre sem eles. Isso não significa, no entanto, que por puro capricho pode se livrar do que quiser e terá consentimento médico. Nada disso. Para algo sair ou ser modificado em você com aval de profissionais de saúde sérios é preciso bons motivos.
A começar pela cabeça...
Adultos têm —ou deveriam ter— 32 dentes. Todos são funcionais. Cortam, rasgam, trituram. No passado, quando os tratamentos dentários eram menos acessíveis e avançados que hoje, o comum é que por qualquer probleminha, ou "praticidade", se extraísse cinco, dez, todos eles. Resultado: comprometimentos na mordida, mandíbula, digestão, postura e até emocionais.
Bom, mas e quanto aos sisos, os últimos molares superiores e inferiores, em ambos os lados e que surgem ao final da adolescência? São dispensáveis? Em 2020, um estudo publicado no Journal of Anatomy sugeriu que cada vez mais os humanos estão nascendo sem esses dentes.
"Quando eles conseguem 'nascer' sem nenhum problema e se encaixam de maneira perfeita ao morder, permitindo a higienização adequada, não existe indicação para extraí-los", explica Guilherme Lopes, cirurgião-dentista e especialista em ortodontia da Clínica Ita, em Salvador.
"Mas o que acontece de forma muito comum é eles estarem fora da função. Nesses casos, para prevenir cáries, danos aos dentes vizinhos, inflamações, cistos, é indicada sua extração."
Também na berlinda estão as amígdalas. Se por um lado produzem anticorpos e nos defendem contra vírus e bactérias que entram pelo nariz e a boca, por outro podem estar envolvidas em problemas de apneia, infecções graves e tumores.
"Por isso, nas crianças, aguardamos um pouco mais para operar, mas em alguns casos realizamos a cirurgia abaixo dos dois anos e em adultos também", informa Cícero Matsuyama, otorrinolaringologista do Hospital Cema, em São Paulo.
Descendo mais, encontra-se a proeminência laríngea, ou simplesmente pomo-de-adão, que não tem função hormonal, apesar de surgir em decorrência do aumento da testosterona, e cujas funções são proteger as cordas vocais contra traumas e aumentar o timbre da fala.
Por conferir aparência e voz masculinizadas, algumas mulheres cisgênero como trans decidem partir para a cirurgia estética, indicada havendo prejuízo da autoestima e risco de depressão.
Vesícula, apêndice e outros órgãos
No abdome, temos os sistemas digestório, urinário e reprodutor. A vesícula biliar, que integra o primeiro, é responsável por armazenar a bile, uma secreção escura produzida pelo fígado e liberada quando há alimento gorduroso para ser digerido. Sua remoção cirúrgica é indicada quando diagnosticada a presença de pedras nela, bem como inflamação, infecção e câncer.
"Assim como o apêndice, localizado no lado direito, no final do intestino delgado, podemos viver muito bem sem ela. O fígado continua a produzir a bile, que será lançada diretamente no intestino. Portanto, não são órgãos vitais. Parte do intestino também pode ser retirada, em caso de tumor, e não vai fazer falta", explica Vanessa Prado, cirurgiã do aparelho digestivo do Hospital Nove de Julho, em São Paulo.
Ela complementa que no caso do apêndice, ele costuma inflamar com muita frequência entre os 15 e 30 anos, sendo mais comum no sexo masculino.
É considerado uma estrutura que perdeu sua relevância à medida que a espécie humana evoluiu. Porém, algumas teorias científicas já tentaram justificar seu papel ainda hoje. Em 2007, um estudo da Universidade de Duke (EUA), apontou que o apêndice ajuda o sistema imune ao servir de "lar" para o crescimento de bactérias benéficas para o nosso organismo.
Em se tratando do baço (considerado órgão de imunidade e filtragem do sangue) e estômago, embora possamos viver sem eles, eventualmente em decorrência de acidente ou enfermidade, são muito mais importantes e suas ausências implicam em muitas restrições.
Há ainda órgãos que modulam ou perdem suas funções com o tempo, afirma Natan Chehter, geriatra da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e da BP - Beneficência Portuguesa de São Paulo.
"O timo é uma glândula imune, 'berçário' dos linfócitos T [um tipo de glóbulos brancos do sangue], e permanece em atividade durante infância e adolescência, até que na fase adulta atrofia e se perde. Já os ovários, com a menopausa, param de liberar óvulos e diminuem a produção hormonal". Mas sua remoção é recomendada apenas quando há riscos ou câncer.
Da mesma forma, útero, próstata, testículos, olhos, ouvidos, mamilos e pelo menos um dos rins não são imprescindíveis, mas valiosos para desfrutar da vida e ter filhos. Se tiver que tirar um pulmão ou parte dele, como pedaços do cérebro, também se vive, mas com sequelas.
Com 206 ossos, algum faz falta?
O esqueleto adulto é constituído por mais de duas centenas de ossos. Há quem, por motivos estéticos, busque eliminar alguns, como para afinar a cintura, em que se tornam alvos os dois últimos pares de costelas, chamadas flutuantes, por não se unirem a ossos na parte anterior. Entretanto, operações para esse fim são contraindicadas por várias consequências negativas.
A falta das costelas, por menor que seja, gera desequilíbrio na sustentação do corpo, má postura, risco para músculos e órgãos por trás da caixa torácica, que ficam desprotegidos, e dificuldade para respirar. Fora as possíveis complicações em cirurgia, como perfurações de pleura, pulmões e de estruturas abdominais, infecção, acúmulo de líquido e má cicatrização.
"Ortopedistas e cirurgiões torácicos, em geral, não realizam cirurgias de ressecção de costelas para fins estéticos", afirma Gabriel Mendia, ortopedista e traumatologista pelo Iamspe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual), em São Paulo, e da Clínica Personal Ortopedia.
O médico acrescenta que, igualmente, todos os dedos do pé têm sua importância no andar e apoio e por isso não se deve retirar nem o quinto dedo, o "mindinho".
"A exceção seria mesmo para pacientes com alguma alteração vascular ou neurovascular, deformidade grave, destruição por trauma, complicações por diabetes mellitus".
Mas, a título de curiosidade, dá para sobreviver sem vários ossos, cartilagens, nervos, vasos sanguíneos e tendões, não fosse assim ninguém passaria por amputações de membros e colocação de próteses. Mas depende de estado clínico, idade, recuperação, por isso não há como garantir.
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