Sofreu um assalto, sequestro ou outros crimes? Veja como superar trauma

Não importa horário, local ou situação, violência sempre —ou quase sempre— deixa marcas. São poucos os que conseguem, de um dia para o outro, virar a página após um sequestro, assalto ou uma invasão de propriedade como se nada tivesse acontecido. Para a maioria não é fácil esquecer e são muitas as consequências, que, se não superadas, param a vida.

Num primeiro momento, a pessoa pode se apavorar ou entrar em choque, ficar sem reação. É muito comum também um estado de negação do acontecimento, como mecanismo de defesa. Depois, quando essa fase passa, vem a raiva e que pode direcionar o sujeito a dois caminhos: aceitar o ocorrido e fazer algo para evitar futuras situações parecidas, ou não querer superar a realidade ou até mesmo tentar, mas sem nenhum sucesso.

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No segundo caso, vai haver choro, sentimento de impotência e violação, vontade de se isolar, não querer fazer mais nada ou até desaparecer. Isso não só não resolve, como agrava a condição. Com os altos níveis de tensão, angústia e ansiedade podem se instalar uma depressão, uma síndrome do pânico, uma agorafobia (medo de não ter como escapar), um transtorno de adaptação, de estresse agudo ou de estresse pós-traumático, considerado mais comum e que pode durar anos.

Atente-se a como ficou depois do susto

Mesmo que em um primeiro momento a pessoa pareça estar bem, pode ser que não esteja. É comum, nos primeiros dias, ela ficar mais aérea, sensível, tristonha com o que vivenciou. Mas se após um mês continuar igual, denota que precisa de uma investigação, explica Henrique Bottura, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e psiquiatra do ambulatório de impulsividade do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo).

"Os transtornos de adaptação e de estresse agudo costumam se resolver por conta própria dentro desse período [de um mês]. Porém, no transtorno de estresse pós-traumático, os sentimentos e recordações ficam a todo tempo reentrando de forma intrusiva na consciência. Não cessam e o diagnóstico se confirma se continuarem por, ao menos, seis meses seguidos", acrescenta o psiquiatra. Já para se manifestar, esse transtorno pode levar até três meses.

Mas é tudo muito relativo. Há quem leve menos tempo (dias, semanas) e demore muito mais para se recuperar (anos, décadas, principalmente se a pessoa se deparar no dia a dia com situações semelhantes às vividas). Mesmo que o indivíduo não vivencie esses acontecimentos, mas testemunhe, eles disparam uma série de emoções e reações negativas que se conectam às do passado. Outros ainda têm amnésia dissociativa (um branco mental), embora sintam as memórias no corpo.

Cada caso, uma abordagem

A depender da idade da vítima, os delitos ainda cursam de múltiplas maneiras no emocional e psicológico. Adultos podem ficar amargurados, desesperançosos, desconfiados, paranoicos, enquanto crianças podem sentir culpa se os pais sofrerem algum tipo de ataque ou ameaça na tentativa de protegê-las. Os pequenos ainda podem sentir medo em estar ou dormir sozinhas, permanecer com gente que não sejam os próprios cuidadores (mesmo parentes) e até se afeiçoar com os criminosos.

"Dois terços das crianças sequestradas, em geral, são alvos dos próprios pais, por uma série de razões, entre as quais violência doméstica, divórcios conturbados. Mas quando não é isso, elas podem se sensibilizar com seus raptores, exploradores sexuais, de trabalho escravo, pela falta de capacidade de autodefesa, percepção de risco e independência", diz Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Esse apego incomum, embora não seja uma doença, é chamado de síndrome de Estocolmo e pode atingir igualmente adultos. Scocca diz que nessa situação ou de sofrimentos diversos, os pequenos precisam de atenção médica e de familiares, que ainda não devem expô-los na TV, internet, para preservar suas vidas, inclusive no futuro. Já os adultos podem requerer desde psicoterapia a medicamentos, que variam de acordo com o prejuízo, gravidade e sintomas. Calmantes diminuem ansiedade, mas não resolvem e até podem piorar o estresse pós-traumático.

Precaver-se tem limites

Querer se blindar em uma redoma também não contribui em nada. Na prática é abdicar daquilo que se gosta, da forma como se veste, se comporta, dos lugares que frequenta, dos horários habituados, de viver. Bottura lembra que querer reduzir o próprio universo não é saudável e indica, de novo, que a pessoa precisa de ajuda, evitando que uma situação pontual se torne uma verdade generalizada. "Não faz sentido sair na rua com colete à prova de bala", diz.

É necessário fazer reflexões e tomar medidas que aumentem a segurança para um nível razoável. "No caso dos filhos, é positivo que pais os orientem sobre perigos, escolhas, companhias. Contudo, não devem impor, amedrontar, pois isso anula a subjetividade e pode levar a um estresse, ansiedade, depressão", alerta Joeuder Lima, doutor em psicologia pelo IESLA (Instituto de Educação Superior Latino-Americano), de Palmas (TO).

Em uníssono, os especialistas concordam que, havendo dúvidas, dificuldades, vale seguir com o acompanhamento profissional e seguir precauções básicas, como se informar sobre destinos antes de os conhecer e evitar os muito suspeitos; não aceitar nada de estranhos, que também não devem ser levados para dentro de casa; não deixar crianças andarem desacompanhadas. E se a violência voltar a ocorrer, evitar contato visual com os ladrões, ter calma e nunca reagir.