Spray, laser e tatuagem: cientistas estudam novas formas de aplicar vacina
Resumo da notícia
- Além da seringa e agulha, ou as "gotinhas" na boca, pesquisadores estudam novas maneiras de administrar vacinas
- Spray, adesivo, laser e agulhas de tatuagem são alguns exemplos
- No entanto, maioria das tecnologias está em fase inicial dos estudos, sem aprovação de agências reguladoras
Desde bebês, somos inseridos no calendário de vacinação —ou com os imunizantes administrados com seringa e agulhas ou com as gotinhas via oral.
Cada uma dessas tecnologias irá estimular o sistema imunológico de uma forma. Um exemplo é a vacina de poliomielite e rotavírus, que vai direto ao estômago e intestino.
Além de estimular a produção de anticorpos contra a doença, também protege esses órgãos já que os agentes podem ser transmitidos após contato direto com as fezes ou com secreções eliminadas pela boca das pessoas doentes.
"Com a vacina injetável, o objetivo é que ela não passe pelo sistema digestório, pois no estômago pode não ocorrer uma absorção adequada da substância. Por isso, a maioria delas é injetável", explica Lorena de Castro Diniz, coordenadora do departamento científico de imunização da Asbai (Associação Brasileira de Alergia e Imunologia).
Novas tecnologias
Além das citadas, novas formas de administração estão surgindo, mesmo que ainda em fases iniciais e sem aprovação de agências reguladoras. São elas: a vacina de spray, de adesivo, com microagulhas de tatuagem e, para os que têm medo de injeções, a de laser.
As estratégias vão aparecendo com o tempo e favorecendo o desenvolvimento tecnológico, mas é preciso balançar os prós e contras de cada uma, segundo Gustavo Cabral, imunologista pela USP e pesquisador da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Sempre temos que levar em conta o que essa tecnologia traz de melhor do que as que já conhecemos. Para quem vai chegar? Quem vai se beneficiar disso? Porque, senão, fica tudo muito midiático. Gustavo Cabral, imunologista
É importante ressaltar que as pesquisas para esses tipos de administração ainda estão em fases de teste, sem uso na população geral. Abaixo, veja algumas das iniciativas —algumas já avançadas e outras nem tanto.
Spray nasal
Pensando em novas formas de combater o coronavírus, o Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) desenvolveu uma vacina em spray, que está em fase pré-clínica e aguarda autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para realizar estudos em humanos —a expectativa é iniciar no começo de 2022.
A Universidade de Oxford também está realizando estudos com a mesma tecnologia. A diferença é que os testes já estão sendo realizados em humanos.
Vantagens:
É uma estratégia interessante para quem tem medo de agulha. No caso da USP, os estudos iniciais mostraram que ela traz altos níveis de anticorpos IgA e IgG e também uma resposta celular protetora. Além disso, a administração escolhida tem um motivo: as vias aéreas são uma importante porta de entrada do vírus.
O foco da vacina é atuar diretamente no sistema respiratório. De acordo com Maria do Socorro Martins, presidente do comitê de imunizações da Sociedade Paraibana de Pediatria e pediatra da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande), na Paraíba, esse tipo de vacina provavelmente será bastante efetiva na cadeia de transmissão do vírus, bloqueando o contágio entre as pessoas.
"Atualmente, as vacinas utilizadas atuam principalmente na mitigação da doença e são pouco eficazes na transmissão. Mesmo vacinado, o indivíduo pode continuar transmitindo o novo coronavírus", conta.
Desvantagens:
Como ainda está em fase de estudo, ainda há perguntas que precisam ser respondidas, como o número de doses necessárias da vacina, quantidade de imunizante e como ele reage em diferentes partes do organismo— algo que será observado em fases com humanos.
"Um ponto a pensar é a dose que será aplicada e qual seria a exata. Por que imagina aplicar o spray e a pessoa espirrar? O que foi ou não aplicado ali?", diz Gustavo Cabral.
Laser
Na Holanda, pesquisadores estão desenvolvendo uma tecnologia que utiliza laser para obter injeções sem agulha e "praticamente indolores". O nome da invenção é Bubble Gun, que usa um laser para injetar gotículas através da camada exterior da pele
De acordo o pesquisador do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) que teve a ideia, David Fernandez Rivas, o processo é mais rápido do que uma picada de mosquito e "não deveria causar dor" porque as terminações nervosas da pele não são tocadas.
