Casca de ovo é usada como matéria-prima para preenchimento dérmico
O preenchimento dérmico é um procedimento amplamente utilizado para corrigir rugas, cicatrizes ou sulcos na pele. A técnica, que tem um mercado global estimado em US$ 9,4 bilhões até 2028, consiste na aplicação de injeções de ácido hialurônico na região a ser tratada.
Uma inovação desenvolvida pela startup brasileira BioSmart Nano ajudará a colocar nesse mercado um produto que deverá abrir caminho para a próxima geração de preenchedores dérmicos.
Por meio de um projeto apoiado pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), a startup desenvolveu um processo de extração de ácido hialurônico de alta pureza a partir da casca de ovo.
A matéria-prima deverá ser utilizada na produção de um novo gel preenchedor. Para isso, a empresa brasileira também desenvolveu, com parceiros dos setores público e privado do Canadá, um novo processo de estabilização do ácido hialurônico a partir de um componente inovador.
De acordo com Hélida Barud, CEO da BioSmart Nano, o novo processo de estabilização permite dar à formulação do gel um maior tempo de permanência no tecido com um grau de viscosidade ideal - um ajuste de importância crucial para os preenchedores dérmicos.
"O preenchedor é um gel e, se escorrer excessivamente, não produz a sustentação adequada. Mas, se a viscosidade for muito alta, ele não passa pela agulha e não tem aplicabilidade", explica Barud.
A BioSmart Nano foi fundada em Araraquara, no interior de São Paulo, em 2016, e a partir de 2018 teve diversos projetos aprovados no programa PIPE-FAPESP, incluindo o de desenvolvimento da tecnologia relacionada ao ácido hialurônico.
"No caso desse projeto, a fase 1 do PIPE, em 2018, e atualmente a fase 2 foram dedicadas a desenvolver a rota de extração da matéria-prima por uma via inovadora, com o aproveitamento de casca de ovos. A tecnologia, iniciada em outubro de 2020, também está focada na obtenção de um produto diferenciado, em conjunto com os parceiros canadenses", diz.
Segundo Barud, o passo inicial, que foi o desenvolvimento da nova rota de extração da matéria-prima, foi fundamental porque não existem empresas brasileiras que produzam ácido hialurônico. Praticamente tudo é importado da China.
"O problema é que a China não tem um controle de qualidade tão exigente como o da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e o ácido hialurônico que eles produzem pode, eventualmente, conter impurezas que, no contexto de um processo de formulação para um preenchedor facial, pode resultar em reações teciduais de inflamação, infecção ou até necrose", afirma.
Para fazer a extração do composto a partir de uma matéria-prima como a casca de ovo é preciso descalcificá-la e, para isso, pelo método convencional, seria preciso utilizar muitos ácidos em um processo que envolve diversos solventes, que depois são removidos para que não fiquem resíduos no ácido hialurônico. Esses resíduos, porém, podem se tornar um problema ambiental.
"Conseguimos fazer isso com solventes mais orgânicos, que não são tão agressivos e não produzem tantos resíduos que possam agredir o meio ambiente. Com esse novo método de extração, trabalhamos em uma rota 'verde' para obter o ácido hialurônico", avalia Barud.
Parceria internacional
Em 2020, a BioSmart Nano foi contemplada com um projeto em parceria com o Programa de Assistência à Pesquisa Industrial do Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá (NRC/IRAP, na sigla em inglês), que buscava uma startup brasileira altamente qualificada para consolidar uma parceria.
De acordo com Barud, naquele momento, a aprovação da fase 2 do PIPE-FAPESP foi fundamental para a decisão do governo canadense de estabelecer a parceria.
"A FAPESP é muito séria nos seus processos seletivos e já estávamos habituados aos parâmetros rígidos e passamos por todos os requisitos", afirma.
Segundo ela, o projeto tem o objetivo de formular um novo gel preenchedor com base no ácido hialurônico extraído da casca de ovo e estabilizado por um componente inovador patenteado pela empresa canadense Coesys, também parceira no projeto.
"Essa empresa canadense patenteou um biopolímero degradável que pode ser utilizado para o reparo ósseo e tecidual, que funciona como uma espécie de 'cola para ossos'. Já há produtos no mercado com base nesse material, mas percebemos uma necessidade de diversificação", afirma Barud.
O projeto apoiado pelo PIPE-FAPESP está previsto para terminar em 2022 e a parceria com o Canadá vai até 2023.
"A ideia é incorporar o biopolímero da empresa canadense na nossa produção de ácido hialurônico, a fim de estabilizar o gel e obter uma formulação diferenciada para a produção de um preenchedor dérmico de nova geração, que proporcione maior sustentação ao tecido, melhores propriedades de biotoxicidade e evite inflamações locais", explica Barud.
De acordo com Barud, apesar dos atrasos impostos pela pandemia de COVID-19, o projeto já está em fase adiantada. "Já estamos na fase de testar as formulações. No primeiro trimestre de 2022 pretendemos fazer os testes de toxicidade e, em seguida, começar os ensaios clínicos em animais", diz.
Nesse processo, por conta do grande potencial de inovação de seus projetos, a BioSmart Nano conseguiu um importante investidor. Em junho de 2020, a empresa tornou-se sócia da Seven Biotecnologia e passou a fazer parte do http://gseven.com.br/biotecnologia/ Grupo Empresarial Seven. A expertise gerencial e a solidez do grupo garantiram à startup apoio nas áreas jurídica e de contabilidade e a parceria possibilitou a contratação de dois funcionários.
A pesquisadora estima que, quando o projeto chegar à fase de validação e regulamentação, os custos aumentarão exponencialmente. "Avaliamos que gastaremos cerca de R$ 500 mil só com o processo de regulamentação junto à Anvisa. Por isso, embora a verba da FAPESP tenha sido vital para iniciar o projeto e consolidar a parte científica, teremos que seguir adiante buscando novos caminhos e também aportes de investidores", avalia Barud.
O objetivo, segundo ela, é que o novo gel preenchedor esteja no mercado em 2024. Antes disso, será preciso realizar os testes em animais, planejar o escalonamento da produção e conquistar mercado.
"Estamos percebendo que talvez seja mais simples obter a aprovação da FDA [a agência regulatória de fármacos dos Estados Unidos] para depois entrarmos com o processo de aprovação na Anvisa. A jornada ainda é longa, mas o fundamental agora é consolidar a parte científica. Nossa intenção é ter o produto no mercado em 2024, mas vamos também estudar outras possibilidades, como a transferência de tecnologia, caso se conclua que não vale a pena produzir", afirma Barud.
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