Estudo propõe forma de detectar complicação do P. vivax em quem tem malária
Em artigo publicado na revista eLife Sciences, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apontam uma nova estratégia para detectar possíveis desequilíbrios e complicações em indivíduos infectados pelo Plasmodium vivax, um dos agentes causadores da malária.
De acordo com o estudo, analisar a biomassa total do protozoário no sangue dos pacientes pode ser mais eficaz para prever a extensão da infecção fora da circulação sanguínea do que medir a quantidade de parasitas vivos (parasitemia) nas amostras. A descoberta é mais um passo para novos diagnósticos e tratamentos, contribuindo até mesmo com a busca de uma vacina específica contra esse tipo de malária.
Considerada uma das doenças infecciosas que mais afetam a humanidade - com 229 milhões de novos casos no mundo somente em 2019 -, a malária pode ser causada por cinco diferentes espécies de protozoário do gênero Plasmodium. As mais prevalentes são falciparum - mais agressiva e para a qual foi aprovada uma vacina recentemente - e vivax, responsável por 84% dos casos no Brasil. A transmissão ocorre por meio da picada da fêmea do mosquito Anopheles, quando infectada.
A doença provocada pelo P. vivax geralmente é mais branda. Porém, seu tratamento é potencialmente mais complexo porque formas dormentes do parasita podem se alojar por mais tempo no organismo, dificultando a eliminação. Além disso, pacientes que apresentam um forte desequilíbrio durante a infecção aguda podem estar em maior risco de piora do quadro clínico e desenvolvimento de sintomas graves após o início do tratamento. No entanto, resultados clínicos ruins aparecem mesmo com baixa parasitemia.
A pesquisa da Unicamp aponta que as alterações nos parâmetros clínicos e biomarcadores detectados no plasma de pacientes com Plasmodium vivax são resultado de respostas sistêmicas e da infecção local, principalmente na medula e no baço.
Ao medir uma combinação de parâmetros obtidos em amostras de sangue de pacientes (por exemplo, os níveis de plaquetas) e a biomassa total do protozoário (PvLDH), o estudo aponta que é possível prever a extensão da infecção do parasita fora da circulação.
"A biomassa, e não totalmente a parasitemia, relaciona vários problemas. Isso é extremamente novo, já que, até então, se olhava com pouco afinco para esse aspecto. Nossos achados jogam luz para a importância da biomassa acumulada na medula e no baço. É quase certeza de que esses dois órgãos são chave no desdobramento das complicações do vivax", afirma o professor Fabio Trindade Maranhão Costa, do Instituto de Biologia da Unicamp, um dos coordenadores do estudo juntamente com o pesquisador Matthias Marti, da Universidade de Glasgow (Escócia).
O trabalho recebeu apoio da FAPESP por meio do Projeto Temático "Desenvolvimento de novas ferramentas para busca e validação de alvos moleculares para terapia contra Plasmodium vivax" e de bolsas de pós-doutorado e de Estágio de Pesquisa no Exterior concedidas a João Luiz da Silva Filho, que divide a primeira autoria do artigo com o aluno de doutorado João Conrado Khouri Dos-Santos.
"Cada passo que damos nas pesquisas conseguimos consolidar que vivax é diferente de falciparum. De longe podem parecer iguais, mas, quando trocamos o prisma, detectamos as diferenças. Isso é importante para o desenvolvimento de tratamentos mais adequados, controles mais específicos e até de uma vacina", diz Costa à Agência FAPESP.
Em outubro do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS), em um anúncio considerado histórico, recomendou o uso generalizado da vacina contra a malária RTS, S/AS01 entre crianças na África Subsaariana e em outras regiões com transmissão de moderada a alta da doença causada pelo Plasmodium falciparum.
A medida, no entanto, não vale para o Brasil, que registrou 140.974 novos casos da doença em 2020, segundo o Ministério da Saúde. Isso porque 84,2% desses registros, ou seja 118.651 notificações, foram decorrentes de Plasmodium vivax, que provoca sintomas como mal-estar, calafrios, febre inicialmente diária (e depois com intervalo a cada dois dias), seguida de suor intenso e prostração.
A região amazônica concentra 99% dos casos de malária no país. Dos nove Estados da Amazônia Legal, o Amazonas é o que registrou o maior número em 2020 - cerca de 58 mil casos -, seguido de Roraima, com aproximadamente 27 mil.
Amostras
O grupo realizou um estudo transversal com pacientes com malária provocada por vivax, sem complicações, atendidos na Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), em Manaus. Nessa etapa, contou com a expertise do infectologista Marcus Vinicius Lacerda e da pesquisadora Stefanie Lopes.
Foram incluídos na amostra 79 doentes adultos, com idade média de 36 anos, e 34 pessoas de idade e sexo similares (grupo controle). Os doentes apresentaram uma ampla gama de parasitemia e sinais clínicos não complicados de infecção por vivax na consulta médica. No entanto, anormalidades hematológicas estavam presentes na maioria dos pacientes durante o início precoce da doença.
Ao fazer as análises dos dados, os pesquisadores trabalharam com dois grupos de infectados, chamados de "vivax baixo" e "vivax alto", definidos com base nas diferenças na biomassa total do parasita, mas não na parasitemia periférica.
Em geral, os pacientes com "vivax alto" mostraram mais alterações nos parâmetros hematológicos (composição do sangue) e ativação das células endoteliais (que revestem o interior dos vasos sanguíneos), entre outros fatores, quando comparados aos com "vivax baixo". Esse primeiro grupo também apresentou maior redução do número de plaquetas no sangue (trombocitopenia) e de linfócitos (linfopenia), além de enriquecimento de neutrófilos.
As pesquisas desenvolvidas pelo grupo de Costa nos últimos 15 anos resultaram em outros artigos já publicados, entre eles um de 2020 apontando a medula óssea como importante reservatório para replicação do parasita e já sinalizando a importância da biomassa como indicador.
"A cada estudo vamos encaixando o quebra-cabeça e os achados vão conversando. A ciência se constrói assim: pouco a pouco, com cada tijolo", diz o professor.
Segundo ele, os próximos passos incluem novas pesquisas para analisar mais detalhadamente o que acontece na medula. A ideia é fazer o acompanhamento de pacientes por um período mais longo, coletando amostras de sangue e acompanhando se haverá ou não alteração na medula que ajude a explicar o processo de complicações provocado pelo parasita.
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