Com epilepsia, ele precisou pagar por terapia VNS, já autorizada no SUS
Em seu primeiro dia de aula quando tinha seis anos, Thiago Santos sentiu os primeiros sinais de uma convulsão. "Estava no meio de uma aglomeração de alunos e fiquei paralisado, mas não entendia o que tinha acontecido", lembra.
Algum tempo depois, aconteceu de novo, com sintomas mais fortes. "Foi enquanto brincava na rua. Caí, me ralei e chamaram minha mãe. Em casa, aconteceu de novo. Foi quando ela me levou a um neuropediatra e fiz um exame de eletroencefalograma."
O diagnóstico que Thiago recebeu foi de epilepsia, uma doença na qual neurônios produzem uma atividade excessiva e anormal, causando as crises convulsivas que o acompanham até hoje, com 34 anos. O quadro está associado à maior mortalidade, dado o risco de acidentes, traumas, crises prolongadas e morte súbita. Além disso, relaciona-se à depressão e à ansiedade, assim como a problemas psicossociais, que vão desde o desemprego e o isolamento social, até o estigma.
Com acompanhamento médico, ele usava apenas um medicamento para combater as convulsões. A indicação, conta ele a VivaBem, era ir trocando o medicamento até que a doença se estabilizasse.
"Como meu quadro era de difícil controle, isso nunca aconteceu, os remédios não combatiam. Desde o diagnóstico nunca tinha vivido uma semana sem crise. Estava passando por uma situação contrária ao que me disseram —quanto mais velho, mais convulsões aconteciam", diz ele, explicando que após uma crise, se sentia fraco e com o raciocínio lento.
Morando em Bauru, cidade a cerca de 280 km da capital paulista, Thiago foi aconselhado a procurar um médico do HC (Hospital das Clínicas) de Ribeirão Preto, também no interior de São Paulo. "Fizeram muitos exames, ressonâncias diferentes, colocaram 40 eletrodos na minha cabeça. Ainda assim não descobriram por que meu caso não estava sendo controlado, mas indicaram um aparelho que poderia me ajudar", conta.
A terapia VNS
O aparelho indicado serve para a terapia de estimulação elétrica do nervo vago. Nela, usa-se um gerador, um pequeno aparelho médico como um marca-passo, que através de um condutor envia impulsos elétricos ao eletrodo ligado ao nervo vago esquerdo, situado no pescoço.
Em seguida, o eletrodo envia impulsos para o cérebro, ajudando a prevenir as alterações elétricas que causam as crises. O nervo vago é um grande elo de comunicação entre o corpo e o cérebro, responsável por enviar impulsos às partes do cérebro.
Além dos estímulos programados que o aparelho realiza, é fornecido um ímã aos pacientes, que permite aos pacientes ou cuidadores realizarem a ativação do aparelho no momento que percebem o início de uma crise.
Por meio da estimulação adicional realizada é possível parar ou diminuir a gravidade das crises epilépticas. A estimulação na hora da crise é um benefício adicional da terapia de estimulação do nervo vago, com objetivo de dar mais qualidade de vida aos pacientes e suas famílias.
O custo da tecnologia era de R$ 180 mil e seu plano de saúde cobriu metade —o que, para Thiago, que trabalha como assistente administrativo, era um valor muito alto, e para arcar com os gastos, precisou endividar-se.
"Só depois da cirurgia descobri que esse tratamento já tinha sido aprovado no SUS, mas que ainda assim não era possível realizá-lo gratuitamente", diz Thiago.
De fato, o Ministério da Saúde aprovou a terapia VNS em 2018, mas, em resposta a VivaBem, explicou que "a terapia de estimulação elétrica do nervo vago ainda não consta na tabela do SUS por questão orçamentária." Na rede pública, para o tratamento da epilepsia está disponível o medicamento levetiracetam, testes, microcirurgias e alguns outros procedimentos.
"É triste ver essa situação. Pacientes que têm que lutar na Justiça por uma terapia que já deveria estar no SUS há quase quatro anos", afirma Maria Alice Mello Susemihl, presidente da ABE (Associação Brasileira de Epilepsia), uma organização sem fins lucrativos que busca promover a melhora da qualidade de vida das pessoas com a doença.
"Estamos há anos dialogando com o Ministério da Saúde para resolvermos esse imbróglio. Enviamos recentemente uma carta à SAES (Secretaria de Atenção Especializada à Saúde), pois vemos que a não incorporação da terapia ofende todos os profissionais que trabalharam analisando a necessidade da incorporação, os médicos e todas as pessoas que participaram da consulta pública, bem como o direito à saúde de todos os brasileiros", completa.
Desde que fez a cirurgia, as crises de Thiago foram diminuindo a cada dia, o que aumentou sua qualidade de vida. "Minhas convulsões eram de curto prazo, duravam cerca de cinco segundos, mas eram frequentes, cheguei a ter 10 em um dia. Durante as crises, ficava consciente, mas os episódios me deixavam muito abalado, com dor nos músculos e dificuldade para raciocinar", afirma.
Há alguns meses, Thiago descobriu que resta pouca bateria no aparelho que usa para a terapia, e terá que trocá-lo por meio de uma cirurgia que custará aproximadamente o mesmo valor da anterior. "A bateria deveria durar de quatro a cinco anos, mas usando com a carga máxima durou apenas dois. Agora vou precisar me endividar de novo", explica o paciente.
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