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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Excesso de procedimentos estéticos pode ser indício de problemas emocionais

Peter Dazeley/Getty Images
Imagem: Peter Dazeley/Getty Images

Carlos Minuano

Colaboração para o VivaBem

26/10/2021 04h00

Harmonização facial, aumento do bumbum, lipoaspiração, abdominoplastia, plástica das pálpebras, suspensão das mamas, redução mamária, plástica do nariz. São tantos procedimentos para mudar a própria imagem e tanta gente querendo se submeter a eles que já se fala em epidemia estética.

Se você pretende entrar na onda, vale questionar vários detalhes. Um aspecto bem importante é saber como anda a própria cabeça. Mas como avaliar seu psicológico antes de embarcar em uma cirurgia plástica? Especialistas avisam que excessos geralmente sinalizam problemas emocionais.

Um caso conhecido nas redes sociais é o do jovem Felipe Adam, 16, que planejava 42 cirurgias para ficar parecido com o boneco Ken. Há poucos dias, ele anunciou ter mudado de ideia. "Estou de bem comigo mesmo", postou o adolescente. Mas, antes, reconhecia estar obcecado.
Felipe, felizmente, percebeu --a tempo e sozinho-- que algo estava errado. Mas nem sempre é assim. Não é incomum acontecer complicações causadas por procedimentos realizados sem os devidos cuidados, ou até mesmo pelo excesso deles.

A consulta médica antes de qualquer intervenção cirúrgica estética é muito importante para constatar se o procedimento desejado tem pertinência, avisa o médico Ronaldo Golcman, um dos chefes de equipe de cirurgia plástica do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. "É preciso verificar se a pessoa tem um perfil psicológico equilibrado."

Entretanto, não existe uma padronização para a avaliação psicológica pré-operatória nos casos das intervenções estéticas, adverte a médica Tatiana Novais. Com 30 anos de carreira, e referência na Bahia, ela ressalta a importância de escolher bem o profissional que fará o procedimento. "Quanto mais experiente é o cirurgião, mais entende os riscos de operar alguém que não está equilibrado psicologicamente ou sofre de algum distúrbio psiquiátrico."

O dinheiro gerado deixou sua marca na relação entre narcotraficantes e mulheres jovens ? e alimentou uma obsessão local por cirurgia plástica - GETTY IMAGES - GETTY IMAGES
Em 2018, foram realizadas 1,7 milhão operações no Brasil --os procedimentos estéticos representam 60% delas
Imagem: GETTY IMAGES

"Cirurgia plástica é um tratamento médico"

A busca da perfeição estética se tornou uma febre. Em grande parte, ela é turbinada nas redes sociais por celebridades e influenciadores, que desfilam diariamente imagens de antes e depois de inúmeras correções de supostas imperfeições.

A pandemia da covid-19 também pode ter algo a ver com isso. O home office e a necessidade de participar de dezenas de reuniões diariamente por vídeochamada certamente fez aumentar a preocupação com a aparência. Tornar o lábio mais carnudo, quem sabe deixar os olhos um pouco mais puxadinhos ou então dar aquela ajeitadinha no nariz, procedimentos assim se tornaram urgências do momento.

Mas, mesmo antes da pandemia, o Brasil já liderava o ranking global de cirurgias plásticas para mudar a aparência. Em 2018, foram realizadas 1,7 milhão operações no país e os procedimentos estéticos representam 60% delas. Os dados são do último balanço bianual da SBCP (Sociedade de Cirurgia Plástica).

Dênis Calazans, presidente da SBCP, lembra que a cirurgia plástica é um tratamento médico que precisa de indicação, diagnóstico e um plano terapêutico, que deve ser firmado entre médico e paciente. Ele acrescenta que o profissional precisa ser um especialista. "Deve ter habilitação para o tratamento de cirurgias e patologias comuns à especialidade da cirurgia plástica, médicos que tiveram formação extensa e comprovada através de provas de capacitação", diz.

Quando deixa de ser saudável?

