'Decidi viver': sem rins, ela faz diálise há 8 anos e conseguiu amamentar
Vivendo com doença renal crônica desde que nasceu, Gabriella Moreira, 26, fez dois transplantes de rins, um aos 11 e outro aos 18 anos, mas devido a alguns problemas, precisou retirá-los. Hoje sem nenhum rim, a nutricionista de Vitória de Santo Antão, em Pernambuco, sempre lidou de maneira positiva com sua condição e faz diálise há cerca de oito anos. Em meio a tratamentos, internação e a mais de 10 cirurgias, ela se formou, casou, teve uma filha e encoraja outros pacientes a viverem bem independentemente das limitações da doença.
"Nasci com os rins policísticos, tinha tantos cistos que meu abdome era grande e os meus rins eram considerados do tamanho de um rim adulto. Os médicos falaram para minha mãe que eu só tinha duas horas de vida. Fui sobrevivendo um dia após o outro, fiquei três meses internada até que fui para casa. Fazia acompanhamento com nefrologista e iniciei o tratamento conservador.
Ao longo dos anos fui perdendo a função renal até parar completamente entre 10, 11 anos. O médico me encaminhou para a hemodiálise, mas minha mãe prontamente disse que doaria o rim dela. Fiz o primeiro transplante aos 11 e também retirei o meu rim direito.
Quatro anos após o procedimento, fiquei um ano internada para tratar cálculos renais e para fazer mais de 10 cirurgias na tentativa de corrigir problemas no ureter. Tive trombose no rim, perdi o transplante após cinco anos e no dia seguinte comecei a fazer hemodiálise.
Hemodiálise me permitiria continuar vivendo
Muitas pessoas me perguntam se me revoltei com o que aconteceu, e a resposta é não. Fiz mais de 10 cirurgias, era grata a Deus por estar viva e estava aliviada de ter um outro tratamento que me permitiria continuar vivendo e correndo atrás dos meus sonhos.
Sempre fui uma pessoa ativa, determinada e de fé. Poucos meses depois de iniciar a diálise, prestei e passei no vestibular de nutrição. Paralelamente, fiz o tratamento por dois anos e seis meses —nesse meio tempo retirei o meu rim esquerdo policístico— até conseguir outro rim na fila de transplante.
Fiz o segundo transplante aos 18, fiquei apenas um ano e seis meses com ele. Tive problemas no ureter, ele descolou da bexiga e a urina vazava dentro da barriga. Sentia uma dor insuportável, era como se tivesse um ácido me queimando.
A intercorrência foi resolvida com cirurgia, mas com o passar do tempo fui perdendo minha função renal novamente. Um exame já tinha apontado risco de rejeição do transplante. O médico recomendou esperar para ver até aonde o rim iria aguentar, mas estava me sentindo muito mal e preferi retirar o rim transplantado, voltar para a hemodiálise e ter qualidade de vida. Prosseguimos dessa forma, fiquei sem nenhum rim e, como consequência, não urino mais.
Voltei a fazer diálise em agosto de 2015, me pareceu a melhor escolha naquele momento, mas vivi uma fase bem difícil. Fiquei mal, entrei em depressão, pensava que ia morrer. Não me reconhecia mais como a Gabriella positiva e alto-astral que todos conheciam. Comecei a fazer terapia e a enxergar a situação sob uma nova perspectiva.
Em 2015 me formei e comecei a trabalhar como nutricionista, em 2016 me casei e em 2017 criei o Instagram @decidi.viver, em que falo sobre doença renal, mostro minha rotina e compartilho conteúdos motivacionais. Algo que me irritava era as pessoas me verem como uma coitada, incapaz de fazer as coisas por estar "presa" numa máquina, isso não é verdade.
Muitos pacientes com doença renal que fazem diálise incorporam essa ideia, param na vida e ficam esperando a morte chegar. Decidi viver e encorajo eles a fazerem o mesmo, a lutar pelos seus objetivos e a lidar e a superar as adversidades da doença.
Médica me aconselhou a não seguir com a gestação
Já ouvi de alguns médicos que a doença renal afeta a fertilidade, que é muito difícil engravidar e quando acontece pode ser de risco. Ao descobrir que estava grávida da Ana, uma obstetra me criticou e disse que era melhor não prosseguir com a gestação para não colocar a minha vida e a da minha filha em risco, mas fui adiante com meu sonho de ser mãe, acompanhada por uma equipe que me deu todo suporte.