"Em um milissegundo, o vidro que contém o líquido é aquecido por um laser, uma bolha é criada no líquido, empurrando o líquido para fora a uma velocidade de ao menos 100 quilômetros por hora", disse ele durante uma entrevista à Reuters.
Vantagens:
Seria um avanço principalmente para as pessoas que têm medo de agulha. De acordo com Martins, também seria uma boa opção para evitar o risco de contaminação de agulhas sujas e poderia reduzir os dejetos médicos, contribuindo para diminuir a contaminação do meio ambiente.
Desvantagens:
A tecnologia ainda está em fase muito inicial de um estudo. Portanto, com poucas informações sobre doses necessárias, efeitos colaterais, entre outros pontos essenciais para aprovação de uma nova tecnologia.
Adesivo com microagulhas
Administração de medicamentos pela pele, por exemplo, já ocorre há anos, como os adesivos hormonais. Recentemente, cientistas dos Estados Unidos criaram uma vacina em formato de adesivo, impressa em 3D, que demonstrou oferecer maior proteção que a vacina aplicada por meio de injeção.
O estudo feito em animais, publicado no periódico do Proceedings of the National Academy of Sciences, mostrou que a resposta imune resultante do adesivo vacinal foi 10 vezes maior do que uma vacina injetável. A inovação é composta por microagulhas impressas em 3D alinhadas em um adesivo inserido na pele —local com diversas células do sistema imunológico.
Vantagens:
A tecnologia não causaria dor e, por meio da impressão 3D, as microagulhas podem ser facilmente personalizadas para desenvolver adesivos de vacina para diferentes doenças como a da gripe, sarampo, ou contra a covid-19. Também não enfrentaria obstáculos logísticos de armazenamento, conservação e distribuição.
Desvantagens:
Existem diversas limitações, segundo a médica da UFCG, como falta de precisão da dosagem, incapacidade de administrar grandes volumes —principalmente para vacinas que utilizam adjuvantes— e irritação na pele, que pode sofrer interferência de fatores como hidratação ou suor excessivo.
"São fenômenos não observados com as vacinas injetáveis", diz Martins. "Atualmente não existe ainda regulamentação necessária para o desenvolvimento e aplicação dessas vacinas e se faz necessário um investimento financeiro robusto para vacinas com tecnologias inovadoras."
Agulha de tatuagem
Neste exemplo, os pesquisadores usaram as agulhas de tatuagens. A ideia, no entanto, era oferecer um tratamento para pessoas com lesões na vulva, causados por HPV (Papilomavírus Humano) do tipo 16 —que apresenta alto risco para desenvolvimento do câncer.
Os cientistas aplicaram a vacina intradérmicas (na pele) em 4 "doses", igual uma tatuagem, na região da coxa —cada um aplicada com intervalo de duas semanas. Após 6 meses da tatuagem, ela sumiu quase completamente da pele —como mostram as imagens acima, publicadas no periódico Journal for ImmunoTherapy of Cancer, em 13 de julho deste ano.
Vantagens:
Seria uma outra estratégia para tratar esse tipo de lesão, sem ser com laser ou cremes. De acordo com os pesquisadores, os pacientes poderiam aderir mais ao tratamento.
Desvantagens:
Os resultados em humanos (14) apresentaram pouca significância estatística: 43% das pessoas tiveram resposta clínica e um participante teve reação adversa séria. Mais estudos seriam necessários para chegar a uma conclusão.
É preciso cautela
Em 2019, a SBIm (Sociedade Brasileira Imunizações) soltou uma nota sobre dispositivos sem agulha para aplicação de injetáveis e seu uso para a vacinação. "No Brasil, até o momento, não há vacinas que incluam em sua bula a autorização para aplicação com dispositivo de injeção sem agulhas", explicaram.
Necessitamos de mais informações e que, após a conclusão de estudos, esses novos dispositivos sejam submetidas às agências regulatórias a fim de receberem seu licenciamento para uso de uma imunização segura e efetiva. Maria do Socorro Martins, médica da UFCG
A sociedade também reforça que essas inovações necessitam de estudos específicos em cada faixa etária, para a demonstração da eficácia, segurança e a não-inferioridade dos resultados já comprovados com a utilização de seringa e agulha.
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