Procedimentos estéticos oferecem riscos e não podem ser tratados de maneira fútil, como se fosse uma troca de roupa, se não gostou, compra outra, compara o médico Ronaldo Golcman, do hospital Albert Einstein. Se a pessoa nunca está satisfeita com o resultado dos procedimentos realizados e fica querendo refazer muitas vezes é porque deixou de ser algo saudável.

Cabe ao médico cirurgião perceber que há algo errado e encaminhar para um tratamento com um psiquiatra ou psicólogo, complementa o cirurgião plástico, Victor Citait, professor de cirurgia plástica da Uninove (Universidade Nove de Julho). "É preciso entender a motivação do paciente, porque ele deseja fazer tal operação."

Segundo o professor, há casos em que as pessoas são viciadas em realizar procedimentos estéticos. "Mas é possível identificar antes de realizar o procedimento."

O estado psicológico de cada paciente deve ser muito bem avaliado por um profissional qualificado, reforça o presidente da SBCP, Dênis Calazans. "Não se deve realizar uma cirurgia plástica por um simples modismo."

Mas, não há, por exemplo, necessidade de um atestado médico. "Um bom profissional conseguirá estabelecer uma relação de confiança e definir um parâmetro de segurança para realizar a cirurgia de maneira adequada", pondera Calazans.

Por outro lado, se o médico entender que o paciente precisa de uma avaliação mais detalhada, pode (e deve) lançar mão da avaliação de outros profissionais, argumenta o professor da Uninove Victor Cutait.

Tranplante, cirurgia, hospital  - gpointstudio/iStock - gpointstudio/iStock
Apesar da importância, não existe uma padronização para a avaliação psicológica pré-operatória nos casos das intervenções estéticas
Imagem: gpointstudio/iStock

Riscos do excesso

Muitas pessoas começam a ter problemas de saúde por causa da quantidade absurda de cirurgias de intervenções estéticas, confirma a cirurgiã plástica Tatiana Novais. "Grandes implantes, ou uso de materiais não absorvíveis em face e em glúteos, geram complicações na maioria das vezes irreversíveis". A busca pela perfeição idealizada pode se tornar uma obsessão, adverte a médica.

A tentativa de curar outras dores também pode estar por trás de casos de excessos de cirurgias plásticas, complementa Cutait. "O profissional precisa entender quem é o paciente e qual momento de vida ele está", diz. Se a pessoa está saindo de um divórcio muito traumático, pode estar buscando na cirurgia plástica uma saída para aquele problema. Se for este o caso, melhor esperar, avisa ele.

O presidente da SBCP observa ainda que expectativas exageradas combinadas com uma compreensão equivocada das limitações de uma cirurgia plástica geralmente se tornam problemas. "São de onde surgem boa parte das frustrações com tratamentos de cirurgia estética."

Limites de procedimentos estéticos

Muitos pacientes chegam ao consultório com uma ideia de que precisam fazer tudo, relata Cutait. O médico defende ser importante entender o que ele precisa de fato e não fazer mais do que o necessário. "O limite de procedimentos estéticos é o bom senso", ressalta. O médico reitera que são procedimentos que ajudam muito e auxiliam milhares de pessoas, desde que sejam feitos com cautela e segurança.

A cirurgia plástica não é algo milagroso no qual você entra em uma máquina e sai pronto, com todos os problemas resolvidos, não é assim que funciona". Victor Citait, professor de cirurgia plástica da Uninove (Universidade Nove de Julho).

Para a médica Tatiana Novais, todo cuidado é pouco. Mesmo com uma demanda grande (afinal, o setor estético permanece cada vez mais aquecido), ela afirma fazer questão de uma primeira consulta detalhada. "Dura em torno de duas horas", conta. A conversa passa por aspectos clínicos e pessoais. Segundo Novais, alguns relatos despertam um sinal de alerta. "Não é incomum eu contraindicar ou adiar a cirurgia por questões psicológicas."

Ela cita, como exemplos, usuários de medicamentos psicotrópicos, ou que associam o resultado da cirurgia com a solução de questões pessoais e ainda pacientes com dismorfismo corporal (percepção distorcida da própria imagem). "São casos em que insistir na cirurgia seria buscar o insucesso, independente do resultado", conclui a médica.