Existe dom ou é prática? Será que qualquer um pode desenvolver um talento?
O italiano renascentista Leonardo Da Vinci entrou para a história como um "polímata", pessoa cujo saber não se restringe a um único campo de atuação. Da Vinci foi cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico. Mais recentemente, um nome altamente influente é o do inglês Alan Turing, que se destacou como cientista da computação, lógico, criptoanalista, filósofo, biólogo e herói da Segunda Guerra.
Qual seria o segredo de tamanha versatilidade? Tem a ver com genética e hereditariedade, criação, oportunidades, treinos ou, como preferem alguns, "dom", uma dádiva especial?
Assim como textura de cabelo, cor dos olhos, estatura, a capacidade para exercer determinada ocupação ou desempenhar uma atividade pode ser herdada dos pais, antepassados, e isso independentemente da personalidade —se é racional, introvertida, imaginativa etc. Porém, a carga genética não define tudo sozinha. Se soma aos aspectos psicológicos e emocionais e à interação do sujeito com o ambiente.
"Alguns possuem pré-disposição e a interação com os pais é de extrema importância, pois facilita para a prática e não a um bloqueio", afirma Paulo Nakano, neurologista do Hospital HSANP, em São Paulo. Ele continua que o meio social onde o processo de desenvolvimento ocorre influencia os resultados, no que diz respeito à presença ou à falta de segurança para se desafiar e querer subir mais e mais de nível. "Talento que é valorizado vira um bem coletivo".
Todo ser humano, em sua diversidade, para se autoconhecer, sair bem em alguma escolha e usá-la em prol dos outros, requer estímulos, orientação e validação por parte dos mentores de forma positiva. Os adultos também devem segurar suas expectativas e não agir com pressão, para que não confundam crianças e jovens e gerem neles angústia e frustração. Espera-se que os filhos sejam apoiados, observem os pais e sintam-se livres para querer "copiá-los", ou não.
Nunca é tarde para descobrir qual seu talento
A verdade é que nem todos sabem em que são bons, mas em qualquer época da vida é possível fazer essa descoberta. "Todos temos maiores ou menores habilidades que podem ser desenvolvidas. Descobrir o próprio talento requer interesse, investimento e dedicação para testar e se identificar, ou não. E mesmo quem tenha uma tendência natural precisa de treino e aperfeiçoamento. Mesmo o saber andar de bicicleta pode se 'enferrujar'", explica Gabriela Luxo, psicóloga e doutora em distúrbios do desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo (SP).
Às vezes, por diferentes razões, a descoberta daquilo em que se é bom só vem depois de anos, geralmente após vários fracassos, reflexões e tentativas. Foi o que aconteceu com o americano Harland Sanders, o "Coronel Sanders". Depois de ter trabalhado como agricultor, condutor de bonde, bombeiro e vendedor de seguros, ele descobriu, aos 65 anos, que sua real vocação era empreender no ramo de fast-food de frango frito e fundou a rede global de restaurantes KFC.
"Se pensarmos em habilidades, aptidões, descobertas de afinidades, é possível considerar que podem aparecer em qualquer idade. E sim, com estudo e perseverança é possível aprimorar uma técnica, um saber, uma impressão. Para isso, é preciso estar aberto às possibilidades. Se for um desafio, cabe ajuda terapêutica para se autoconhecer e realizar", afirma Lara Rocha, psicóloga da Clínica Amar Mente e Corpo, parceira da Central Nacional Unimed, em Salvador (BA).
O cérebro humano nunca para de aprender. Com o envelhecimento, se lentifica, mas a neuroplasticidade, ou seja, a capacidade de se adaptar e assimilar vários tipos de habilidades, desde motoras a cognitivas, não cessa. E quanto mais estimulado, mais os neurotransmissores criam e modulam conexões, facilitando, acelerando e inovando funções. Prova disso é Oscar Niemayer, que tirava de letra criar projetos arquitetônicos, algo que exerceu até os 104 anos.
É preciso incentivo
Deter um QI (Quociente Intelectual) acima da média, ser empenhado, crescer em um lar encorajador, tudo isso facilita, mas não garante o sucesso de ninguém. Além do que já foi citado, é preciso políticas públicas que viabilizem a inclusão social e a apreciação de determinados talentos pelo mercado. Isso contribui com a ampliação das habilidades, capacidades e produtividade dos cidadãos e ainda o crescimento econômico.
"Sem acesso à educação, informação, tecnologia, valorização do esporte, o que cada um tem de melhor não vai se desenvolver ao extremo. Infelizmente nossa sociedade é muito desigual", diz Júlio Pereira, médico pela UFBA (Universidade Federal da Bahia) e neurocirurgião pela UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles). Ele ainda critica o sistema educacional, por não identificar e estimular individualmente o potencial das crianças, e faz outras denúncias.
"A fome, na primeira infância, pode destruir com o futuro de gerações, pois causa danos cerebrais irreversíveis, prejudicando o aprendizado e a aquisição de habilidades cognitivas. Por isso, deve ser combatida, da mesma forma que os preconceitos". O neurocirurgião explica que até há pouco tempo existiam estereótipos sobre talentos tipicamente masculinos e femininos. "Mas, graças a avanços da ciência, caíram por terra. Por isso, devemos sempre nos posicionar".
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