Com doença rara, menino evolui bem e tem quadro estudado por cientistas
Quando Alexandre Guedes Bisneto, chamado de Xandinho pela família, tinha apenas dez dias, em 2015, Luana Brito notou que havia algo errado com o filho. "Ele ficava sempre muito paradinho, parecia estar com uma tensão muscular constante e parou de ganhar peso, mesmo mamando bastante", lembra a mãe.
O pequeno foi avaliado pelo pediatra, que afirmou que os sinais não indicavam nada grave.
Mas, junto à sua mãe, que é técnica de enfermagem, Luana continuou notando que ele apresentava os sintomas, além de temperaturas muito baixas. Quando Xandinho completou 22 dias, ela buscou ajuda no pronto-atendimento.
"A médica que nos atendeu pediu exames de sangue. Aí conseguimos ver que ele estava com a imunidade muito baixa, com níveis de plaquetas e neutrófilos menores do que o normal. Ele foi transferido para a UTI neonatal e mais exames foram feitos", diz.
Com a suspeita levantada pelos médicos de que se tratava de um erro inato no metabolismo, mas sem conseguir fechar o diagnóstico em Salvador, onde a família vive, os pais de Xandinho viajaram para São Paulo em busca de profissionais que pudessem identificar a causa do quadro.
"O que aprendi é que com doença raras muitas vezes os quadros não são clássicos —um paciente apresenta um sintoma, o outro já é diferente... E assim o diagnóstico se torna mais difícil", conta Luana.
Na capital paulista, cumpriram a missão. Xandinho foi diagnosticado com acidemia metilmalónica com homocistinúria (deficiência na produção de uma enzima chamada cobalamina C) tipo CblC, uma doença hereditária autossômica recessiva, ou seja, uma doença induzida pelo gene recessivo presente tanto no pai quanto na mãe. O tipo refere-se ao erro inato do metabolismo e está associado a uma falha no processamento da vitamina B12.
O quadro pode levar à anemia megaloblástica (causada por uma série de distúrbios provocados pela síntese comprometida do DNA), letargia, atraso de crescimento, atraso no desenvolvimento, déficit intelectual e convulsões.
Em São Paulo, também descobriram que, dentro do útero, o pequeno teve uma hemorragia intracraniana —que precisou ser tratada tardiamente com uma válvula no crânio.
Diagnóstico
Para a doença de Xandinho, por exemplo, a confirmação do diagnóstico só foi possível após a realização de um teste genético. Por ele, é possível avaliar o gene MMACHC e, caso sejam encontradas mutações, determinar qual é o tipo da doença.
Estima-se que 6% a 8% da população mundial de 7,8 bilhões de pessoas são afetadas por alguma doença genética, sendo que ao menos 4 entre 10 pacientes recebem um diagnóstico errado ao menos uma vez, complicando seus quadros clínicos. Isso ocorre, infelizmente, apesar dos amplos avanços da medicina genética.
Há conhecimento hoje capaz de oferecer agilidade, personalização e precisão no diagnóstico e tratamento dos pacientes diagnosticados com doenças raras, porém este contexto ainda não chegou a uma grande parcela dos profissionais de saúde e não é realidade para os pacientes no SUS (Sistema Único de Saúde).
"Hoje vemos uma necessidade de democratizar o conhecimento da genética, inclusive educar os planos de saúde sobre a importância dos exames. É muito mais válido fazer teste para prevenir ou tratar cedo do que lidar com a doença rara em estágio avançado, inclusive em relação a custos", analisa Márcia Riboldi, geneticista e CEO da Igenomix Brasil e doutora em ginecologia e obstetrícia pela Universidade de Valência, na Espanha.
O diagnóstico precoce é essencial, embora não faça diferença para todas as doenças raras, já que algumas não têm qualquer tipo de possibilidade de controle, para outras, como o quadro de Xandinho, sim. "Ainda que não exista tratamento específico para curar a doença, existem técnicas para controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida", diz Têmis Maria Felix, médica geneticista e presidente da SBGM (Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica).
A trajetória de Xandinho como objeto de estudo
Hoje, o tratamento do pequeno, que está com seis anos de idade, consiste na administração de três remédios orais (betaína anidra, ácido folínicol e l-carnitina) e um intramuscular (B12 - hidroxicobalamina), que agem para proporcionar o equilíbrio metabólico. Além disso, sua rotina conta com terapias que ajudam no desenvolvimento: fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional.
Diferentemente da maioria dos pacientes com o quadro, Xandinho não apresenta qualquer sinal de degeneração macular (perda no centro do campo de visão), uma das características mais comuns da doença. Além disso, de acordo com a mãe, seu déficit de desenvolvimento é muito pequeno em relação às outras crianças.
"Quando ele fez três anos, nós o inscrevemos em um programa de pesquisa americano, o maior que existe sobre a doença, dentro do NIH (National Institutes of Health)", conta Luana, que participou de eventos sobre as pesquisas e de materiais como um vídeo de divulgação do projeto, publicado no YouTube.
Xandinho agora terá um irmão. Após não ter sucesso em engravidar por FIV (fertilização in vitro), que a possibilitaria escolher um embrião sem a doença do primeiro filho, Luana engravidou naturalmente, mas teve complicações e perdeu o bebê na véspera do parto.
Este ano ela engravidou novamente de forma natural e agora espera o resultado de um exame genético pré-natal para saber se o bebê apresenta a mesma mutação de Xandinho —o risco é de 25%.
Ela também está tomando a medicação hidroxicobalamina com a intenção de oferecer um tratamento intraútero caso o bebê tenha a doença e está sendo acompanhada pela equipe de pesquisadores americanos.
Para compartilhar informações e experiências sobre o quadro, a família faz parte do grupo CBLC Brasil. Luana atualmente administra o Instagram do grupo, onde pretende disseminar informações confiáveis para famílias que recebem o diagnóstico. "Descobrir uma doença rara traz uma avalanche. Parece que a gente se sufoca, mas, na verdade, o que a doença rara te ensina é viver um dia de cada de vez", reflete.
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