Ele sofreu acidente e ficou paraplégico: 'Com o esporte, minha vida voltou'
Em maio de 2014, Lipe Magela, 30, sofreu um acidente de moto no Capão Redondo, zona sul de São Paulo. Chovia no dia e o asfalto estava escorregadio. Ele tentou desviar de um ônibus parado na pista, mas derrapou e caiu.
"Não bati em nada, foi eu e o chão", diz. O problema é que, na queda, a perna fez um movimento brusco para a frente e, com isso, Lipe quebrou três vértebras, quatros costelas, deslocou o ombro esquerdo e sofreu uma parada respiratória a caminho do hospital.
Ele recebeu um rápido atendimento da ambulância e foi levado para um pronto-socorro, mas não havia médicos disponíveis. Foi só no segundo hospital que encontrou uma equipe disponível para atendê-lo. As primeiras horas foram de muita dor —embora Lipe não se recorde muito bem.
A equipe médica precisou drenar a região do tórax dele para retirar o sangue na região. Depois disso, Lipe ficou 10 dias internado sem poder mexer sequer o pescoço, apenas olhando para o teto.
"Tive que esperar esse tempo até estabilizar o meu pulmão. Se eu entrasse em uma sala de cirurgia para operar a coluna, o risco de perder a vida era maior. Foram os piores 10 dias de todos", conta.
Na cirurgia, os médicos colocaram 10 parafusos, duas placas e uma haste na coluna de Lipe que, aos 22 anos, perdeu os movimentos das pernas e ficou paraplégico. Neste período, a equipe retirou o dreno que estava na lateral do peito dele e, para evitar riscos de infecções, ele passou mais sete dias tomando antibiótico no hospital.
Quando chegou em casa, a realidade bateu forte. "Não conseguia me virar na cama sozinho. Não tinha força no tronco, no corpo inteiro... Perdi tudo. Quando eu me sentava, além de sentir muita dor, precisava de ajuda de outras pessoas", lembra.
Na época, morava com a mãe e tinha uma namorada. Uma fisioterapeuta ia até a casa de Lipe realizar as sessões de tratamento. Foi ela quem o apresentou ao Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, referência em reabilitação, localizado em São Paulo.
Lipe passou por três internações lá: ficava um período e depois ia para a "vida real". Em seguida, voltava para o instituto e contava o que ainda precisava aprimorar (subir uma escada rolante, por exemplo). Além do suporte físico, também contou com auxílio voltado para a saúde mental.
"O esporte devolveu minha liberdade"
Na instituição, Lipe aprendeu a subir na cadeira de rodas, a cair dela e voltar, se fosse o caso. Ao todo, as internações duraram sete meses, com pequenos intervalos entre cada uma.
Na reabilitação, começou a fazer atividades físicas e foi lá que ele conheceu a handbike, uma bicicleta adaptada para ser pedalada com as mãos. O atleta freia e acelera a bicicleta com os braços e as mãos, além da força do tronco. No início da prática, ele dava voltas curtas, de 15 a 20 metros. Isso durava, mais ou menos, 15 minutos.
Com o esporte que conheci na Lucy Montoro, minha vida voltou, mesmo que de outra forma. O esporte devolveu a liberdade que o acidente tinha tirado: aquele vento no rosto, sem depender de ninguém. Tudo melhorou depois disso, inclusive, minha autoestima. E o corpo acompanha.
Por outro lado, a experiência nas ruas de São Paulo —e de outras cidades— é difícil, carece de acessibilidade. Mas isso ele também foi aprendendo aos poucos, principalmente com ajuda da reabilitação. "Costumo dizer que eu faço minha acessibilidade. Vou demorar mais —para subir uma escada, por exemplo—, mas eu subo. Aprendi bastante isso lá. Você tem que dar um jeito."
Quando recebe "olhares de pena ou de dó", não dá muita importância, sabe contornar a situação: "O esporte trouxe isso".
Dois anos depois do acidente, Lipe terminou o namoro. Ficou solteiro e mais "solto", nas palavras dele. Após três meses, engatou um relacionamento e, depois de 1 ano, resolveu casar. O casal só não imaginava que, naquele momento, uma gravidez estava a caminho.
