Lixar a sola do pé deixa a pele mais grossa?
Principal suporte do peso do corpo, os pés são expostos diariamente a muitas e constantes agressões desferidas por calçados, meias apertadas e inadequadas, prática de esportes, frio, calor e umidade, entre outros. Aos poucos, esses fatores acabam causando efeitos nada benéficos à saúde do pé, principalmente da pele, que pode ficar mais seca e rachar.
Quando isso acontece, é comum fazer uso de uma lixa para raspar e, assim, livrar-se das incômodas rachaduras. Mas será que esse expediente não traz efeito contrário, tornando a pele ainda mais grossa? "Na realidade, lixar o pé não deixa a pele mais grossa", declara Regina Carneiro, dermatologista. "Mas é preciso ter cautela."
Antes de mais nada, é necessário compreender qual o tipo e a forma de lixamento, bem como compreender o tipo de pele a ser lixada, razão pela qual não se deve fazer o procedimento em casa. "Pele ressecada não significa pele grossa e, algumas vezes, esse ressecamento pode ser eliminado apenas com esfoliação e hidratação", afirma Iara Gaspar Duarte de Souza, professora e podóloga.
De fato, é fundamental avaliar e identificar a condição da pele e, dependendo do espessamento, pode-se usar a lixa, porém, com gramatura adequada e favorável para o tratamento. "Esse lixamento não quer dizer que a pele vá engrossar, mas a reação ao atrito e a pressão constantes com elementos muito porosos pode, sim, provocar engrossamento justamente como forma de proteção ao local", explica Souza.
A pele do pé
Basicamente, o pé tem duas funções distintas: uma em estática (quando a pessoa se encontra parada e de pé) e outra em dinâmica (quando a pessoa se encontra em movimento). Para dar suporte à pressão de sustentar o peso do corpo e absorver choques, a pele na planta dos pés contém mais células adiposas nas camadas mais profundas (a subcutânea) em comparação à maioria das outras partes do corpo.
A cada passo que damos, os pés suportam três vezes o peso do corpo humano. Além disso, são submetidos a pressões manuais, como o atrito de sapatos apertados ou desconfortáveis e a exaustivas caminhadas ou corridas. E, embora contenha a camada extra de células adiposas como um acolchoado extra, o constante e excessivo atrito pode danificar essa proteção, causando o seu ressecamento.
Já a epiderme (a camada mais externa de pele) é mais grossa nos pés do que em outras partes do corpo humano —geralmente em torno de 0,1 mm no total. Nas plantas dos pés ela pode variar de 1 a 5 mm. Quando a pele dos pés é exposta ao atrito e pressão prolongados, a produção de calos aumenta e a epiderme torna-se grossa e bastante dura, condição chamada de hiperqueratose.
Fatores das rachaduras
Mais comuns no inverno, as rachaduras podem se manifestar independentes da estação do ano. "Tanto no verão, por conta do calor que pode levar a rachaduras, como no inverno, pelo clima seco, as feridas são frequentes e incômodas", explica Carneiro.
No entanto, as pessoas observam que a pele dos pés está mais ressecada no verão, por ser essa a estação mais quente e pelo uso de sandálias e chinelos. "Por isso, a percepção e a preocupação com o aspecto estético da pele dos pés são maiores no verão. Por outro lado, a pele está ali, independente da temperatura climática, sendo assim, os cuidados devem ser os mesmos o ano todo", aconselha Souza.
São vários os motivos que levam os pés a apresentarem rachaduras. "Pele ressecada, algumas doenças inflamatórias e o sobrepeso podem ser considerados. Assim, é importante afastar doenças inflamatórias e infecciosas", recomenda Reinaldo Tovo Filho, dermatologista.
De acordo com Carneiro, os fatores vão desde doenças dermatológicas (como alergias, psoríase, infecção por fungos), como também problemas sistêmicos --diabetes, excesso de peso, defeitos ortopédicos, por exemplo.
Vale lembrar que os pés têm estrutura móvel e função básica para se adaptar às superfícies (solo) e sustentam todo o peso do corpo.
Assim, calçados impróprios, caminhar descalço, lixamento contínuo e incorreto e doenças associadas podem ressecar a pele, rachar e até mesmo ocasionar o sangramento. "A falta de hidratação, alimentação inadequada e questões medicamentosas também são condições favoráveis ao ressecamento e as rachaduras", aponta Souza.
Diabetes e outras doenças
Um fator importante a ser lembrado e destacado com relação às rachaduras na pele, está ligado às doenças sistêmicas, cujos cuidados com a saúde dos pés devem ser redobrados. Por isso, é necessário descartar qualquer doença sistêmica ou inflamatória que pode desencadear as rachaduras nos pés.
"Não raramente observamos essas alterações em pacientes com diabetes, principalmente naqueles casos onde há neuropatia autonômica com comprometimento na sudorese", esclarece o médico e professor de Endocrinologia, Josivan Lima.
No caso de hipotireoidismo, Lima afirma que, apesar dos pacientes terem rachaduras, elas são menos frequentes, pois somente casos muito severos e cronicamente descompensados apresentam o problema. "O diagnóstico diferencial é extenso e muitas vezes, dependendo da severidade e não ocorrendo resposta às medidas mais simples como usar um hidratante, deve ser avaliado especificamente por um dermatologista que irá analisar as diferentes causas", alerta Lima.
