Por que as crianças mentem? Comportamento pode ser resposta à insegurança
Atire a primeira pedra quem nunca contou uma mentirinha. Seja para se enturmar, escapar de alguma responsabilidade ou até agradar alguém, a mentira é algo presente na vida do ser humano. Com as crianças, não é diferente, mas esse comportamento requer atenção e cuidado.
A infância é uma fase de descobertas, na qual os pequenos estão entendendo o mundo, criando percepções e desenvolvendo as primeiras interações sociais. É neste momento que a mentira pode começar a surgir.
"Ela aparece entre dois e cinco anos de idade, que é quando começa a inserção no colégio e uma maior socialização", diz Cristina Borsari, coordenadora do departamento de psicologia do Hospital Infantil Sabará.
Imagine: um coleguinha volta de férias cheio de novidades, então você, que ficou em casa, inventa algumas histórias só para conseguir se encaixar. Isso faz parte do desenvolvimento adaptativo do ser humano.
Essas invenções também podem estar ligadas ao ambiente familiar, especialmente quando os filhos não querem decepcionar os pais ou buscam escapar de alguma punição.
"Quando a família tem uma postura autoritária e exagerada, que cria regras difíceis de serem cumpridas, mentir se torna uma ação defensiva", explica Wimer Bottura, médico especialista em psiquiatria infantil pela USP (Universidade de São Paulo) e presidente do comitê de adolescência da Associação Paulista de Medicina.
Exemplo vem de casa
Mesmo sendo esperada e até considerada natural, essa atitude também é reflexo do que os pequenos aprendem em casa. Adultos já estão acostumados a escapar de situações do dia a dia com mentirinhas. Por exemplo, quando aquele colega "chato" liga e você não quer atender, então diz: 'Avisa que eu não estou em casa'.
O que pode parecer inofensivo, na verdade, está servindo como exemplo para os filhos, que enxergam os pais como modelos a serem seguidos. "Eles estão atentos aos comportamentos aceitos nesse núcleo familiar para depois externalizar em seu meio social", diz Borsari.
"São aspectos que os adultos não percebem e depois acusam as crianças de serem mentirosas. Não estou dizendo que mentir deve ser aprovado, mas os pais devem olhar para o modelo que oferecem antes de acusarem", ressalta Bottura.
Para evitar esse tipo de situação, é interessante mostrar a importância da honestidade por meio de brincadeiras, leituras infantis e até filmes que promovam uma reflexão, como, por exemplo, um personagem principal que mentiu e depois se deu mal.
Fantasia x realidade
Quase todo pai ou mãe já ouviu o filho falar sobre um amigo imaginário ou inventar personagens lúdicos, muitas vezes os culpando por coisas do cotidiano: "A fadinha pegou o meu brinquedo" ou "o duende desarrumou a minha cama", entre tantas outras anedotas. Isso tudo é inconsciente.
Até os sete anos de idade, a nossa mente ainda vive uma fase imaginária, como um mundo de brincadeira, por isso a dificuldade de diferenciar o que é fantasia e o que é real.
"É importante esse período existir para que o pequeno desenvolva sua individualidade e subjetividade. A mentira pode representar uma confusão entre realidade e imaginação, é uma resposta a algo que não souberam interpretar", afirma Borsari.
O especialista também faz um alerta: a criança não deve usar tais recursos para fugir das responsabilidades —nesses casos, ela já sabe que está fazendo errado, o que pode se tornar um problema.
Como lidar com a mentira?
Como vimos, existem inúmeras razões para que os pequenos escondam a verdade. Por isso, é importante que os pais não revidem com agressões verbais e os rotulem como mentirosos.
"É tentar fazê-los entender que aquilo não é uma coisa legal, que eles podem contar a verdade. A repreensão deve ser feita de uma forma branda, evitando gritos e castigos pesados", diz João Ilo Coelho Barbosa, especializado em psicologia comportamental e professor da UFC (Universidade Federal do Ceará).
Promover um ambiente acolhedor também é uma saída para que os filhos passem a confiar nos pais e vê-los como um porto seguro, sentindo que podem falar a verdade sem serem julgados por isso.
"O segredo dessa relação é a observação: os adultos devem observar mais e intervir menos, escutar mais e falar menos. Com isso, fica mais fácil de compreender o que se passa com a criança", diz Wimer Battura.
O especialista ainda recomenda que não coloquem palavras na boca das crianças e substituam as acusações por perguntas, como "Por que você falou isso?", promovendo uma reflexão interna a elas quanto à própria atitude.
Ressaltamos aqui que a ideia não é ser muito permissivo, mas sim deixar espaço para que os pequenos reflitam, entendam a situação e assumam responsabilidade pelos próprios erros. Muitas vezes, uma punição exagerada faz o caminho contrário.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.