Se o Natal celebra paz, amor e esperança, por que há quem o odeie?
O clima natalino se aproxima e você começa a se sentir o próprio Grinch, um ser rabugento que odeia essa época e faz de tudo para boicotá-la ou esquecê-la? Acredita que o "espírito" de Natal, comparado a uma onda coletiva e contagiante de compaixão, paz interior e esperança renascida nunca existiu, ou se existiu, de uns tempos para cá cada vez mais tem cedido a vez ao espírito de Krampus, a versão maligna do Papai Noel?
Calma, você não está sozinho! De acordo com uma pesquisa da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e publicada em 2016 no periódico científico britânico The BMJ, metade das pessoas (pelo menos das investigadas) não demonstra afeição por essa festividade cristã. São classificadas como portadoras da síndrome do "Bah Humbug" ("farsa", em português), alusiva a uma expressão de Ebenezer Scrooge, protagonista do livro "Um Conto de Natal".
Essa condição não se trata de uma doença em si, antes é mais um traço da personalidade influenciado por diversos fatores. Mas é tão forte, descobriram os cientistas, que até altera o funcionamento da mente. Ressonâncias magnéticas do cérebro dos voluntários apontaram que os de quem não vibra diante de cenas natalinas demonstram menor atividade sanguínea em áreas inerentes à prática da espiritualidade e compartilhamento de emoções, por exemplo.
Quando a magia acaba
Não gostar do Natal merece compreensão, não julgamentos. Se ele desperta sentimentos difíceis, como tristeza, raiva, angústia, pode ser devido a acontecimentos marcantes. Como o Grinch, o sujeito talvez tenha sofrido no passado. Então, por conta de relações abusivas ou dificuldades financeiras, seja difícil passar todo ano por esse período, encontrar gente que não gostaria, se expor e demonstrar gestos e emoções que muitas vezes não são verdadeiros.
"Outra possibilidade são as perdas traumatizantes, de entes queridos, relacionamentos e que ocorreram coincidentemente nessa data, que também acaba reforçando a falta que fazem, principalmente se for muito recente", afirma Eduardo Perin, psiquiatra e especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo HC-USP (Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo), acrescentando que é ainda pior para os tímidos e aqueles que não se empolgam fácil.
Agora, não envolvendo problemas de fundo emocional, as possibilidades que explicam o ranço pela festividade incluem: o enorme apelo consumista que ela carrega; não ser cristão ou até ser, mas não reconhecer o aniversário de Jesus Cristo em 25 de dezembro (por ele não constar na Bíblia); estar cansado da mesmice de sempre, o que inclui de programações de TV, preparar e pedir cooperação para a ceia, comprar e trocar presentes, armar e desmontar decorações.
Vale 'resgatar' o Natal?
Desiludidos com o Natal se queixam de que ele perdeu o brilho de antigamente e culpam a modernidade. Porém, não é bem assim. As pessoas é que crescem, amadurecem e, às vezes, não se permitem ao novo. A percepção de quando se é criança é uma, ao iniciar uma família é outra e, com o envelhecimento, tudo muda novamente. O próprio Natal, ao longo dos séculos, se transformou, incorporou costumes, receitas, canções de diferentes povos, não é imutável.
"Por isso, como qualquer evento que perpasse pela história humana, deve ser compreendido como um fenômeno diverso, não há um jeito correto ou melhor de celebrá-lo. E mesmo a sua não celebração não deve ser vista como negativa, mas uma particularidade. A sociedade é heterogênea, composta por sujeitos com vivências e condições diversas", reflete Lara Rocha, psicóloga da Clínica Amar Mente e Corpo, parceira da Central Nacional Unimed, em Salvador (BA).
Mas se for uma vontade própria querer demonstrar mais afeto, melhorar a convivência e superar dificuldades atreladas ao passado, saiba que é possível por meio da psicoterapia. O processo de adaptação é gradual, exige muita força de vontade e ajuda a superar eventuais lembranças dolorosas que a data possa infligir. Independentemente da crença, criação ou família, experimentar fugir à regra ainda é válido para se desconstruir preconceitos e aprender mais.
É tempo de reflexão
Sim, é clichê dizer isso, mas o Natal também é uma época que traduz fechamento de ciclos, pausa para aproveitar férias e pessoas e se planejar para o ano seguinte. Então, há gente que por não saber lidar com os próprios feitos, projetos e relacionamentos prefere odiá-lo, algo possível de ser estendido para mais eventos relevantes, como Páscoa ou aniversários, explica Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP).
"Embora qualquer dia sirva para se fazer um balanço geral sobre a vida, repensar a forma de lidar com a rotina e tentar melhorar alguns aspectos pessoais, o fim do ano funciona muito bem nesse quesito. Ele nos lembra com intensidade dos significados de espiritualidade, olhar para dentro de si, amar ao próximo e ter fé em dias melhores", continua o psiquiatra, que vê tudo isso como ingredientes fundamentais para o dia a dia e amplamente transformadores.
O Natal pode ser o ponto de partida para "sentir" o entorno, querer se conhecer e buscar ajuda profissional —e a partir daí despertar para o que realmente importa. Pode-se descobrir e exercitar a solidariedade, que é uma via de mão dupla. E ao investir tempo em prol de ações positivas, ajuda-se a quem muito precisa e, em troca, recebe-se mais motivação, bem-estar, aprendizados, como sobre não reclamar à toa, e desenvolve-se o senso de partilha e gratidão.
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