Convém ressaltar que nos pacientes com doenças sistêmicas, as rachaduras podem ser bem complicadas, pois além do incômodo local, elas constituem-se em portas de entrada para infecções que agravam o quadro clínico, como constatado em um estudo de 2016.
No caso de diabéticos, pode até culminar em amputações, por isso esses pacientes devem manter o bom controle da glicose, evitando assim não somente as rachaduras nos pés, mas também outras complicações crônicas do diabetes.
"Além disso, sendo diabetes uma causa frequente de amputações distais em membros inferiores, todo paciente deve ter o máximo de atenção para evitar que isso aconteça. Usar calçados adequados e cremes hidratantes (alguns são inclusive específicos para diabéticos) são medidas essenciais. Importante não passar o creme entre os dedos, pois pode ficar mais úmido e predispor ao desenvolvimento de micoses interdigitais", orienta Lima.
Calçados adequados
Nos primórdios, a humanidade não usava calçados, e certamente os pés eram constantemente expostos a todo e qualquer perigo que aparecia pela frente. Com o passar do tempo, essa necessidade tornou-se premente para amortecer a pressão e para proteger os pés, evitando machucados, queimaduras, sujeiras e infecções, entre outros problemas.
No entanto, por mais que os calçados sejam feitos para nos proteger, muitas vezes eles tornam-se prejudiciais se utilizados de maneira errada. É o caso das chamadas "rasteirinhas", chinelos ou sandálias, utilizadas geralmente pelas mulheres, na época do verão. "Esses calçados podem ressecar e agredir as regiões calcâneas e as extremidades dos dedos", avalia Tovo Filho.
Para Carneiro, as sandálias ou "rasteirinhas", dependendo do caso, podem até levar ao engrossamento da pele do pé. "Alguns materiais são propícios a isso, sem falar no excesso de peso que, associado à sandália, também deixa a pele do pé mais grossa", assegura.
Dessa forma, chinelos e "rasteirinhas" não são os calçados mais adequados, diária e continuamente, para os pés. O ideal é usar calçados que mantenham os pés seguros e confortáveis, até mesmo para não interferir no modo de caminhar e na postura corporal.
"Uma vez que os calçados proporcionam atrito e pressão constantes, a resposta será imediata ao engrossamento da pele", confirma Souza. "Tenho como sugestão usar chinelos e 'rasteirinhas' apenas para descanso dos pés e passeios curtos", aconselha.
Cuidados e tratamento
Os pés devem estar sempre limpos e hidratados, mas para mantê-los assim, é preciso lembrar-se deles. Assim como é feito nas regiões do rosto e do corpo também é necessário hidratar os pés, atentando-se que o produto utilizado deve ser específico para eles.
"Ao sair do banho, voltar da praia, expô-los a agentes químicos ou sempre que estiver fora do calçado e usar meias é importante hidratá-los. Assim conseguimos manter a pele macia e saudável", recomenda Souza.
Segundo Tovo Filho, para tratar as rachaduras, primeiramente, é necessário procurar um dermatologista para afastar doenças dermatológicas e, caso não haja nenhuma causa inflamatória ou infecciosa, hidratar com cremes próprios para a região.
"Evite usar sabões agressivos e abrasivos, além disso existem vários hidratantes, alguns com alfa hidroxiácidos ou ureia. Mas caso a pele esteja inflamada a utilização pode agravar o caso", adverte.
Conforme Carneiro, os cremes hidratantes podem ser usados de acordo com a causa da rachadura. "Em geral, os cremes de pés auxiliam no tratamento da rachadura, mas se não corrigir a causa elas retornam. Não há o melhor creme. Existem vários que podem ser usados", assegura.
Assim, procurar um profissional especializado para saber qual a razão do ressecamento é a medida mais acertada. Pode-se ainda associar a consulta entre dermatologista e podólogo. "Estes profissionais podem auxiliar em alguns casos, são aliados dos dermatologistas e complementam o diagnóstico quando o quadro é causado por doenças inflamatórias ou infecciosas", afirma Tovo Filho.
"Dependendo do caso clínico, o tratamento poderá ser feito por meio de medicamentos que o especialista em dermatologia poderá prescrever", acentua Souza, acrescentando que o melhor creme hidratante é aquele que a pele responde às propriedades e características do produto, como umectação, recuperação das células e proteção.
"É preciso também observar a composição do hidratante, se é toque seco, evitando que os pés fiquem úmidos, verificar data de validade do produto, forma correta de uso e se há indicação e contraindicação, o que favorece na melhor escolha do produto", ressalta.
Fontes: Iara Gaspar Duarte de Souza, docente da área de bem-estar do Senac São Paulo, podóloga e especialista em gerontologia; Josivan Lima, professor de endocrinologia da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte_, especialista em endocrinologia pela SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia); Reinaldo Tovo Filho, coordenador do Núcleo de Dermatologia do Hospital Sírio-Libanês (SP) e chefe da residência de dermatologia da mesma instituição; e Regina Carneiro, doutora em dermatologia, professora da Universidade do Estado do Pará.
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