Ela entrou em coma e até perdeu centímetros de altura por conta da anorexia
Com 1,69 de altura e 35 quilos. Foi assim que Mirian Ferreira Lopes Maciel, 40, chegou ao hospital há cinco anos. Em poucas horas, seus órgãos começaram a parar e ela entrou em coma induzido. Acordou só 19 dias depois —e por um milagre. Segundo os médicos, suas chances de recuperação eram mínimas. Maciel estava desnutrida e a raiz do problema era um transtorno que enfrentava há anos: a anorexia nervosa.
Caracterizada por longos períodos de jejum e uma obsessão pela magreza, essa é a condição psiquiátrica que mais mata no mundo. O transtorno pode fragilizar o metabolismo, provocar problemas na pele, alterações cardíacas, aumento do colesterol, alto risco de hipotensão, desmaios e até impactos na temperatura corporal. No caso de Maciel, a fragilidade foi ainda agravada por um desgaste ósseo, que a fez perder até alguns centímetros de altura.
Tudo começou quando seu irmão morreu. Ela tinha 27 anos. Depois de entrar em uma depressão profunda, passou a se privar de comida e tomar diuréticos, laxantes e remédios para inibir a fome. "Eu era modista na época e toda hora pegava minha fita métrica para ver o quanto havia perdido", lembra.
Casos assim, em que o transtorno aparece ao lado de outros, são frequentes. Segundo a psiquiatra Estéfane Moura, da SPP (Sociedade Pernambucana de Psiquiatria), apenas 16% dos quadros não apresentam doenças relacionadas.
Bulimia e anorexia: quais são as diferenças?
Embora seja comum que a anorexia venha acompanhada de comorbidades, ela não ocorre junto com a bulimia, outro transtorno alimentar bem conhecido. Isso porque, enquanto na anorexia existe uma fixação pela magreza extrema e longos jejuns, a bulimia, via de regra, inicia-se com uma compulsão alimentar seguida de esforços para eliminar o que foi comido por impulso.
Há confusão entre os transtornos porque sintomas dos dois podem coexistir. Em ambos os casos, por exemplo, há pacientes que induzem vômitos, tomam laxantes e abusam de exercícios físicos.
Assim, um dos aspectos analisados no diagnóstico é o IMC (Índice de Massa Corporal). Segundo o CID-10 (Cadastro Internacional de Doenças), definido pela OMS (Organização Mundial de Saúde), esse índice tende a ser igual ou menor que 17,5 em quem tem anorexia. Lembrando que o considerado saudável é entre 18,5 e 24,9.
Outro sinal é a chamada distorção de autoimagem, menos comum na bulimia. Ocorre quando a visão que a pessoa tem de si é diferente da realidade. Isso faz com que, mesmo magra, ela queira perder mais peso. Cabe mencionar, entretanto, que toda essa análise é densa e precisa ser feita por um psiquiatra.
Quais são as causas da anorexia?
Cunhado pelo médico inglês William Gull, no século 19, o termo anorexia vem do grego orexis, que quer dizer apetite. Ao pé da letra, o anoréxico é, portanto, aquele que não tem apetite.
Apesar da definição inicial, hoje já se sabe que o problema vai muito além de uma inapetência. Conforme explica a psicanalista Ana Suy Sesarino Kuss, professora do curso de psicologia da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), para o ser humano, a alimentação ultrapassa o mero instinto de sobrevivência e é um hábito social.
Isso diz muito sobre o caráter plural de um transtorno alimentar. Há uma série de condições genéticas, mas também sociais e comportamentais que levam à anorexia.
Sabe-se, por exemplo, que uma personalidade obsessiva pode estar relacionada ao problema, como destaca a psicóloga Priscilla Leitner, do IPCAC (Instituto de Pesquisa do Comportamento Alimentar de Curitiba).
Outro fator a ser considerado é o apelo da mídia que, não raro, expõe corpos magérrimos como padrões a serem atingidos. Em um mundo repleto de influencers, o fenômeno se acentua na internet, tornando cada vez mais precoce a busca por um corpo magro.
A estudante Eloise Mariane Beraldo, 15, é um exemplo disso. Com apenas 10 anos de idade, já se comparava a blogueiras fitness e começou a fazer dietas por conta própria. Aos 11, passava muito tempo sem comer e, mesmo estando magra, não se sentia dentro do padrão que almejava.
Quando percebeu que a situação estava saindo do seu controle, pediu ajuda aos pais. Eles a levaram a um psicólogo e, depois, a um psiquiatra, que a diagnosticou com anorexia. No início, teve muita dificuldade de enfrentar a culpa por comer. "Eu chorava todos os dias", lembra.
Hoje, em seu perfil do Instagram, a menina produz conteúdo para prevenir o transtorno. "O que eu digo a quem passou pela doença é: não tenha medo de se abrir para as pessoas nas quais confia. E não desista jamais".
Só mulheres têm anorexia?
A anorexia é maior entre a população feminina, historicamente cobrada pela sua aparência devido ao machismo estrutural. De acordo com Moura, a proporção aproximada de afetados hoje é de um homem para cada quatro mulheres.
Mas mesmo que homens sejam minoria, o número tem crescido e merece um olhar atento. Primeiro, porque ainda há poucos estudos sobre o assunto e a doença segue estigmatizada como um problema de meninas adolescentes, explica a psiquiatra.
Além disso, homens tendem a buscar menos ajuda médica, e, em se tratando de uma condição já estigmatizada, a situação fica mais complicada.
Como prevenir e tratar?
O tratamento da anorexia deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar. A equipe mínima é composta por psiquiatra, psicólogo e nutricionista, mas há outros especialistas que podem contribuir, como educador físico e enfermeiro.
No que tange à prevenção, a psiquiatra Bruna Boaretto, do CETA (Centro Especializado em Transtornos Alimentares), de Curitiba, reforça que todo mundo é capaz de ajudar.
Sabe aqueles comentários "fulana engordou ou emagreceu ou está feia, está bonita"? Pois bem, além de desnecessários, são verdadeiros gatilhos e devem ser evitados. Ao endossar uma perspectiva realista que valoriza as pessoas pelo que são, você ajuda a promover uma cultura de mais liberdade e autoaceitação.
Por fim, se você sofre ou conhece alguém que pode estar sofrendo de anorexia, busque ajuda. É o que também reforça Maciel, hoje dona de uma página na internet para ajudar pessoas que enfrentam o transtorno.
"Desde que criei o perfil no Facebook, há 4 anos, já perdi seis pessoas que tentei ajudar. Mas sigo incentivando o tratamento. Eu consegui sair, mas e quem não é salvo a tempo?".
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