Entenda por que pessoas com deficiência intelectual envelhecem precocemente
Envelhecer é um processo natural, faz parte da vida. Porém, determinados grupos de pessoas apresentam os primeiros sinais precocemente, como as pessoas com DI (deficiência intelectual), que possuem um nível cognitivo e comportamental abaixo do esperado para sua idade, limitações nas habilidades cognitivas, dificuldades para compreender ideias abstratas, ter relações sociais e realizar atividades cotidianas. E, mesmo entre elas, o envelhecimento é distinto de acordo com a síndrome ou problema causador dela.
"Elas costumam apresentar os primeiros sinais mais cedo em comparação à população em geral. Nas pessoas sem síndromes genéticas, mas com DI, o envelhecimento ocorre entre 50 e 55 anos e para as com síndrome de Down, por exemplo, o processo tem início entre 40 e 45 anos", explica Ana Larissa Gomes Machado, professora da UFPI (Universidade Federal do Piauí).
O tema é bastante desafiador, já que falta suporte adequado para a manutenção da saúde das pessoas com DI que, muitas vezes são cuidadas por familiares que também estão passando pelo processo de envelhecimento.
Outro aspecto é a ocorrência de comorbidades, o uso combinado de vários medicamentos como antidepressivos, anticonvulsivantes e antipsicóticos e a morbidade em idades mais precoces.
DI e os sinais do processo de envelhecimento
As evidências iniciais do envelhecimento dependem de cada indivíduo e do meio em que vive. O fenômeno pode ser potencializado quando as pessoas com DI são infantilizadas por familiares, cuidadores e pela sociedade —fato que contribui para a manutenção de uma total dependência física e emocional e o desuso de funções cognitivas precocemente.
"O processo é heterogêneo, por isso o diagnóstico e a intervenção são medidas fundamentais para a promoção do envelhecimento ativo para que possam vivê-lo de maneira plena e ativa", completa Cláudia Lopes Carvalho, fonoaudióloga que atua na Fundação Dona Paulina de Souza Queiroz.
A instituição está localizada na zona sul da capital paulista e atende pessoas com DI com mais de 30 anos, isso é, em processo de envelhecimento, oferecendo atividades que visam à qualidade de vida e à estimulação cognitiva para que tenham suas expectativas de vida melhoradas.
"A identificação de estratégias preventivas capazes de preservar a saúde intelectual é atualmente uma prioridade para a redução de morbidade e incapacidade associadas ao envelhecimento, em especial de pessoas com DI. Elas necessitam das mesmas oportunidades e atenção dedicadas aos mais jovens. A manutenção da autonomia e independência da pessoa com DI deve ser uma meta para melhorar a sua qualidade de vida", enfatiza Machado.
'Tem autonomia, não independência'
O artista plástico Lauriceu Castilho, 52, participa há quase dois meses das atividades na Fundação Dona Paulina de Souza Queiroz. Com síndrome de Down, seu talento foi descoberto ainda criança pela artista plástica Sueli Massaro quando participava de atividades na Apae. Ele mora com a irmã Patrícia Castilho há seis anos e trabalha em uma farmácia que tem um programa de empregabilidade a pessoas com DI.
Durante a pandemia, desenvolveu suas habilidades tecnológicas. "Ele é ativo digitalmente", afirma a irmã. Segunda ela, Lau, como é chamado, é a primeira geração de pessoas com síndrome de Down com expectativa de vida de até 75 anos. "Tem autonomia, mas não independência."
De acordo com Maria Regina Leondarides, coordenadora da Fundação Dona Paulina de Souza Queiroz, há 40 anos, a expectativa de vida não passava dos 12 anos. "O avanço da medicina foi motivado pela aceitação dos pais, da família e dos próprios médicos", relata.
Como identificar os primeiros sinais?
Alterações comportamentais podem sugerir a precocidade no envelhecer, como mudanças emocionais, alterações no humor e perda de interesse em atividades que gostavam de fazer.
Os marcadores de saúde mental se modificam precocemente na pessoa com DI e é possível percebê-los por meio da diminuição da capacidade de comunicação dos sentimentos, tendência maior à depressão e à ansiedade, mudanças de comportamento e humor, dificuldade para reagir ao estresse e enfrentar situações de mudanças na rotina, mudanças no padrão de sono, dificuldade no gerenciamento do luto e perdas e maior tendência para desenvolver doenças neuropsiquiátricas.
"A presença de doenças e o uso prolongado de medicamentos impactam diretamente o processo de envelhecimento, aumentando a dependência e a necessidade de intervenção em saúde", fala Machado.