Durante a gestação, aumentei o número de sessões da diálise, de 3 para 6 dias da semana, 4 horas por dia. Nesse tempo, pesquisava as coisas para o enxoval, montava as dietas dos meus pacientes, assistia séries, mexia nas redes sociais e pesquisava conteúdo para o podcast RenalCast!.
Uma outra questão envolvendo a gravidez é que tinha certeza que não iria amamentar. Muita gente fala que precisa beber bastante água para ajudar na produção de leite. Como tenho restrição de líquidos, já estava conformada com isso e me limitei a procurar as melhores mamadeiras e bicos.
Ana nasceu no dia 7 de março de 2021, prematura de oito meses. Meus seios encheram de leite, imaginei que ia durar uma semana ou que iria acabar assim que voltasse para a diálise. Para minha surpresa, continuei produzindo leite e a Ana fez a pega correta de primeira. Já são cinco meses amamentando, ela só toma fórmula quando vou para a diálise.
Atualmente, me divido entre o tratamento, nos atendimentos presencial e online com meus pacientes e no cuidado com a minha filha. Compartilho um pouco da minha experiência para mostrar que é possível ter uma vida normal dentro do possível.
Na verdade, tudo depende das escolhas que fazemos, poderia ficar reclamando, me lamentando e me fazendo de vítima ou poderia decidir viver e ser feliz mesmo com as dificuldades e foi o que fiz."
Saiba mais sobre a diálise
O que é diálise?
É uma terapia renal substitutiva, isto é, um tratamento que substitui os rins quando o paciente tem perda da função renal de forma grave. Na hemodiálise, o sangue do paciente passa por um filtro que elimina as toxinas e o excesso de água acumulado no organismo do paciente. Isto tudo é feito com o auxílio de uma máquina de alta complexidade.
Para quem ela é indicada?
A diálise como tratamento crônico está indicada para pessoas que têm perda de função renal em estágio avançado, chamado estágio 5, quando os dois rins filtram abaixo de 10 ml de sangue por minuto, ou seja, funcionam menos de 10%. Normalmente, os rins filtram mais de 90 ml de sangue por minuto. As principais causas de perda da função renal são hipertensão, diabetes, obesidade e inflamações causadas no glomérulo (unidade funcional dos rins). Outras questões também atingem os rins como lúpus, uso crônico de anti-inflamatórios e doenças genéticas como a doença renal policística.
O que acontece se um paciente que faz diálise interromper o tratamento?
Pessoas que fazem diálise não podem ficar sem tratamento. O risco de um problema sério como arritmias, falta de ar e morte súbita por aumento do potássio, de toxinas no corpo e o acúmulo de água é verdadeiro e a recomendação médica é a realização do tratamento conforme a prescrição.
Como funciona o tratamento de diálise pelo SUS?
O paciente diagnosticado com doença renal crônica no posto de saúde receberá do clínico geral um encaminhamento para o nefrologista, médico especializado em tratar doenças renais, que fará a avaliação do estágio da doença e indicará o tratamento adequado. Quando descoberta precocemente, várias ações podem ser tomadas para retardar a evolução, incluindo medicações.
Quando o indivíduo precisa fazer diálise, ele é encaminhado para uma clínica que realiza o procedimento e que seja o mais próximo de sua casa. Isto ocorre por meio da regulação e liberação da Secretaria de Saúde do município em que o paciente vive. As clínicas de diálise são contratadas pelos estados ou municípios para prestar este serviço.
Paciente com problema renal pode engravidar?
Pode, mas a chance de engravidar é menor, pois a paciente renal tem menor produção de hormônios e de reprodução. Dessa forma, pode não ovular ou o preparo do útero pelos hormônios não se regular e não se adequar para receber o embrião. A gravidez é considerada de alto risco. A gestante passa a realizar hemodiálise seis vezes na semana mantendo níveis de ureia baixos. O controle da pressão é muito importante. Geralmente a gestação tem duração menor, com interrupção precoce em virtude do risco.
A amamentação é contraindicada?
A amamentação não é contraindicada na doença renal crônica e em pacientes que fazem hemodiálise. Os medicamentos de uso contínuo da mãe serão avaliados para a necessidade de troca ou ajustes. A ingestão de líquidos será orientada pelo nefrologista.
Fonte: Marcos Alexandre Vieira, nefrologista e presidente da ABCDT (Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante).
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