Em outubro de 2018, Davi nasceu. "Foi um lindo parto, maravilhoso. Não consigo nem descrever". Em maio deste ano, o casal resolveu terminar, mas o menino, com quase 3 anos, adora andar de bicicleta com o pai. Lipe conta que o filho aprendeu a mexer na cadeira de rodas antes de dar os primeiros passos. "Eu fico todo bobo, claro", brinca.
Graças ao filho e ao paraciclismo, Lipe afirma que "sua vida começou" depois do acidente. O atleta até fez uma tatuagem no braço para relembrar a importância do esporte: depois da bike, a vida voltou.
A vida é mesmo uma caixinha de surpresa. Depois do acidente que minha vida começou. Me tornei atleta, casei, tenho um filho, me divorciei e moro sozinho. Além do treino, também trabalho. É tudo muito corrido, mas também prazeroso.
Amor antigo: Lipe sempre gostou de bicicleta
O amor pela bike não é de hoje. Desde criança, ele gostava de soltar pipa e sair para andar de bicicleta. Quando completou 18 anos, decidiu comprar uma moto e acabou deixando a bike de lado.
"Após o acidente, quando vi que ainda dava para pedalar, mesmo que com as mãos, já pensei: 'É isso que eu quero'. Já me imaginava em uma avenida ou estrada, sem limitações."
Desde então, tudo voltou a fazer sentido na vida de Lipe. Com ajuda da ONG Pernas de Aluguel, começou a participar de corridas de rua —onde há a categoria handbike. O ponto é que Lipe queria competitividade, algo que essas provas não ofereciam.
"Não tinham outros cadeirantes, no máximo uns dois ou três. Faltava essa categoria. Eu largava na frente, acabava a prova, ganhava uma medalha e ia para casa", conta. Nessas situações, ele aproveitava para melhorar o tempo de prova.
Hoje, ele é o 2º do ranking nacional
O problema é que, para ser mais rápido, ele precisava de uma handbike mais moderna e mais leve —na época, em 2017, o equipamento que o atleta desejava custava R$ 25 mil. Com a campanha #PedalaLipe, apoiada pela ONG, ele arrecadou R$ 16 mil.
Com mais R$ 1 mil do próprio bolso, conseguiu comprar uma bike usada, que pesa 14 kg. Antes, utilizava uma handbike de ferro que pesava aproximadamente 29 kg.
Atualmente, Lipe já participou de diversas competições, principalmente nacionais. Essas provas costumam ser divididas em categorias. Lipe compete na handbike H5, que inclui atletas com paraplegia, amputação unilateral ou bilateral, perda incompleta do membro inferior, entre outras condições. Na H1, por exemplo, são pessoas com tetraplegia (sem movimentos nos braços e nas pernas).
Em 2017, foi campeão paulista de paraciclismo e vice-campeão brasileiro em sua categoria. Em 2018, foi vice-campeão no Panamericano de Paraciclismo. Hoje, está em 2º lugar no ranking nacional no H5.
"Desde que entrei para o alto rendimento, só não subi no pódio em duas provas: a primeira que participei, em 2017, e uma outra em 2019", conta.
O atleta treina de segunda a sábado e os pedais duram de 1h30 até 4h, 5h (principalmente aos fins de semana). Ele faz treinos de tiros (intervalados), com subidas e rodagens longas. Além disso, faz musculação na academia e tem acompanhamento nutricional. Sua prova mais longa foi de 80 km, que completou em menos de 3 horas.
Agora, ele sonha em trocar equipamento e participar das Paralimpíadas de 2024
Lipe sempre traçou vários objetivos, que vêm "por partes", segundo ele. "Antes, meu sonho era entrar para o esporte de alto rendimento e eu consegui. Depois, era ter um bom equipamento, o que também consegui. Queria entrar para o ranking nacional e consegui. Sonhava com bons resultados no Brasil, consegui também."
Agora, ele sonha com um patrocínio para viver pelo esporte —porque além de treinar, precisa trabalhar para se sustentar— e pretende trocar o equipamento por um material muito mais leve —e muito mais caro, cerca de R$ 100 mil.
Alcançando isso, deseja, enfim, participar de provas fora do Brasil e, assim, chegar nas Paraolimpíadas de Paris, em 2024. Pedala, Lipe!
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