É verdade que não pode deixar o alimento na lata depois de aberta?
Parece inofensivo, mas não é. Guardar na geladeira uma lata aberta com sobras de atum, milho ou molhos, por exemplo, pode provocar desde a perda de sabor até danos à saúde, devido a contaminações que podem ocorrer quando o alimento fica exposto a microrganismos presentes no ar ou, caso a lata tenha sofrido algum dano, até mesmo a componentes da própria embalagem.
"Os riscos à saúde vão desde inflamações por proliferação bacteriana, como gastroenterites (nas membranas que revestem o estômago e os intestinos grosso e delgado) a contágio por Bisfenol A (BPA) —substância presente no revestimento interno das latas para evitar a ferrugem e prevenir a contaminação externa— que, se exposta acidentalmente, gera consequências ao organismo, como câncer e doenças cardíacas", alerta Flavia Bispo, supervisora clínica no Núcleo de Nutrição no HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual), em São Paulo.
"O ideal é remover o produto que sobrou para um pote com tampa e consumir no tempo sugerido no rótulo da embalagem. Nesse caso, não haverá ameaça de fazer mal à saúde", explica Carlos Anjos, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Armazenagem correta, risco zero
Muito usado, o artifício de vedar as latas com plástico tipo filme ou papel alumínio também não é recomendado. De acordo com Evânia Altina Teixeira de Figueiredo, professora na área de Higiene Industrial e Microbiologia de Alimentos na UFC (Universidade Federal do Ceará), além da possível ocorrência de liberação de substâncias tóxicas quando o alimento permanece no recipiente de origem (caso a lata tenha algum dano, o que nem sempre conseguimos identificar, ainda mais com o alimento lá dentro), o uso de filme plástico não sela totalmente a abertura e permite a entrada de oxigênio que causa reações no alimento, além de propiciar a proliferação de bactérias e fungos, presentes no ar.
Para evitar ou reduzir a exposição a uma possível contaminação pela lata ou pelo ar da geladeira, que pode conter microrganismos e cheiros de outros alimentos, os mais indicado pelos especialistas é tirar o alimento da embalagem e colocá-lo em recipientes de plástico, vidro ou porcelana, sempre com tampa.
De olho nos sinais aparentes
Segundo Bispo, o excedente do alimento armazenado na embalagem metálica sofre transformações como redução da umidade e mudanças sensoriais, adquirindo um sabor metálico. Além disso, as latas podem enferrujar devido à umidade da geladeira e possibilitar a contaminação química do alimento.
As alterações em alimentos processados após a abertura das embalagens decorrem da ação de microrganismos —bolores, fungos, leveduras e bactérias, que provocam mudanças no aroma, sabor e no seu aspecto físico.
"Algumas mudanças não são visualmente identificadas, as variações na aparência —cor e textura— são mais fáceis de reconhecer", ensina Anjos. "Por isso, é importante que os alimentos industrializados sejam consumidos de acordo com as instruções contidas nos rótulos e que o conteúdo, que por ventura não for totalmente ingerido, seja levado à refrigeração."
A conservação inadequada dos alimentos gera uma lista de riscos à saúde, como infecções que causam vômitos, diarreia, náuseas, cólicas abdominais e febre, provocadas pelas contaminações químicas, físicas ou microbiológicas.
As embalagens metálicas possuem um revestimento interno (verniz) para evitar que o material do qual são feitas reaja com o conteúdo. Após a sua abertura, a presença do oxigênio e os utensílios metálicos utilizados para retirar o alimento são capazes de causar fissuras no verniz, propiciando a oxidação e o fenômeno químico. "A reação é capaz de liberar compostos tóxicos e provocar intoxicações", fala Figueiredo.
Michelle Garcêz de Carvalho, professora do Departamento de Nutrição da UFS (Universidade Federal de Sergipe), lista a proliferação de microrganismos indesejáveis, que alteram negativamente as características do enlatado (sensorial e química), ocasionando mal-estar; a contaminação por agentes físicos, químicos ou microbianos, os quais ocasionam infecções, intoxicações ou toxinfecções alimentares e a interação dos comestíveis com agentes físicos (calor e umidade) ou químicos (oxigênio e metais) que favorecem ou aceleram as reações de oxidação e, consequentemente, formam compostos tóxicos.
Proteção e conservação
Uma das principais funções da embalagem é proteger o conteúdo até o consumo final. Se ela apresentar amassados, rachaduras, estufamento ou alterações na rotulagem certamente terá comprometida a conservação e há a possibilidade de o alimento provocar danos ao organismo se consumido.
"Se houver algum defeito, os alimentos ou as caldas, no caso dos doces enlatados, atuarão como soluções eletrolíticas e, em contato com a parte metálica interna das latas, iniciarão processos corrosivos, alterando o sabor e comprometendo a qualidade", exemplifica Carvalho.
A conservação é outra finalidade, prolongando a vida útil e garantido a qualidade até o consumo. Para isso, ela atua no controle da perda de umidade, contenção do vácuo, inibição da entrada de luz e bloqueio da entrada de microrganismos.
Carvalho lembra que os materiais que entram em contato com alimentos podem transferir substâncias que representam risco à saúde de quem consome. Por isso, o tema está sujeito à regulação sanitária da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que estabelece os requisitos que visam garantir a segurança desses materiais.
"Do ponto de vista de conservação do produto, as latas, com duas ou uma região de fechamento, e os vidros, com uma, oferecem melhor proteção aos fatores de ambiente em relação às caixinhas que, dependendo do modelo, podem possuir três ou quatro regiões de fechamento, que são pontos vulneráveis das embalagens", analisa Anjos.
Os comestíveis que possuem tampas de rosca para uso corriqueiro devem ser mantidos na própria embalagem até terminar de serem consumidos, sejam eles em caixinhas, sachês ou mesmo latas com tampas de pressão ou sobre tampas de plástico.
"O limite será sempre aquele declarado no rótulo pelo fabricante —melhor seguir essa regra, mesmo que todos os cuidados de conservação sejam obedecidos", orienta Anjos.
O melhor tipo de embalagem depende do tipo de produto e processamento, bem como do grau de proteção que oferece aos fatores ambientais, como oxigênio, luz e umidade.
As conservas como palmito, picles e semelhantes, mesmo que sejam mantidas na salmoura inicial e com a tampa metálica, que possuem muito boa resistência, pois são revestidas com vernizes resistentes, devem ser consumidas em curto espaço de tempo. Requeijões e patês em geral devem ser mantidos sob refrigeração, bem fechados e consumidos conforme sugestão do fabricante.
Fontes: Carlos Anjos é professor das disciplinas de embalagem de alimentos, estabilidade de alimentos e desenvolvimento de embalagens da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas); Evânia Altina Teixeira de Figueiredo é professora titular nos cursos de engenharia de alimentos e ciências agrárias na área de higiene industrial e microbiologia de alimentos da UFC (Universidade Federal do Ceará); Flavia Bispo é supervisora clínica no Núcleo de Nutrição no HSPE (Hospital do Servidor Público Estadual), em São Paulo; e Michelle Garcêz de Carvalho é professora no Departamento de Nutrição da UFS (Universidade Federal de Sergipe) e atua nas áreas de ciência e tecnologia de alimentos; higiene de alimentos; microbiologia de alimentos; análise sensorial de alimentos e gastronomia.
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