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Saúde

Sintomas, prevenção e tratamentos para uma vida melhor


O futuro chegou: diagnosticar doenças por voz já é possível; saiba como

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Renata Turbiani

Colaboração para VivaBem

25/11/2021 04h00

Cada voz é única, com suas nuances de tons, timbres e potências. Através dela nos comunicamos, expressamos emoções e, acredite, até indicamos se estamos com algum problema de saúde. E não apenas os específicos de voz, fala e linguagem, como já acontece na prática clínica da fonoaudiologia há anos.

A novidade agora é que, por conta do avanço da tecnologia, os sons que emitimos pela boca também passaram a ser considerados como aliados no diagnóstico e monitoramento de uma ampla gama de doenças, como Parkinson, depressão, Alzheimer e, mais recentemente, covid-19.

A fonoaudióloga Nathália Nunes, consultora de mercado para saúde no Brasil e nos Estados Unidos e pesquisadora do tema, explica que a voz humana produz múltiplas frequências, algumas imperceptíveis ao ouvido, mas que podem ser captadas por sensores, dispositivos vestíveis, aplicativos e outras ferramentas computacionais —e eles, com o auxílio de algoritmos, inteligência artificial e técnicas de aprendizagem de máquina (machine learning), conseguem determinar os sinais das patologias.

"Por meio desses recursos são analisados o que chamamos de biomarcadores digitais vocais, estabelecidos após a análise das características típicas da nossa voz", informa a especialista, que em setembro deste ano deu uma palestra sobre o assunto no HIS (Healthcare Innovation Show), um dos principais eventos de saúde e tecnologia do país.

Na prática, funciona assim: centenas (ou milhares) de vozes de pessoas saudáveis são comparadas com vozes de portadores de distúrbios. Neste processo, realizado com o uso de programas de computador desenvolvidos especificamente para esta finalidade, a máquina "aprende" os padrões vocais das enfermidades e, a partir disso, consegue fazer a detecção —ela avalia, por exemplo, oscilações, flutuações, volume e vibrações.

"A linguagem, a fala e a voz são fenômenos complexos que resultam da coordenação entre a função cerebral e a pulmonar, e estão associadas a muitos processos neurológicos e fisiológicos. Por essa razão, alterações nos parâmetros podem indicar problemas de saúde", aponta Nathália.

Leonardo Lopes, presidente da SBFa (Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia) e professor titular na UFPB (Universidade Federal da Paraíba), complementa que a produção desse trio (voz, fala e linguagem) é a função mais refinada do corpo humano, pois envolve um fino controle neurológico e uma série de conexões, que são influenciadas por diferentes áreas do cérebro e outros centros de controle e sensíveis a alterações biológicas e mentais, daí a possibilidade de fazer diagnósticos através deste mecanismo.

"Vários transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão, e neurológicos, como Parkinson e escleroses, têm manifestações na voz que podem ser detectadas por meio da extração de algumas das suas características acústicas", indica o especialista, que também é líder do LIEV (Laboratório Integrado de Estudos da Voz), da UFPB.

Segundo Lopes, isso é particularmente importante porque, enquanto muitas das doenças, em especial as mentais, têm um diagnóstico classicamente subjetivo, os biomarcadores vocais desenvolvem medidas padronizadas.

"Só é preciso que as pessoas entendam que nada disso substitui o componente humano. Trata-se apenas de uma ferramenta complementar para facilitar o diagnóstico e ajudar os profissionais da saúde na sua rotina."

Nunes reforça esse posicionamento: "As pessoas podem achar que a tecnologia vai fazer a identificação das doenças sozinha e que não será mais preciso ir ao médico. Mas não é isso. Seu uso se dará de forma a apenas auxiliar os especialistas no dia a dia."

Projetos desenvolvidos pelo mundo

Onda sonora, voz, áudio - iStock - iStock
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Ao redor do mundo, diversas pesquisas e aplicações da voz para triagem, detecção e monitoramento de patologias têm sido realizadas. Uma delas é comandada pela organização norte-americana "Iniciativa de Voz do Mal de Parkinson", em parceria com o Centro Médico da Universidade de Rochester, e já alcançou 98,6% de precisão de detecção (ou seja, a porcentagem de amostras que foram corretamente identificadas como saudáveis ou com a enfermidade) em condições de laboratório.

Outra está sendo conduzida pela Clínica Mayo, dos Estados Unidos, e a empresa israelense Beyond Verbal. O foco desta são os biomarcadores vocais para rastreamento de hipertensão arterial pulmonar (HAP), moléstia grave que eleva a pressão arterial nos pulmões.

