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Por que tem pessoas que 'precisam' sempre comer um doce e outras nem ligam?

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Bruna Alves

Do VivaBem, em São Paulo

05/11/2021 04h00

"Eu preciso comer um docinho depois do almoço". Se você se identificou com a frase, provavelmente sabe que essa "necessidade" de consumir uma sobremesa após uma refeição salgada não é sentida por todo mundo. Mas por que algumas pessoas sofrem com essa falta de açúcar? A explicação pode estar no cérebro.

Doces mexem com o órgão, ativando o chamado sistema de recompensa, responsável por liberar mensageiros (neurotransmissores) que intensificam e modulam as nossas reações corporais. É o caso da dopamina, que promove prazer e bem-estar. Por isso, em busca desse prazer gerado, quanto mais doce você come "hoje", maior tende a ser a vontade de comer novamente amanhã.

Por serem hiperpalátáveis, isto é, fáceis e rápidos de se adaptarem ao paladar, os doces são os principais ativadores do sistema de recompensa. Mas existem diferenças individuais na sensibilidade à recompensa, ou seja, algumas pessoas são mais e outras menos sensíveis aos efeitos do açúcar. Isso vai explicar, em parte, o motivo de uns amarem uma sobremesa e outros nem ligarem.

Por outro lado, é importante mencionar que essa sensação de prazer não é o fator que determina 100% o comportamento. "O nosso córtex pré-frontal participa dessa tomada de decisão, de modo que a nossa ação final —comer ou não um doce— seja um comportamento planejado e não automático", explica Joana Pereira de Carvalho Ferreira, psicóloga, especialista em comportamento alimentar e professora da FCA (Faculdade de Ciências Aplicadas) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Para Lorena Lima Amato, endocrinologista pela USP (Universidade de São Paulo) e professora na Uninove (Universidade Nove de Julho), não existe uma "necessidade fisiológica" de consumir doces. "É hábito, a realidade é que doce não vicia. Alguns estudos sugerem que o prazer desenvolvido no momento que você come um doce poderia ser semelhante ao da recompensa por algumas drogas. Mas se fosse assim, você teria algum sintoma de abstinência (como uma dor de cabeça), e isso não acontece", acredita.

Segundo a especialista, ninguém passa mal se deixar uma sobremesa para depois. Por outro lado, vários fatores contribuem para que a pessoa desenvolva o hábito de consumo, entre eles genéticos, ambientais, psicológicos e sociais. Elencamos a seguir os principais:

Quando a culpa é da genética

Seus genes podem fazer tanto com que você prefira doces quanto com que você dispense as guloseimas. Esse tema, inclusive, foi alvo de um estudo britânico realizado em 2015 que avaliou 1.901 adolescentes e adultos jovens, de ambos os gêneros, com idade entre 12 e 26 anos.

Baseado na percepção que cada um tem do doce, o estudo mostrou que a intensidade diminuiu entre os participantes de acordo com a idade, ou seja, quanto mais novos, mais eles gostavam. Mais importante do que isso, a pesquisa destacou que um fator genético comum foi encontrado em 75% dos participantes, sugerindo que a preferência por doces pode ser atribuída a um único conjunto de genes.

Hormônios e psicológico também aumentam desejo

Outro ponto que influência na preferência são os hormônios. "O período pré-menstrual em mulheres pode levar a um desejo forte pelo consumo de doces", diz Ana Flávia Torquato, endocrinologista do HUWC-UFC (Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará), vinculado à Rede Ebserh.

A ingestão de doces, sobretudo exagerada, também é relacionada às emoções como em períodos de estresse e ansiedade. Nesses casos, o doce seria uma espécie de recompensa: "eu mereço porque tive um dia difícil hoje". Quem nunca pensou isso? Nesse caso, no qual há uma condição psíquica relacionada, é preciso buscar ajuda médica.

Problemas com o sono, que aumentam o estresse no organismo e podem elevar o hormônio da fome chamado grelina, também costumam aumentar o desejo de consumir açúcar.