O caso da síndrome de Down
A população com síndrome de Down é o grupo de pessoas com DI mais estudado atualmente. Muitos dos idosos desse grupo acabam por desenvolver doenças que afetam a memória e os músculos. Uma das que mais acometem indivíduos com a síndrome é o Alzheimer.
Uma estudo coordenado por pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia e do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos, constatou que a doença neurodegenerativa, caracterizada pela perda gradual da memória e demência, atinge 80% das pessoas com mais de 65 anos e que possuem a ocorrência genética. Entre os indivíduos na mesma faixa etária, mas sem a condição, a incidência do Alzheimer é de 18%.
"Como resultado dessas pesquisas realizadas fora do Brasil, sabemos que pessoas com síndrome de Down apresentam envelhecimento precoce devido à mutação do cromossomo 21. No entanto, muitas pesquisas ainda precisam ser realizadas visando esclarecer melhor o processo e o impacto disso na longevidade", explica Carvalho.
Depois dos 30 anos, indivíduos com a síndrome começam a apresentar sinais de envelhecimento como a perda gradual da força, enfraquecimento da imunidade e da capacidade funcional. Além disso, há o embranquecimento ou perda de cabelos, dificuldade para escutar, visão prejudicada e catarata, condições que, na população sem Down, costumam surgir bem mais tarde.
Esses sinais acabam passando despercebidos pelas famílias, já que podem ser encarados como resultado da deficiência cognitiva que também faz parte das características da síndrome. Ações como não se limpar, esquecer de trocar de roupa, por exemplo, podem ser indicativos da instalação da doença neurodegenerativa.
Declínio cognitivo pode ser atenuado
O declínio intelectual pode ser mitigado por meio de tarefas para promover a adaptação física, psicológica e social. As atividades não requerem complexidade e podem envolver outras habilidades, como as sinestésicas, por meio de dança ou música.
A Apae Brasil (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) prepara um programa multidisciplinar sobre o tema para dar suporte para as mais de 3.000 Apaes existentes no país, buscando a valorização da autonomia para um envelhecimento ativo com aumento da qualidade de vida.
"Afinal, os declínios irão impactar duplamente a vida das pessoas com deficiência intelectual, muitos sem uma rede de apoio ou família e vivendo em abrigos", explana Pollianna Duarte Lopes, coordenadora de envelhecimento da Apae Brasil.
A estimulação, o treino e a reabilitação favorecem o aumento da performance e a redução do declínio funcional e devem ser realizados por profissionais especializados em reabilitação cognitiva e neuropsicológica. Algumas atividades cognitivas e hábitos têm potencial para desacelerar o processo. Fatores ligados ao estilo de vida como a prática regular de exercícios físicos e interação social contribuem para um envelhecimento mais saudável.
As habilidades cognitivas compreendem domínios como memória e linguagem, as quais devem ser estimuladas e preservadas por meio de atividades de estimulação e da interação social com familiares, amigos, vizinhos e outras pessoas que façam parte da sua rede de apoio social.
Entre elas, práticas de interesse, musicoterapia, arteterapia, terapias em grupo e outras que envolvam habilidades de raciocínio, memórias de longo e curto prazo, funções executivas, habilidades de vida cotidiana, treinos funcionais de aspectos do dia a dia visando a expansão cognitiva.
Os programas de reabilitação precisam se adequar a cada indivíduo, de acordo com as suas deficiências e potencialidades, considerando as funções que sofreram prejuízos, o humor do idoso e suas funcionalidades, ou seja, quais as atividades que ele consegue realizar de forma independente ou parcialmente dependente.
Fontes: Ana Larissa Gomes Machado, professora da UFPI (Universidade Federal do Piauí) no campus Senador Helvídio Nunes de Barros, tutora do Grupo PET Cidade Saúde e Justiça da UFPI, professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências e Saúde da mesma instituição e colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Urca (Universidade Regional do Cariri); Cláudia Lopes Carvalho, fonoaudióloga especializada em reabilitação neuropsicológica/cognitiva com atuação nos temas deficiência intelectual e envelhecimento humano, reabilitação da comunicação e da linguagem no adulto e no idoso, é colaboradora do grupo multidisciplinar da Fundação Dona Paulina de Souza Queiroz - instituição que atua com envelhecimento e deficiência intelectual, atualmente é pesquisadora na área de envelhecimento e síndrome de Down e compõe a equipe do Ambulatório de Envelhecimento e Síndrome de Down do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo); e Pollianna Duarte Lopes, psicóloga, especialista em saúde mental, diretora clínica da Apae do Recife e coordenadora nacional de envelhecimento da Apae Brasil.
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