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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


Você costuma ler? Prática tem valor terapêutico e pode ajudar saúde mental

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Imagem: iStock

Andressa S. Alves

Colaboração para o VivaBem

11/01/2022 04h00

Para os amantes da literatura pode não soar novidade saber que o livro tem valor terapêutico. O poder da palavra escrita atinge tanto o campo intelectual quanto o emocional, promovendo a conexão consigo mesmo e com a realidade ao redor.

Formada pela união de dois termos gregos "biblion" (livro) e "therapeia" (tratamento), a biblioterapia faz bem à saúde mental por meio da leitura. Esse tema é objeto de estudos desde meados do século 20, como mostra o estudo "A Leitura Como Função Terapêutica: Biblioterapia", realizado por Clarice Fortkamp Caldin, doutora em literatura e professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). O estudo aponta que a relação entre a psique e a literatura já tinha sido observada por Freud e Jung.

O ato de ler libera as emoções, promove vivência e aprendizado por meio da projeção e identificação com os personagens das histórias. A leitura proporciona informações, encoraja o leitor a agir e tomar decisões, encarar a sua própria realidade ao observar e acompanhar as experiências dos personagens.

Coordenador do curso de biblioteconomia na UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), Lourival Pereira Pinto conta que a leitura pode transformar as pessoas de várias maneiras e, assim, proporcionar uma melhora na qualidade de vida de quem passa por problemas de saúde.

Com base nas experiências que vivenciou em projetos de biblioterapia, o professor e doutor em ciência da informação observou melhoras em transtornos psicológicos, diminuição e eliminação de dores relacionadas ao físico. "Acreditamos na força da palavra literária. Falo isso também como experiência própria porque muitas vezes a leitura me enlevou a um estado tal que, uma vez mudado meu estado de espírito, curou momentos de tristeza."

O professor também destaca que a biblioterapia pode ser feita em hospitais, clínicas, casas de repouso, bibliotecas, presídios e onde mais a leitura literária possa agregar possibilidades de melhoria da vida das pessoas. É uma atividade interdisciplinar que pode ser conduzida por bibliotecários, profissionais de saúde e de qualquer outra área; o fundamental é que a pessoa tenha conhecimentos de literatura, possua habilidade de se comunicar de forma tranquila, conheça estratégias de mediação de leitura, goste de pessoas, tenha empatia, solidariedade e confiança no que faz.

As mediações de leitura podem ser feitas de diferentes maneiras: leitura individual; em voz alta para os pacientes/leitores; rodas de leituras; como atividades organizadas de forma sistêmica, com registros de acompanhamento e desenvolvimento das pessoas envolvidas —é importante que sejam anotados os objetivos, os textos lidos, a complexidade das leituras e os resultados observados.

Especialista em biblioterapia, Carla Sousa realiza mediações de leitura em grupo e descreve como funciona: "sempre trago uma temática e, a partir dela, seleciono os textos —pode também ser música (muitas são poemas). O mediador conduz e proporciona o espaço de interação; o principal é o texto e os participantes". Nesses encontros, os participantes têm espaço para compartilhar as próprias lembranças e experiências que reconhecem ser parecidas com as histórias lidas pelo mediador.

Mulher lendo um livro com uma pilha de livros.  - Elvetica/Getty Images/iStockphoto - Elvetica/Getty Images/iStockphoto
Imagem: Elvetica/Getty Images/iStockphoto

Souza conta que durante a pandemia percebeu que aumentou a procura pelos encontros que acontecem também virtualmente, o que evidencia a necessidade que as pessoas sentem de ter contato e compartilhar emoções e sentimentos despertados por um texto. As vivências de biblioterapia oferecem espaço de conforto e acolhimento, permitindo a conexão com o texto e, também, entre os participantes. Os encontros costumam ter a duração de 1h30.

Por que faz bem?

A leitura proporciona a familiarização com a realidade e a liberação dos processos inconscientes. Sousa explica que o poder terapêutico da biblioterapia se dá por meio da linguagem simbólica e metafórica que acessa o inconsciente e a sensibilidade. Por isso, a escolha por textos literários em vez de, por exemplo, livros de autoajuda, que possuem uma linguagem mais direta, prática e, às vezes, técnica e racional.

Ela também destaca que a biblioterapia não está restrita à leitura de livros. Mesmo quem não sabe ler experimenta a leveza, a reflexão e a conexão que o texto oferece. "Ao ouvir também um conto, uma crônica ou uma poesia, a pessoa absorve os benefícios da literatura."

"As histórias são bálsamos medicinais. Achei as histórias interessantes desde que ouvi minha primeira. Elas têm força! Não exigem que se faça nada, que se seja nada, que se aja de nenhum modo — basta que prestemos atenção. A cura para qualquer dano ou para resgatar algum impulso psíquico perdido está nas histórias. Elas suscitam interesse, tristeza, perguntas, anseios e compreensões [?]". Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés.

Trabalhando com a biblioterapia desde 2011, a psicóloga e escritora Cristiana Seixas utiliza os textos em seus atendimentos individuais. A partir da escuta sobre o que o paciente deseja, o que o aflige e causa sofrimento, é oferecido um material de leitura com o qual ele pode tanto se reconhecer quanto adquirir um novo olhar sobre a situação em que vive.

Ler incentiva a introspecção para o crescimento emocional, atuando como um espelho interno e promovendo reflexões. Permite a verbalização das emoções e exteriorização dos problemas, servindo (algumas vezes) também como provocações. A psicóloga comenta que o efeito é catalisador e muito rápido, "a pessoa pode nunca mais voltar para a sessão de psicoterapia, mas a história literária sempre vai acompanhá-la".

"Os guaranis chamam de palavras formosas, as palavras que carregam alma. A biblioterapia é uma oportunidade de cultivo da alma através desse sopro de palavras formosas", conclui Seixas.