Os especialistas recomendam que os pais retardem o máximo que puderem o consumo de doces - iStock - iStock
Os especialistas recomendam que os pais retardem o máximo que puderem o consumo de doces
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Culpa também pode ser da sua criação e do ambiente

De acordo com Clarissa Silva Martins, endocrinologista do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, professora de endocrinologia da Faculdade de Medicina da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e membro titular da SBEM (Sociedade de Endocrinologia e Metabologia) - regional MS, o desenvolvimento das nossas preferências alimentares começa ainda dentro do útero materno.

O paladar e o olfato se desenvolvem durante a gestação, e diversos estímulos são transmitidos da mãe para o feto através do líquido amniótico. Assim, a alimentação da mãe já pode influenciar as preferências que a criança vai ter, como reforçaram alguns estudos.

Quando uma criança consome muito açúcar ainda nos primeiros anos de vida, é comum que ela cresça com essa preferência/desejo. Isso, porém, dificulta a aceitação dos pequenos em relação aos demais alimentos azedos e amargos, como folhas verde-escuras, importantes para um crescimento saudável.

A psicóloga e professora da Unicamp ressalta que cada vez mais se compreende a importância do ambiente na formação de hábitos. Essa influência pode acontecer em qualquer fase da vida, assim como as características individuais também irão favorecer ou desfavorecer preferências alimentares.

O problema é sempre o excesso, não o alimento em si - iStock - iStock
O problema é sempre o excesso, não o alimento em si
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Como controlar a vontade que parece incontrolável?

Nenhum dos fatores citados anteriormente é totalmente determinante. É possível melhorar, sim, os hábitos ao longo da vida e aprender a consumir o que gostamos com moderação. Não é necessário excluir nada do cardápio, afinal, a alimentação também desempenha um papel muito importante relacionado ao bem-estar e à satisfação.

A endocrinologista da UFC explica que as pessoas mais desafiadoras não são as que têm predileção por doces, mas sim as que já chegaram na fase adulta comendo uma variedade muito limitada de alimentos.

"O paciente que come de tudo consegue muito mais facilmente melhorar os hábitos alimentares", diz Torquato. Por outro lado, o problema não é frequente em uma família que não tem o hábito de consumir doces, o que não significa que quando crescer a criança não vai gostar, mas sim que ela terá menos risco de adotar um hábito ruim.

O principal é conseguir fazer boas escolhas em momentos oportunos. Ninguém vai a uma festa infantil e não come um brigadeiro, não é mesmo? Além disso, uma mesma pessoa pode ter períodos de muita fissura por doces, e depois passar a vontade. Outras passam grande parte da vida sem preferência, e desenvolvem esse desejo após certa idade.

Um estudo publicado em julho de 2021 no periódico International Journal of Obesity alertou sobre a facilidade de consumir muitos alimentos ricos em açúcar. Os pesquisadores destacaram o sabor atraente desses alimentos para consumo, mas afirmaram que o comportamento é associado ao aprendizado, ou seja, a pessoa aprende a consumir doces.

Vale dizer que quando estamos expostos ou temos fácil acesso aos alimentos que "enchem os olhos", estimulamos a busca por esse prazer. Uma das formas de minimizar a ativação do sistema de recompensa é justamente reduzindo a facilidade de ver doces diariamente.

"Estratégias comportamentais podem ser utilizadas para modificação de hábitos pouco saudáveis e deletérios para a saúde, mesmo em pessoas mais susceptíveis ao consumo de doces hiperpalatáveis, por exemplo", salienta a psicóloga, que também é professora afiliada da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

A especialista ainda destaca que a redução da exposição não significa atribuir aos alimentos um papel de vilões. "Doces podem e devem ser consumidos, principalmente se for um alimento de preferência da pessoa. Apenas deve-se sempre estar atento à frequência desse consumo, para favorecer uma dieta mais saudável e adequada para manutenção da saúde", conclui.