O Brasil também já tem algumas iniciativas do tipo. Dentre elas, destaque para o Spira (Sistema de Detecção Precoce de Insuficiência Respiratória por meio de Análise de Áudio), que está sendo desenvolvido desde 2020 por um grupo de pesquisadores de diversas áreas do conhecimento da USP (Universidade de São Paulo).

Marcelo Finger, professor titular do DCC-IME (Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística) da instituição e coordenador do projeto, conta que, atualmente, são duas as frentes de trabalho: diagnóstico de insuficiência respiratória em decorrência da covid-19 e da própria patologia provocada pelo novo coronavírus.

"Criamos um programa que usa inteligência artificial para comparar vozes de pessoas infectadas pelo vírus com as de indivíduos saudáveis. Na primeira fase, coletamos 11 mil vozes, das quais conseguimos aproveitar 6 mil. A partir daí, 'treinamos' o sistema para inicialmente identificar se uma pessoa apresenta insuficiência respiratória. Depois, expandimos para a covid-19. Ao longo do tempo, chegamos a 97% de precisão nos resultados", indica o docente.

Por enquanto, o Spira é apenas um projeto de pesquisa, mas Finger acredita que ele tem chance de, em alguns anos, ser implementado na prática clínica para facilitar o trabalho de triagem dos pacientes pelas equipes médicas.

"E certamente será útil mesmo no pós-pandemia, uma vez que a insuficiência respiratória é um sintoma comum de outros problemas de saúde, como asma agudizada, H1N1 e DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica)", aponta o professor.

De acordo com Lopes, da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, a tendência é que cada vez mais biomarcadores vocais sejam desenvolvidos, para as mais diversas enfermidades, e que o rastreamento seja feito até mesmo no ambiente doméstico.

"No futuro, é bem provável que os smartphones ou os assistentes pessoais, após analisarem os dados de voz que ficam armazenados neles e identificarem alterações nos seus padrões, recomendem que os usuários procurem um médico."

Biomarcadores cardíacos

Batimentos cardíacos, frequência cardíaca, batidas do coração - iStock - iStock
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Se a área de diagnósticos vocais avança a passos largos, outras começam a ser estudadas com foco na saúde. Como a dos biomarcadores cardíacos. A medição da frequência do coração não é novidade. Hoje em dia, é feita, inclusive, de forma cotidiana por meio de pulseiras, relógios e celulares, sobretudo por quem pratica atividade física, porém, pesquisas têm utilizado inteligência artificial e aprendizagem de máquina para o reconhecimento de sintomas clínicos de algumas condições cardiovasculares até mesmo antes que elas se manifestem.

Por exemplo, cientistas britânicos da Universidade de Oxford e de outras entidades desenvolveram há pouco tempo um biomarcador derivado da análise de tomografias computadorizadas de rotina que pode identificar pessoas com alto risco de ataque cardíaco fatal. O resultado dessa análise foi publicado em 2019 no European Heart Journal (ou Jornal Europeu do Coração, em português).

Pedro Dal Lago, professor do Departamento de Fisioterapia da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e coordenador do projeto Maya, que se vale de tecnologias disruptivas para prescrever, incentivar e avaliar a prática de atividade física a partir dos sinais do coração, diz que cada pessoa tem uma espécie de assinatura cardíaca, uma frequência própria.

"Sabemos que o desenvolvimento das doenças cardiológicas muitas vezes afeta o ritmo dos batimentos do coração, e essa alteração pode ser medida ou mensurada por sinais capturados por equipamentos específicos, como os sensores que estamos desenvolvendo", afirma. "Por enquanto, esse não é o foco do nosso estudo, mas é uma das possíveis aplicabilidades no futuro."

Enquanto esse dia não chega, o trabalho atual de Lago, junto a pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) e UFPA (Universidade Federal do Pará), consiste em criar soluções para ajudar a aumentar a adesão aos exercícios físicos.

"Grande parte da população brasileira é sedentária, e isso é uma preocupação grande para o sistema de saúde. Porém, com a prática de forma segura e adequada, podemos diminuir a incidência das doenças crônicas, como as cardiovasculares, e até alguns tipos de câncer", aponta o fisioterapeuta.

"Com o nosso dispositivo, vamos poder mensurar a frequência cardíaca durante a realização da atividade física para sabermos se a intensidade está realmente adequada para cada perfil de pessoa, levando em conta gênero, idade e condição geral e, assim, se obter todos os benefícios resultantes dela", finaliza.