O que são as superbactérias e por que elas são perigosas? Tire suas dúvidas
A detecção de bactérias resistentes a antibióticos mais do que triplicou durante a pandemia do coronavírus no Brasil, segundo um estudo realizado pelo Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar do IOC (Instituto Oswaldo Cruz), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
Em 2020, primeiro ano da pandemia, o número de amostras positivas passou para quase 2.000. Em 2021, apenas no período de janeiro a outubro, o índice ultrapassa 3.700 amostras confirmadas, um aumento de mais de três vezes em relação a 2019, período pré-pandemia.
Os dados preocupam os especialistas, que já falam em "pandemia" das superbactérias. Segundo Marcos Cyrillo, diretor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), há motivos para esse aumento durante a pandemia de covid-19.
"Tivemos mais pessoas internadas, em estado grave, usando antibióticos nos hospitais, ou seja, muito mais pacientes com fator de risco. Somando tudo isso, há um aumento dessa resistência das bactérias", diz.
Inclusive, esse alerta não é apenas para o Brasil, mas, sim, para o mundo todo. No ano passado, a OMS (Organização Mundial da Saúde) informou sobre a falta de novos antibióticos por causa da queda de investimentos privados e da falta de inovação na sua produção.
De acordo com André Bon, infectologista do Hospital Brasília (DF), trata-se de um problema multifatorial, que pode ser dividido em três níveis. "É um problema 'pequeno' quando citamos a população que utiliza antibióticos de forma inadequada. É 'grande' quando falamos dos hospitais, que precisam fazer essa prescrição de antibióticos de maneira precisa, por tempo indicado, para pacientes que necessitam", explica.
"Quando falamos de um 'enorme' problema, lembramos do uso da medicação [antibióticos] na agropecuária, que causa impacto na população em geral."
Para entender melhor o assunto, VivaBem reuniu as principais dúvidas relacionadas às bactérias resistentes. Confira abaixo:
O que são as superbactérias?
Também podem ser chamadas de bactérias resistentes ou multirresistentes a diversas classes de antibióticos. Existem vários tipos de bactérias que podem causar uma infecção tanto em um paciente internado ou não internado.
Para tratá-las, os antibióticos entram no jogo, mas quando não há resposta ao tratamento, esses microrganismos levam esses nomes: bactérias resistentes, multirresistentes ou superbactérias.
Por que elas são perigosas?
O problema é que uma infecção causada por essas bactérias apresenta um grande desafio por limitar as opções terapêuticas. Alguns quadros podem ser graves, quando não há resposta com nenhum antibiótico, podendo levar até mesmo à morte.
Segundo o infectologista do Hospital Brasília, a principal questão é a falta de opções para tratar esse quadro. "Muitas vezes, as opções que temos são antibióticos mais antigos e com maior toxicidade, com muitos efeitos colaterais ou com acesso difícil ao local que está causando a infecção", diz.
Por qual motivo as bactérias se tornam resistentes aos medicamentos?
Há diversos fatores, como já citado anteriormente, mas o principal é pelo uso abusivo de antibióticos por parte da população, prescrição inadequada dos médicos, falhas no saneamento básico até o uso indiscriminado do antibiótico no setor agropecuário.
Além disso, vale explicar que as bactérias são microrganismos extremamente capazes de se adaptar. Elas se reproduzem de uma forma muito rápida (a cada 20 minutos, em média), e a cada vez que ela tem uma reprodução, podem ocorrer mutações, conforme explica Hugo Morales, infectologista e diretor médico da healthtech Laura.
"A maioria dessas mutações não deixa a bactéria 'mais poderosa', inclusive são maléficas à própria bactéria. Contudo, algumas mutações podem conferir resistência aos antibióticos", diz o médico.
Segundo Morales, quando temos bactérias que estão resistentes com a mutação e expomos ao antibiótico, matamos todas as bactérias sensíveis. "Com isso, só prevalecem aquelas que têm resistência na sua genética. É justamente por isso que o uso abusivo é perigoso, pois há uma seleção bacteriana no organismo", explica.
Quais medidas podem ser tomadas para diminuir o uso errado desses medicamentos?
De acordo com especialistas, é fundamental trazer mais conscientização para que a população não faça uso indiscriminado desses remédios. Também é importante que as farmácias vendam apenas sob prescrição médica —o que muitas vezes pode não ocorrer.
A prescrição de antimicrobiano é um ato médico, então os profissionais só devem indicar seu uso quando houver motivo plausível e por um período específico. É essencial que ocorra uma análise do caso para entender se o quadro clínico é realmente compatível com uma infecção bacteriana ou se tem outra causa (viral, por exemplo).
Em casos de pacientes graves, deve-se iniciar o tratamento empírico imediato e realizar a coleta de culturas para tentar identificar a causa e a bactéria causadora.
Já em outras infecções leves, pode-se realizar a investigação ou acompanhar a evolução do caso sem começar com antibióticos. Para aumentar a chance de acerto terapêutico, é fundamental um profundo conhecimento do perfil de sensibilidade e os protocolos institucionais, de cada hospital.
Na pandemia, a detecção de bactérias resistentes triplicou. Por que isso ocorreu?
Principalmente pelo alto número de pessoas internadas na UTI e, em alguns casos, necessitando de ventilação mecânica. Consequentemente, mais pacientes precisaram utilizar antibióticos para evitar ou tratar infecções nos hospitais —o que favorece o aumento das bactérias multirresistentes.
No entanto, segundo Bon, muitos pacientes também receberam os medicamentos de forma incorreta tanto dentro dos hospitais como fora deles. "No contexto da covid, não tem necessidade de antimicrobianos a princípio. Pois é uma infecção viral e antibióticos matam bactérias, então não há indicação, só se ocorre alguma complicação bacteriana de um quadro mais grave de covid", diz.
Além disso, diversas pessoas resolveram tomar, por conta própria, diversos remédios do "kit covid", sem nenhuma evidência científica de que funcione para evitar ou tratar a doença. Neste combo, havia indicações de antibióticos, como a azitromicina. Tudo isso também contribui para aumentar os riscos do surgimento de superbactérias.
As bactérias sempre são ruins?
Não. Nosso corpo é composto de diversas bactérias que convivem em harmonia para fazer com que tudo funcione corretamente. Elas têm várias funções essenciais, como auxiliar na digestão de alimentos e também na proteção contra bactérias patogênicas (que causam doenças), por exemplo.
"Quando você mata bactérias desnecessariamente, você pode levar a problemas no futuro, principalmente as que são boas. E aí só sobram as ruins, as multirresistentes", explica o infectologista do Hospital Brasília.
Inclusive, o uso de antibiótico causa uma desarmonia na microbiota do intestino, fazendo com que algumas poucas bactérias prevaleçam. Isso torna o ambiente mais suscetível a infecções, por exemplo.
Como resolver esse problema mundial?
De acordo com o infectologista da SBI, essa questão com as superbactérias é também uma pandemia. Isso tudo pode ser resolvido de forma ampla, com informações à população sobre o uso indevido de antibióticos, orientação sobre a prescrição inadequada dos médicos e as falhas no saneamento básico, inclusive dentro dos próprios hospitais.
Por fim, expandir o debate sobre o uso indiscriminado do antibiótico no setor agropecuário. "Essa pandemia já existe há muito tempo e tende a piorar no decorrer dos anos, mas não estamos dando a devida importância", diz Cyrillo.
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