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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Como reconhecer se você está sendo vítima de coerção religiosa?

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Imagem: iStock

Marcelo Testoni

Colaboração para VivaBem

27/10/2021 04h00

Religiões aparecem e desaparecem a todo tempo. Até meados dos anos 2000, a estimativa é de que existiam cerca de 50 mil delas espalhadas pelo mundo. A maioria surge das muito maiores e antigas, mas também há instituições que se baseiam em filosofias, filmes e até celebridades. Qualquer um pode fundar a sua —inclusive gente de má-fé. Por isso, não raro, interessados em desenvolver a espiritualidade acabam se sentindo totalmente perdidos nessa busca.

Mas, pior do que não saber que caminho tomar é seguir por um permeado de suspeitas —que podem não ser claramente identificáveis num primeiro momento, mas provocam "estranheza". Por isso, VivaBem consultou especialistas para saber como alguém, independente de qual seja sua crença, pode distinguir corretamente quando está sendo de fato ajudado, ou, ao contrário, manipulado e prejudicado por distorções religiosas particulares que visam somente se aproveitas das pessoas.

O que é coerção religiosa?

A coerção, quando religiosa, busca induzir, chantagear ou intimidar o sujeito, de preferência os mais receptivos, vulneráveis, carentes e em dificuldades, a executar alguma atitude ou algum comportamento contra sua própria vontade, ou que, no mínimo, provoque incômodo e constrangimento. Por exemplo, a pessoa pode ouvir que, se cumprir ou não tal coisa, haverá uma consequência, que pode ser um castigo ou uma recompensa, e muitos, por temor ou acreditar sem refletir, acabam cedendo.

Nesse contexto, a liderança ou o grupo religioso podem enfatizar a obediência incontestável a um conjunto de princípios estabelecidos ou interpretados segundo sua visão. Outros critérios facilmente observados incluem autoritarismo; repressão de desejos, comportamentos, hábitos, que necessariamente não constituem transgressões, mas que destoam do que prega a instituição; abdicação da companhia de pessoas "de fora"; controle da vida e dos bens dos frequentadores.

Por outro lado, há uma disseminação ostensiva de que apenas aquela religião e seus membros é que são corretos, melhores e superiores. O foco não costuma ser direcionado exclusivamente à entidade divina, ou a obras assistenciais, o bem-estar comum e da sociedade, mas aos mandatários, seus aliados (o que pode incluir personalidades influentes) e interesses e objetivos particulares. O amor parece ser menos importante do que atrair membros, alcançar o poder, lucrar e combater as diferenças.

Sinais para ficar atento

Quem procura um lugar para meditar, fazer orações e estudar escrituras sagradas está em busca de momentos de paz, autoconhecimento, boas sensações e quer estar com pessoas que escutem e estejam dispostas a ajudá-la. Por isso, se você sente medo, ansiedade, culpa e raiva; e percebe um clima hostil, preconceituoso, com intrigas, sem espaço para diálogo, em que tudo precisa ser barganhado, talvez seja a hora de refletir se esse é mesmo um ambiente saudável para se estar.

"Qualquer organização religiosa que atente contra a saúde psicológica, a integridade física, cultura, ética e moral de seus integrantes deve ser questionada. O ser humano é a razão da existência daquele seguimento ou, pelo menos, deveria ser. Nesse sentido, esteja atento ao que vê, mas principalmente ao que sente. É preciso estar ali em alegria", afirma Joeuder Lima, doutorando em psicologia pelo IESLA (Instituto de Educação Superior Latino-Americano), em Palmas, no Tocantins.

Assim, sofrimento, isolamento, submissão e discrição total não devem ser assimilados como características essenciais para se tornar alguém melhor. Mais que isso: pessoas que submetem outras a essas condições, ainda mais com promessas de que se tornarão "sábias", "perfeitas", ou "iluminadas para encontros e experiências" também podem apresentar questões internas mal resolvidas. Sem tratá-las, acabam se convencendo de que aquilo é algo natural, aceitável e aplicável aos outros também.

"É interessante notar também as contradições naquilo que é falado e feito dentro da instituição religiosa, como a existência de denúncias de desvio de dinheiro, abusos [o que inclui sexuais], e assim por diante", aponta Yuri Busin, doutor em neurociência do comportamento e diretor do Casme (Centro de Atenção à Saúde Mental), em São Paulo. Vale ficar atento também caso a doutrina defenda ou incentive violações de direitos civis, situações de risco, humilhações, machismo e "punições exemplares" que envolvam violência, por exemplo.

Exercer curandeirismo é crime

Não raro, esse tipo de seita também atrai pessoas vulneráveis ao prometer a cura para problemas de saúde e até vícios em busca de uma "cura milagrosa". O curandeirismo, como é chamado esse tipo de ação, não só é moralmente condenável como também crime previsto em lei.

De acordo com o Artigo 284 do Código Penal brasileiro, prescrever, ministrar ou aplicar, habitualmente, qualquer substância, usar gestos, palavras ou outro meio, além de fazer diagnósticos, pode render detenção de seis meses a dois anos. Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa. Por isso, cuidado com quem não é médico, mas anuncia tratamentos pouco ortodoxos e se opõe àqueles cientificamente comprovados.

Vale dizer, no entanto, que instituições religiosas podem ajudar na recuperação de dependentes químicos, além de atuar no desenvolvimento de habilidades sociais e percepção de sentido existencial e trabalhar para a reaproximação de familiares. "Agora, para agir como profissional, de psiquiatria, por exemplo, só mesmo com formação na área. Do contrário, o indivíduo em situação de vulnerabilidade pode cair nas mãos de alguém mal-intencionado e sem experiência", afirma Eduardo Perin, psiquiatra e especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo HC-USP (Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo).

Se, depois de ler tudo isso, você tenha lembrado de alguém nessas condições ou ainda, sentir-se em dúvida sobre experiências que tenha vivido pessoalmente, a orientação dos especialistas é que você procure alguém de confiança —e que não seja da mesma instituição— para ouvir uma segunda opinião. Nesse meio tempo, evite entrar em confronto com líderes da entidade ou outros membros da congregação.

Por fim, se houver intenso sofrimento psicológico, casos de assédio, (moral e sexual), calúnias e perseguição, o caso pode ser denunciado Às autoridades e é passível de processo para buscar reparações legais junto à Justiça.